O que a África pode nos ensinar sobre imperialismo
O imperialismo sobre África não é apenas um jogo geopolítico, mas uma fase natural da expansão capitalista. Assim que o capitalismo se torna altamente desenvolvido dentro de uma determinada fronteira, ele parte para sua próxima fase que, ao tempo de Vladimir Lênin, era a expansão imperialista sobre a África, que virou um local de luta entre os colonizadores.
Na história contemporânea mundial, nenhum continente foi tão atacado e submetido quanto o continente africano. Primeiro pelo tráfico escravagista, depois pelo colonialismo destrutivo. A África passou pelas maiores calamidades que seres humanos podem impor a outros seres humanos. Desde a segunda metade do século XIX, um desses responsáveis tem nome: imperialismo. E, depois de tantos anos sobre a égide de impérios ultramarinos, a África tem algumas coisas a nos contar sobre imperialismo.
A partir da divisão do continente em Berlim, os poderes ocidentais (Inglaterra, França, Portugal, Alemanha, Bélgica e Espanha) tomaram as rédeas do desenvolvimento histórico africano. Com o discurso de “civilizar” o continente tratado como negro, desconhecido, exótico e perigoso, os ocidentais guardaram para si o poder de reinar sobre terras que pertenciam a outros seres humanos. Aos nativos nada, aos estrangeiros tudo. O imperialismo não foi apenas sobre a tomada de terras, como é comumente descrito e entendido. O imperialismo também foi sobre domar as almas e as culturas africanas através da imposição de uma epistemologia eurocêntrica, da imposição da religião cristã e de uma cosmovisão ocidental.
O primeiro ato do imperialismo foi se expandir sobre terras ainda não dominadas. Em estudos hodiernos ao tempo do imperialismo sobre a África, tal característica já fora discutida em Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo (1917), de Vladimir Lênin, intelectual e revolucionário russo. É importante retornar a essa obra devido ao seu impacto nos intelectuais africanos posteriores e que viriam a formar partidos nacionalistas e frentes de libertação contra o colonialismo e o imperialismo.
Em seu livro, Lênin discute a formação do capitalismo em estados territorialmente bem definidos, como é o caso dos estados europeus do Atlântico norte e dos Estados Unidos da América. Lênin argumenta que o crescimento econômico dos estados capitalistas europeus leva a um tal volume de acumulação, que o capital precisa cruzar fronteiras para continuar sua expansão. Como os estados capitalistas se tornam extremamente ricos, eles são levados a redirecionar seus investimentos para além de suas fronteiras. O resultado, segundo Lênin, é o imperialismo e o colonialismo sobre a África. Portanto, o sistema do capital se globaliza e enquadra o continente africano.
Deste modo, o imperialismo sobre África não é apenas um jogo geopolítico, mas uma fase natural da expansão capitalista. Assim que o capitalismo se torna altamente desenvolvido dentro de uma determinada fronteira, ele parte para sua próxima fase que, ao tempo de Lênin, era a expansão imperialista sobre a África, que virou um local de luta entre os colonizadores. Esses últimos passam a dividir o mundo em esferas de influência, por isso o continente se tornou recortado por diversas fronteiras planejadas por europeus.
O livro de Lênin é importante para pensar a relação entre capitalismo e imperialismo sobre a África, mas também é importante pela influência que ele tem no pensamento africano sobre o imperialismo.
Em 1965, Kwame Nkrumah, intelectual e líder político ganês, seguindo uma tradição leninista publicou o livro Neocolonialismo, Último Estágio do Imperialismo. Segundo Nkrumah, o passo seguinte do capitalismo que leva ao imperialismo colonialista, segue-se o estágio onde o capitalismo se transmuta para sua fase neocolonial. O que Nkrumah nos diz é que, mesmo com a retração dos poderes colonizadores em África, eles, em realidade, não deixam de operar ou controlar diversos setores do continente africano. O neocolonialismo é isso, uma nova forma do sistema capitalista se impor de maneira imperialista sobre a África.
Nkrumah verificou que a descolonização das terras africanas não fora suficiente para impedir a ação imperialista dos poderes ocidentais. Retirar a bandeira de um país europeu e substituí-la por uma bandeira africana não acabava de imediato com o imperialismo. O imperialismo europeu abalou as estruturas das sociedades africanas e não era apenas territorialmente.
Para o intelectual e revolucionário guineense Amílcar Cabral, o imperialismo não fora apenas a tomada de terras e a superexploração dos povos africanos. Cabral via o problema da dominação em África como um problema cultural. No texto Libertação Nacional e Cultura, Cabral discute como o imperialismo europeu rompeu com as raízes culturais africanas autóctones.
As armas dos colonizadores destruíram não apenas suas vidas econômicas, mas acabavam com suas culturas autóctones. E, destituídos de suas culturas, os colonizados eram mais facilmente dominados e integrados ao novo sistema imperialista. Para Cabral, o cerne da luta está na cultura popular, que foi perdida com a intromissão imperialista da Europa. Pois, é por meio da separação de um povo de sua cultura, que as forças imperialistas conseguem negar ao povo dominado um processo histórico livre de instruções alienígenas.
A cultura de determinado povo é reflexo de sua própria realidade, mas alienado dela, os dominados tornam-se corpos separados de suas realidades materiais e imateriais. Por isso, o colonialista se esforça em introduzir sua cultura, história, modos de socialização e produção no mundo do colonizado. Na cultura popular que foi perdida é que se encontra o germe da contestação que pode levar à libertação nacional, sinônimo de colocar o povo colonizado de volta na sua própria história. Portanto, a luta contra o colonialismo e contra o imperialismo requer que o povo se encontre com suas raízes históricas.
Dentro dessa discussão, Amílcar Cabral encontra um ponto de conexão com o caribenho Frantz Fanon. Cabral nos diz que as classes dirigentes de África são classes alienadas da cultura autóctone e são dominadas pela cultura de classe do colonizador. Por isso, a verdadeira possibilidade de quebra com o imperialismo e com o colonialismo não está nas classes superiores, afastadas mentalmente da realidade, mas nas massas que carregam uma cultura autóctone africana. Devido a isso, processos de libertação levados a cabo pelas elites, tendem a transformar o país numa neocolônia do imperialismo ocidental.
Frantz Fanon não está longe dessa mesma conclusão. Para ele, as independências africanas podiam enganar o observador desatento. Ganhou a independência, os partidos políticos e nacionalistas controlados por burgueses (elites autóctones que ganharam com o colonialismo mesmo em posição subalterna), em realidade operavam apenas uma mudança burocrática. Saíam as elites brancas e entravam elites africanas com a mesma mentalidade, que tinham mais a ganhar em manter os laços de subserviência através do neocolonialismo. Tal classe, jamais tentaria mudar o jogo, pois ganhava com ele.
O pensamento desses quatro autores, Lênin, Nkrumah, Cabral e Fanon encontram-se na mente de outro pensador africano sobre o tema do imperialismo, Ngũgĩ wa Thiong’o. Thiong’o organiza o imperialismo em três tipos: imperialismo econômico, imperialismo político e imperialismo cultural.
O imperialismo econômico, segundo o pensamento de Thiong’o, é o imperialismo que age sobre os recursos naturais, controlando-os para a benesse das metrópoles. O imperialismo econômico também domina toda a esfera econômica das vidas das pessoas, mas para exercer esse controle é necessário que o imperialismo econômico tenha controle político. Assim, o imperialismo político age sobre todas as instituições de controle da vida. Judiciário, parlamentos, congressos, prisões, escolas e universidades. O imperialismo político cria uma situação onde todo o poder está organizado de modo a servir ao imperialismo econômico. Por outro lado, cria uma sociedade alienada de suas culturas autóctones ao mesmo tempo em que introduz a cultura do colonizador ou do neocolonizador. Isso leva ao terceiro imperialismo, o imperialismo cultural.
Para Ngũgĩ wa Thiong’o esses três imperialismo agem sobre o total do continente africano. São eles que permitem a dependência e a submissão dos países africanos frente aos países do centro. Thiong’o acredita que o imperialismo cultural pode ser combatido na esfera das artes e da cultura popular. Sendo ele próprio um escritor, Thiong’o pensa que é dever dos intelectuais africanos produzirem em línguas africanas para poderem se comunicar com as massas, de modo a livrá-las do imperialismo cultural.
Thiong’o sintetiza na sua obra todos os estudos dos autores anteriormente citados e desenvolve uma teoria contra-imperialista baseada nas classes de base das sociedades africanas. Thiong’o mira na possibilidade socialista de união entre os povos do terceiro mundo, o mundo dependente, e busca fazer com que eles se encontrem com suas próprias culturas e não apenas com o que nos é vendido pelos países do centro.
A situação, sob forças imperialistas em África, fez com que esses intelectuais discutissem e articulassem novas ideias que hoje em dia podem nos fazer, não apenas reencontrar essas discussões, como podem prover novos modos de nos orientarmos no mundo capitalista. Podem servir como base para se pensar as forças imperialistas que ainda agem no mundo e para além do jogo geopolítico. Podemos pensar o papel das instituições nacionais dentro dos estados nações dependentes e que mantém relações neocoloniais, bem como compreender o papel da cultura nos países cujas lideranças atuam como cachorros do primeiro mundo.
Os pensadores africanos têm muito a ensinar aos países em desenvolvimento sobre as estradas que os países rumam, como escolhem e seguem para abismos de fracasso ou como podem rumar para diferentes águas, de acordo com suas ideias críticas e radicais. Em um mundo onde o capitalismo é sagrado para estados nacionais e suas elites, onde os recursos são finitos e as disputas por eles realizadas diariamente, vale pensarmos por outras perspectivas até para pensarmos o local e a situação do Brasil e da América Latina neste início de século XXI, onde, mais uma vez, os governos estão sob controle de líderes encoleirados por um ocidente que os explora.
Bruno Ribeiro Oliveira é mestre em História pela Universidade de Lisboa.