O punhal
A vitória de Javier Milei nas primárias argentinas revela mudanças sociais que estamos apenas começando a compreender. Uma sociedade fragmentada, golpeada pela crise econômica e pela pandemia, que expressa sua raiva, mas também manifesta um desejo de refundação profunda, uma necessidade de choque
Quem havia notado a nova classe burguesa antes que as cabeças de Luís XVI e Maria Antonieta fossem guilhotinadas? Ou os trabalhadores excluídos que acabavam de chegar do interior antes de cruzarem as pontes em 17 de outubro de 1945 [1]? As transformações sociais são lentas e ocorrem silenciosamente, são correntes subterrâneas difíceis de perceber até que um dia irrompem, e então todos dizem: claro, é óbvio, tinha que acontecer. Portanto, para começar a entender os resultados das primárias de 13 de agosto, acredito que, mais do que pensar em grandes mudanças ideológicas do eleitorado (“giro conservador”, “direitização”), é preciso analisar o estado da sociedade em sua forma mais pura, ir o mais fundo possível. E não é necessário um doutorado em Sociologia para perceber que a sociedade argentina está fragmentada, dividida em mil pedaços depois de uma década de estagnação – com uma economia que não funciona, não resolve…