O que interessa ao povo brasileiro?
Para resolver os problemas do país devem-se cortar tributos e diminuir ainda mais os investimentos estatais ou fazer uma reforma tributária estrutural que leve o Estado a aumentar a arrecadação, principalmente sobre o 1% mais rico da população?
A eleição para presidente coloca um tema fundamental para o debate: a reforma tributária. O Brasil possui uma das estruturas tributárias mais injustas, em que a população de baixa renda e a classe média pagam, proporcionalmente, mais tributos que o 1% mais rico. Isso ocorre porque a maior parte dos tributos é indireta e recai sobre o consumo, atingindo da mesma forma quem ganha dois, trinta ou trezentos salários mínimos.
Apesar disso, as forças conservadoras que disputam a eleição afirmam que um dos principais problemas do Brasil é o alto percentual da carga tributária em relação ao PIB; e que a solução é abaixá-lo. Pelos dados que apresentamos a seguir ficará evidente que o Estado brasileiro arrecada por cidadão muito menos que os demais países analisados. Demonstraremos também que o Brasil vive uma situação social muito pior que esses países, o que significa que são necessários muito mais recursos para investir em educação, saúde, segurança pública e outras áreas. Em resumo, a questão a ser analisada não é o percentual da carga tributária em relação ao PIB, e sim quanto o governo dispõe para investir por cidadão.
Pelos dados da Tabela 1 observamos que, apesar de a carga tributária dos países, com exceção da Alemanha, ser menor que a nossa, todos têm muito mais recursos para investir. Apesar de a carga tributária norte-americana ser 25,4% do PIB, e a nossa, 33,7%, os Estados Unidos têm US$ 14.422 por habitante, enquanto o Brasil tem US$ 2.928. A situação social do Brasil, comprovada pelos indicadores a seguir, é muitas vezes pior do que a desses países. Isso significa que precisamos de muito mais investimentos para melhorar a qualidade de vida de nossa população.
Índice de Desenvolvimento Humano
A classificação dos países citados em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é a seguinte: Estados Unidos, 8º colocado; Alemanha, 6º; Japão, 20º; Chile, 42º; Coreia do Sul, 12º; e Brasil, 72º.
Esse índice é uma medida importante concebida pela ONU para avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de uma população com base em três critérios: saúde (expectativa de vida ao nascer), educação (média de anos de estudo dos adultos e anos esperados de escolaridade das crianças) e renda, medida pela Renda Nacional Bruta (RNB).
Estamos bem atrás de todos, o que evidencia a necessidade de muito investimento público, sobretudo na área de saúde, uma vez que 160 milhões de brasileiros não têm plano privado, portanto dependem diretamente do SUS.
Pisa 2015
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de Leitura, Matemática e Ciências. O exame é realizado a cada três anos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Esses dados, expostos na Tabela 2, falam por si e demostram uma situação calamitosa. Com base nesse contexto, destacamos que 83% dos estudantes, antes de ingressarem na universidade, estudam em escolas públicas. Portanto, se não houver investimentos em educação por parte do Estado, essa situação não mudará, comprometendo o presente e o futuro das crianças e jovens de nosso país.
Segurança pública
Comparar o número de homicídios permite que tenhamos uma noção de que atualmente enfrentamos uma verdadeira guerra civil, à qual, infelizmente, muitos já se acostumaram. Vejamos o número de homicídios por 100 mil habitantes: Estados Unidos, 5,3 (2016); Alemanha, 0,7 (2015); Japão, 0,73 (2015); Coreia do Sul, 0,8 (2014); Chile, 3,3 (2017); e Brasil, 30,5 (2016) (fontes: FBI; UN Office on Drugs and Crime; InSight Crime; Ipea).
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Esses números comprovam que vivemos aqui no Brasil uma situação caótica. Essa realidade nos traz uma pergunta a ser respondida: para resolver os problemas do país devem-se cortar tributos e diminuir ainda mais os investimentos estatais ou fazer uma reforma tributária estrutural que leve o Estado a aumentar a arrecadação, principalmente sobre o 1% mais rico da população?
De um lado, a proposta que defendemos é de uma reforma tributária que seja pautada pela redução dos tributos indiretos, favorecendo principalmente os cidadãos de baixa renda. Isso ocorrerá porque as empresas, diante da redução dos tributos que pagam ao Estado, terão como consequência a diminuição de custos, o que as levará a abaixar os preços de seus produtos.
Do outro lado propomos o aumento dos tributos diretos da seguinte forma:
– Imposto de Renda: isenção para quem ganha o equivalente ao salário mínimo definido pelo Dieese (art. 7º, item IV, da CF), que, em junho de 2018, estava em R$ 3.804,06. A partir desse patamar, aumentar as alíquotas em 8% até chegar ao limite de 40%. Outra medida importante é passar a cobrar Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos.
– Imposto sobre herança: imposto progressivo até o limite de 30% e que seja federalizado. Hoje, esse imposto é estadual e, segundo a Resolução 09/92 do Senado, a alíquota máxima que pode ser cobrada é de 8%.
– Imposto sobre a propriedade: aumentar a progressividade do Imposto Territorial Rural (ITR) e que o Estado passe a fazer uma fiscalização tão rigorosa como a do Imposto de Renda. Salientamos que a atual arrecadação do ITR, durante todo o ano de 2017, em todo o Brasil, foi menor que dois meses de arrecadação do IPTU na cidade de São Paulo.
– Imposto sobre as grandes fortunas: regulamentação do artigo 153, item VII, da CF, por meio de lei complementar, que a Receita Federal passe a informar o valor do patrimônio das pessoas por faixa de renda e que as alíquotas aplicadas sejam progressivas.
Uma reforma tributária com essas características, além de fazer justiça tributária, dará muito mais condições ao Estado para investir em políticas públicas.
*Odilon Guedes é economista, mestre em Economia pela PUC-SP, professor do curso de pós-graduação Gerente de Cidades e do curso de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e do curso de Economia das Faculdades Oswaldo Cruz. Foi presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo, vereador e subprefeito da cidade de São Paulo. Autor do livro Orçamento público e cidadania (Ed. Livraria da Física, 2012).