“O sistema absorveu o vírus”
Diante da ameaça do Syriza, em um primeiro momento, os dirigentes europeus se fecharam em um único objetivo: chutar os recém-chegados para fora de seu círculoRenaud Lambert
É preciso a eurofelicidade congênita de um cronista como Bernard Guetta para estimar que “o compromisso é decididamente o modo de funcionamento europeu” (rádio France Inter, 23 jun. 2015). Longe dos estúdios da Maison Ronde, a ilusão se dissipa.
Essa epifania, devemos em grande parte ao primeiro-ministro britânico. Reeleito com uma maioria na Câmara dos Comuns em 8 de maio passado, o conservador David Cameron anunciou rapidamente que, assim como Alexis Tsipras, ele desejava renegociar os tratados europeus. Resposta de Wolfgang Schäuble: “Com prazer!”. Para aqueles que se espantaram por ele ter reservado um veredito diferente a Atenas, o ministro das Finanças alemão explicou: “Temos interesse em que o Reino Unido continue sendo um agente importante e comprometido da construção europeia” (Wall Street Journal, 20 maio).
Aos olhos de Schäuble e de seus colegas europeus, o militantismo liberal de Londres – novos entraves do direito de greve ao enquadramento do audiovisual público – justifica certas concessões; não as opiniões políticas do Syriza, que, na verdade, são moderadas. Ao contrário: “Grande parte dos dirigentes europeus partilha o sentimento de que flexibilizar as regras para satisfazer um governo de esquerda na Grécia criaria um perigoso precedente e fragilizaria sem dúvida ainda mais a zona do euro do que uma deserção do país”, reporta o jornalista norte-americano Jack Ewig (International New York Times, 28 mar.). O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, formula de outra maneira: “Mais do que um contágio financeiro da crise grega, é o risco de contágio ideológico ou político que me preocupa” (Financial Times, 16 jul.).
Diante da ameaça do Syriza, em um primeiro momento, os dirigentes europeus se fecharam em um único objetivo: chutar os recém-chegados para fora de seu círculo.1 “A Alemanha joga com a queda do governo grego”, clamava a manchete do Le Monde em 3 de julho. E não está sozinha, precisava o jornalista britânico Paul Mason: “Os meios empresariais gregos, os setores beneficiários da globalização, os executivos das grandes empresas […] e a União Europeia estão tentando se livrar do governo do Syriza” (Channel 4 News, 2 jul.). Depois de ter reconhecido, no palco da BFM TV, que as negociações entre Atenas e Bruxelas tratavam de “muito pouco, alguns bilhões”, o economista Jean-Hervé Lorenzi, que inclusive é membro da Companhia Financeira Edmond de Rothschild Banque, afirmava: “Trata-se de dar um exemplo” (1º jul.).
Estrangulamento econômico do país, sufocamento da democracia, ameaças de todo tipo… Se o acordo assinado em 13 de julho constitui uma operação de “mudança de regime”, como ressalta o analista liberal Wolfgang Müchau (Financial Times, 13 jul.), esta aconteceu sem que fosse necessário derrubar Tsipras: um golpe de Estado sem derrubada. Comparando o partido de esquerda grego a um miasma, um antigo dirigente europeu, que prefere se manter no anonimato, comemorou a demonstração de força: “O sistema mostrou que era capaz de absorver o vírus” (Financial Times, 16 jul.).
Ele também mostrou uma de suas virtudes: oferecer uma política de garantia contra a área progressista, a despeito das eleições. Um caso reservado aos países da periferia europeia? Não na opinião de Nicolas Sarkozy. Em 5 de julho de 2008, em uma reunião do Conselho Nacional da União por um Movimento Popular (UMP), o ex-presidente francês estava exaltado: “A França precisa da Europa. E a Europa nos deu muito, a nós, ao nosso país. Imaginemos um pouco o que teria acontecido com a França, com o seu debate político, quando tínhamos ministros comunistas e dirigentes socialistas no governo. Felizmente havia a Europa para impedi-los de ir até o fim em sua ideologia e em sua lógica. A Europa também é isso aí!”.2
Renaud Lambert é jornalista.