O que esperamos de um bom prefeito
É preciso estar à altura deste tempo atual, impulsionando políticas de democracia participativa e de inclusão social nos municípios e tendo abertura ao novo cenário das relações internacionais das cidades, sem deixar de lado as qualidades permanentes do administrador público que ocupa seu cargo para servir ao bem comum
Em outubro deste ano a população irá escolher os prefeitos e prefeitas em todos os 5.562 municípios do Brasil. Neste momento, os partidos políticos estão escolhendo os candidatos, e eles ou elas estão se decidindo também. Boa hora para este debate proposto por Le Monde Diplomatique.
De um bom prefeito (vamos tratar a palavra no masculino pela falta de um nome neutro) espera-se em primeiro lugar fidelidade ao seu povo. Essa fidelidade se expressa principalmente no cumprimento do programa de governo – obras e ações com que ele se comprometeu para sua cidade durante a campanha – ou, ao menos, no cumprimento do programa de ação que explicitou nos diálogos que teve durante o processo eleitoral.
Em segundo lugar, de um bom prefeito se espera ter capacidade acumulada para dirigir o município (experiência administrativa; liderança política; bom conhecimento dos assuntos contemporâneos da cidade; equilíbrio no enfrentamento de conflitos e crises; postura de diálogo aliada à capacidade de decisão no tempo oportuno; paciência e disponibilidade para ouvir a população e os vereadores; tolerância quanto à diversidade de estilo das pessoas com quem trabalha; disposição para ter presença e vigilância contínuas no município; costume de trabalhar com planejamento e em equipe; coragem de dizer não).
Em terceiro lugar, de um bom prefeito se espera que tenha as qualidades necessárias para uma vida política sadia (honestidade no exercício de cargo público; transparência nas atividades públicas; separação completa entre os recursos públicos e os interesses da família, dos amigos, de empresas, do partido).
Em quarto lugar, de um bom prefeito se espera que seja competente na arrecadação de recursos para dar conta das demandas populares, que são muito fortes sobre ele, uma vez que o poder municipal, prefeito e vereadores, é aquele que, em todo o mundo, está mais próximo do contato direto com o povo. O poder municipal no Brasil cuida da educação infantil e cuida bastante da saúde do povo. Juntas, as obrigações de educação e saúde podem ultrapassar a metade dos gastos municipais. Acrescentem-se às tarefas do poder municipal a conservação e investimento na infra-estrutura viária e em todos os aspectos físicos da cidade, o cuidado com o transporte coletivo municipal, com o trânsito, com a limpeza urbana, com a iluminação pública, com assistência social, com habitação popular, com a promoção do desenvolvimento econômico, do emprego e renda, com o esporte, com a cultura, com o lazer, com os serviços funerários e com novas tarefas que os municípios vieram assumindo em todas as áreas, inclusive na segurança pública.
É sobre esse quarto ponto que vamos a partir de agora discorrer.
Os principais elementos formadores da receita municipal variam conforme o tamanho dos municípios. Nos que são industrializados, a participação constitucional no imposto estadual sobre circulação de mercadorias (ICMS) é a maior fonte de arrecadação. Seguem-se ou o imposto municipal sobre a propriedade imobiliária (IPTU) ou o imposto municipal sobre serviços (ISS) e depois vêm outros tributos compartilhados ou próprios. Nos pequenos municípios, porém, tem peso decisivo a sua participação constitucional nos tributos federais (FPM).
Não há dúvida de que este governo federal dirigido pelo presidente Lula fez diferença na participação dos municípios na arrecadação tributária nacional.
Os governos federais anteriores ao atual, que na década de 1990 tiveram o ajuste fiscal como principal projeto nacional, fizeram cair a participação dos municípios de 19% para 14% no resultado da arrecadação pública total dos três entes federativos nacionais, se comparamos 1988 a 2004. No governo atual, essa participação voltou a crescer, ultrapassando os 17%. Isto foi resultado, entre outras medidas: da partilha do tributo sobre combustíveis, a Cide, com estados e municípios (para os municípios significou, a partir de 2004, mais R$ 1,7 bilhão no ano); da transferência aos municípios do auxílio do fomento à exportação; do aumento de 1% no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) nos impostos federais de renda e de produtos industrializados.
Houve também, além da participação de 17% na arrecadação nacional, um crescimento significativo do aporte de recursos diretos da União aos municípios. Em 2007, foram repassados R$ 33,9 bilhões, contra R$ 18 bilhões em 2002. Com as mudanças nas leis do Transporte Escolar e do Salário Educação em 2003, passaram a chegar diretamente aos municípios recursos que antes eram repassados apenas para os governos estaduais. Só no caso do Salário Educação, isso significou R$ 2,3 bilhões a mais em 2007. Nesse mesmo ano, o governo federal repassou R$ 19 bilhões diretamente aos municípios em lugar dos R$ 13,5 bilhões de 2002. Programas de transferência de renda do governo federal, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), injetaram mais de R$ 20 bilhões em todos os municípios brasileiros, dinamizando suas economias locais, reduzindo a pobreza e revolucionando o setor de assistência social local. Outros programas federais também trouxeram novas realidades ou novos recursos, como o Luz para Todos, o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), o Sistema Nacional de Segurança Alimentar, o Sistema Nacional de Cultura, o Sistema Nacional de Meio Ambiente, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, os programas de saneamento básico que, além de repassar recursos não onerosos, abriram o acesso ao crédito federal para os sistemas municipais de água e esgotos.
A aceleração da economia e os municípios
Faz parte deste novo cenário o maior de todos os programas federais, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujas obras resultam na aceleração da economia e produzem impactos diretos em todos os municípios. Os recursos da ordem de R$ 162 bilhões, para investimentos em habitação, saneamento, metrôs e recursos hídricos, repercutirão muito sobre a realidade de nossas cidades, a partir desses investimentos estruturantes. Ainda neste novo cenário, temos o Plano de Desenvolvimento da Educação, que injetará mais R$ 11 bilhões nos próximos anos, o Projovem, os programas federais de qualificação profissional, o programa de segurança pública (Pronasci), os Territórios da Cidadania, que terão R$ 11,3 bilhões de investimento federal em territórios rurais de mais baixo IDH.
Ampliou-se também nos anos recentes a capacidade tributária própria e institucional dos municípios, mais próximos da sua condição de ente federado estabelecido pela Constituição de 1988. A nova lei do ISS, aprovada em 2003, ampliou a receita própria dos municípios, que passou, em 2006, a significar 45,2% da arrecadação própria, contra 38,4% em 2002. Agora estamos avançando para a arrecadação integral pelos municípios do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR).
O governo do presidente Lula inovou muito a relação com os municípios. O presidente compareceu pessoalmente à Marcha dos Prefeitos, evento anual que ocorre em Brasília desde 1998, e trouxe também, a cada ano, seus ministros de Estado para o diálogo direto do conjunto do governo federal com os dirigentes municipais, independentemente da intermediação de governos estaduais ou de parlamentares, como era da tradição anterior. No dia-a-dia dos ministérios, houve também uma significativa diferença para melhor nas relações com os prefeitos.
Esse novo relacionamento convergiu para o Comitê de Articulação Federativa (CAF), criado em 2003 e institucionalizado em 2007, como instância de negociação, no início entre governo federal e municípios, depois a ele agregando os governos estaduais, sobre o conjunto das políticas, programas e leis. Desse Comitê, participamos nós, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que reúne principalmente as capitais, as cidades maiores, médias ou pequenas com liderança regional; participam a Confederação Nacional de Municípios (CNM), que reúne as associações estaduais de municípios e tem maior incidência nos pequenos município e a Associação Brasileira de Municípios (ABM), criada há mais de 60 anos.
Os municípios estão mais fortes para assumir um papel de protagonismo no novo ciclo de desenvolvimento nacional que ora vivemos. É fundamental que os prefeitos eleitos em 2008 saibam aproveitar este momento conjuntural favorável. Ao mesmo tempo, precisam estar à altura dos novos desafios criados com um ritmo de crescimento prolongado, de geração de empregos, de redução da pobreza, de explosão do consumo, de ampliação do crédito, da receita e da possibilidade de financiamento público. Neste aspecto, assume maior importância no Comitê de Articulação Federativa (CAF) a proposta do governo federal de uma política de fortalecimento institucional e qualificação da gestão dos municípios, reunindo ações e programas de capacitação e assistência técnica, modernização administrativa, tecnologia da informação e desburocratização do acesso aos recursos federais.
Os tempos do município e dos prefeitos podem parecer sempre os mesmos, mas na realidade não o são. O que se espera de um bom prefeito ou de uma boa prefeita é que esteja à altura deste tempo atual, impulsionando políticas de democracia participativa e de inclusão social em seu município e tendo abertura ao novo cenário das relações internacionais das cidades, sem deixar de ter as qualidades permanentes e essenciais de um administrador público que está lá para servir ao bem comum.
Elói Pietá é prefeito de Guarulhos e vice-presidente de Relações Internacionais da Frente Nacional de Prefeitos.