O reinado do inglês nas faculdades da Holanda
“Somos ridículos”, clamava em 10 de abril de 2013 Geneviève Fioraso, secretária de Estado francesa do Ensino Superior e da Pesquisa: nossas universidades não oferecem “cursos suficientes em inglês”. Desde o início dos anos 1990, a Holanda recomenda o uso da língua de Shakespeare nos cursos superiores.Vincent Doumayrou
Em 1989, o trabalhista Jo Ritzen, ministro da Educação da Holanda, declarou que as universidades deviam oferecer mais cursos em inglês. O clima de escândalo criado pela ideia desse atentado à cultura do país foi tal que o Parlamento aprovou uma lei tornando o holandês língua oficial de ensino.
O que na época afligiu a opinião pública hoje virou em grande parte realidade. O uso do inglês tornou-se majoritário nos mestrados universitários – os de maior prestígio –, levando a Holanda ao primeiro lugar na Europa não anglófona em número de cursos oferecidos nesse idioma. Os mais numerosos são os mestrados em Biologia, Engenharia e Economia.
Fatores diversos explicam essa evolução: economia muito aberta e uma língua de origem germânica bastante próxima do inglês, compartilhada apenas com a Bélgica flamenga, o que torna pouco realista uma política de expansão da influência internacional. O inglês já é amplamente difundido no país, que ocupa o terceiro lugar nesse quesito, segundo a empresa Education First, em um universo de sessenta países analisados. Legalmente, o holandês não dispõe de estatuto constitucional; a lei de 8 de outubro de 1992 fez dele língua oficial de ensino, mas as derrogações previstas acabam esvaziando seu princípio.
Reinado da aproximação
Essa opção permitiria transmitir uma ciência “internacional por definição”, defendem os apologistas do todo-poderoso inglês.1 Os seres humanos nunca dispuseram de um idioma tão mundialmente difundido – “Isso se formos um tanto condescendentes a respeito do que se entende por inglês”, esclarece o jornalista Christopher Caldwell.2
Na verdade, a promoção da língua de Shakespeare reflete principalmente a competição entre as universidades no interior de uma economia do conhecimento que “se caracteriza pela comercialização em escala mundial dos produtos da pesquisa e do ensino”.3 A Declaração de Bolonha, de 19 de junho de 1999, prevê a criação de um espaço europeu de ensino superior – ao estilo do que fez o Caso Bosman, de 1995, para os jogadores de futebol. “A educação tornou-se um produto de exportação”, confirma Luc Soete, reitor da Universidade de Maastricht. Nesse contexto, os aparelhos universitários veem nas línguas nacionais um obstáculo à mobilidade estudantil, assim como as barreiras aduaneiras para as mercadorias. Desse modo, a anglicização torna-se a ferramenta linguística do mercantilismo universitário.
Diversos cientistas franceses acreditam que “a vitalidade da produção intelectual […] da Holanda, que não aplica nenhuma restrição linguística, é testemunha de que sua cultura não se arruinou pela abertura ao inglês”.4 Eles consideram essa política um exemplo a ser seguido na França. Mas, mesmo na Holanda, o Onderwijsraad (Conselho de Educação), organismo oficial, recomenda que as universidades justifiquem melhor sua política linguística, a fim de cuidar da perpetuação da língua e cultura holandesas, além de garantir que as partes envolvidas dominem o nível de inglês apropriado.5 Essas recomendações soam como uma crítica da política adotada, sugerindo que ela apresenta falhas.
A decisão da Holanda permitiu que ela melhorasse um pouco sua atratividade. Entre 2000 e 2009, o contingente de estudantes recebido aumentou de 0,7% para 1,2% do total mundial de jovens estudando no exterior.6 No entanto, deve-se observar que, em 2012, 38% deles vinham de um mesmo país, a Alemanha.
A Universidade de Maastricht encarna bem essa internacionalização paradoxal, limitada ao entorno e que não contribui em nada para aumentar a influência da Holanda. Todos os cursos são ministrados em inglês, com exceção de direito holandês e parte do curso de Medicina. Com 47% de estudantes estrangeiros, ela se orgulha de ser “a universidade mais internacional da Holanda”. Mas na verdade deveria dizer que é a universidade mais “inter-regional”: os alemães constituem três quartos de seus efetivos estrangeiros, seguidos pelos belgas e pelos britânicos.
Silke vem de Aix-la-Chapelle, cidade a menos de uma hora de estrada. “As relações com os professores são menos acadêmicas do que na Alemanha”, avalia o estudante. Mas aí termina seu interesse pelo país que o acolhe: “Eu fiz aulas de holandês, mas desisti”. “Os cursos de holandês são gratuitos no primeiro ano, com grande sucesso”, detalha Peter Wilms van Kersbergen, chefe do Language Centre. Dos 7,5 mil estudantes estrangeiros, porém, apenas oitocentos frequentam o curso, que não é levado em consideração na avaliação final. No final de sua estadia no país, muitos não são capazes de pedir a conta do restaurante em holandês. Essa situação de extraterritorialidade linguística limita claramente a abertura à cultura do país de acolhimento, virtude presumida do intercâmbio estudantil.
Nove das doze principais nacionalidades estrangeiras representadas fazem parte da União Europeia. A Bulgária envia duas vezes mais jovens à Holanda que à Índia. O único membro dos Brics fortemente representado é a China, com 8% do contingente de estudantes estrangeiros. Mais que o incremento de uma influência diante do mundo emergente, a anglicização traduz aqui o estatuto de um idioma cada vez mais hegemônico nas relações internas à Europa – e contradiz o objetivo de multilinguismo proclamado pela União Europeia.
Além disso, artigo publicado pelo NRC Handelsblad descreve o inglês dos professores como aceitável, mas aproximativo. Seu título brinca com um erro: “How do you underbuild that?”. A palavra underbuild, desconhecida nesse contexto no mundo anglo-saxão, é um arremedo do holandês onderbouwen, que significa sustentar.7 Esse tipo de formulação inexata abunda, provocando imprecisões de fundo. A expressão torna-se menos espontânea, como indica Jaap Dronkers, sociólogo da educação de Maastricht: “Meu inglês não é ruim, mas, quando tratava com pesquisadores, eu não tinha a sutileza necessária para nos entendermos”. Estudos feitos na Suécia mostram que os alunos dão mais atenção à compreensão literal quando o curso é ministrado em inglês em vez de sueco, o que embota seu espírito crítico.8
O inglês funcional, como qualquer língua franca, revela-se útil para interações superficiais – por exemplo, quando um garçom de Antália descreve a vista do mar como “very nice” (muito bonita) –, mas encontra seus limites no contexto do ensino universitário, uma função intelectual superior que mobiliza plenamente as capacidades da língua, pois raramente chegamos ao mesmo nível de nuance e precisão em um idioma aprendido que em língua materna. Essa lei de ferro da competência linguística confirma-se até mesmo em países cuja competência no inglês é considerada excelente. Assim, um observador britânico descreve o tédio provocado pela insipidez de conferências em globish,9 ainda que pronunciadas por um europeu do Norte.10
Os efeitos também poderiam ser prejudiciais para o holandês, num contexto em que muitos observadores preocupam-se com uma deterioração de seu bom uso. É o que vemos quando um estagiário de comunicação admite “conhecer as regras de ortografia, mas, como sempre precisa escrever em inglês na faculdade, elas ficam meio em segundo plano”.
Outro perigo é o da “perda de domínio”: situação em que os outros idiomas não permitiriam mais expressar alguns conceitos científicos. A perda de domínio é acompanhada de uma perda de prestígio, em seguida de uma perda de substância, reduzindo o uso da linguagem “à casa, ao jardim e à cozinha”.11 A diversidade cultural não ganha nada com isso. Dronkers teme “uma situação de diglossia, na qual coabitam duas línguas dotadas de status sociais desiguais”. Desse modo, o professor discute com seu assistente em holandês, mas lhe escreve e-mails em inglês, pois assim ele pode encaminhá-los a terceiros. O holandês vai pouco a pouco sendo reduzido a relações informais, como um patoá.
A despeito dessas preocupações legítimas, a primazia do inglês não é hoje uma ameaça à existência do holandês. Em compensação, ela prejudica gravemente o estudo de outras línguas estrangeiras. De acordo com Ludo Beheydt, professor da Universidade de Leuven, “o conhecimento de outras línguas que não o inglês tornou-se tão pequeno que não podemos pedir aos alunos que leiam sequer um artigo em francês ou alemão”.12 E isso não se limita às universidades holandesas.
Segundo uma pesquisa encomendada pela Comissão Europeia, entre os habitantes da União Europeia que se julgam capazes de conversar em uma língua estrangeira, 38% mencionam o inglês. Entre 2005 e 2012, os outros idiomas citados recuaram: o alemão passou de 14% para 11%; o francês, de 14% para 12%; e o russo, de 6% para 5%. Apenas o espanhol aumentou: de 6% para 7%.13 No Reino Unido, o estudo de línguas estrangeiras na escola diminui pouco a pouco.
O contraexemplo escandinavo
Esse empobrecimento torna-se aberrante quando atinge idiomas próximos, como os da Escandinávia, onde está em via de extinção o costume de as pessoas dialogarem cada uma em sua própria língua. Bodil Aurstad ensina norueguês na Suécia e constata que a facilidade para avançar e a proximidade dos países motivam os alunos, que “em algumas semanas […] já demonstram um bom entendimento, escrito e oral”.14 A compreensão pan-nórdica facilitou a abertura cultural, a descrição das realidades escandinavas e a construção de um espaço de boa aliança – fruto linguístico da União de Kalmar, tratado que em 1397 uniu Dinamarca, Suécia e Noruega.
“As instituições escolhem o inglês no piloto automático, porque querem se destacar como atores de nível internacional”, explica uma revista holandesa. “As universidades […] temem ver-se relegadas a um nível provincial, caso sejam destinadas apenas ao mercado interno.”15 A anglicização facilita a conformidade com as redes globais de pesquisa e aumenta o sentimento de pertencer a uma elite do conhecimento global, móvel e “globishfona”. Em um contexto de declínio da cultura clássica, o domínio de um inglês ainda que sumário torna-se critério fundamental de distinção cultural. Não é por acaso que a tirada da secretária de Estado de Ensino Superior, Geneviève Fioraso – sem cursos em inglês, “estaremos reduzidos a cinco pessoas discutindo Proust em torno de uma mesa”16 –, despreza as belas letras.
Em 1921, Mahatma Gandhi levantou-se contra a superstition daqueles que, na Índia, viam no inglês o único vetor de modernidade.17 Talvez ele não soubesse que um dia seria preciso travar essa luta em escala mundial.
Vincent Doumayrou, jornalista, é autor do livro La fracture ferroviaire [A fratura ferroviária], L’Atelier, Ivry-sur-Seine, 2007.