O sistema financeiro atual trava o desenvolvimento econômico brasileiro
Um debate fundamental pede passagem: a esterilização dos recursos do país por meio do sistema de intermediação financeira, que drena em volumes impressionantes recursos que deveriam servir ao fomento produtivo e ao desenvolvimento econômico. Os números são bastante claros e conhecidos, e basta juntá-los para entenderLadislau Dowbor
O crediário
Comecemos pelas taxas de juros ao tomador final, pessoa física, praticadas no comércio – os chamados crediários. A Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) traz na Tabela 1 os dados de junho de 2014.
Antes de tudo, uma nota metodológica: os juros são quase sempre apresentados, no Brasil, como “taxa mês”, o que é tecnicamente certo, mas comercial e eticamente errado. É uma forma de confundir os tomadores de crédito, pois ninguém consegue calcular de cabeça juros compostos. O que é usado em todo o mundo é o juro anual. O Banco Itaú, por exemplo, apresenta em seu site as taxas de juros apenas no formato mensal, pois ao ano aparecem como são: extorsivas.
A média de juros praticados nos crediários, de 72,33%, significa simplesmente que esse tipo de comércio, em vez de prestar decentemente serviços comerciais, se transformou essencialmente num banco. Aproveita-se do fato de as pessoas não entenderem de cálculo financeiro e de disporem de pouco dinheiro à vista para extorqui-las. Aqui, o produtor de “Artigos do Lar”, ao cobrar juros de 104,89% sobre os produtos, trava a demanda, pois esta ficará represada por doze ou 24 meses, enquanto se pagam as prestações, e trava o produtor, que recebe muito pouco pelo produto. É o que temos qualificado de economia do pedágio. Ironicamente, as lojas dizem que “facilitam”. No conjunto do processo, a capacidade de compra do consumidor é dividida por dois, e a capacidade de reinvestimento do produtor estanca.
Os juros para pessoa física
Os consumidores não se limitam a comprar pelo crediário, cuja taxa média de 72,33% aparece reproduzida na primeira linha da Tabela 2. Usam também cartão de crédito e outras modalidades de mecanismos financeiros desconhecidos para a imensa maioria dos consumidores.
Tomando os dados de junho de 2014, constatamos que os intermediários financeiros cobram 238,67% no cartão de crédito, 159,76% no cheque especial e 23,58% na compra de automóveis. Os empréstimos pessoais custam em média 50,23% nos bancos e 134,22% nas financeiras. Estamos deixando aqui de lado a agiotagem de rua, que ultrapassa os 300%.
Note-se que a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) considera que o juro médio sobre o cartão é de 280%, portanto bem acima da avaliação da Anefac. Segundo a Abecs, 50,1% do crédito para consumo é feito no cartão, 23,5% no crédito consignado, 13,1% no crediário de veículos e 13,3% em “outros”. Trata-se, no caso dos cartões, de cerca de R$ 170 bilhões. É importante lembrar que, mesmo sem entrar no crédito do cartão, uma loja tem de pagar cerca de 5% do valor das compras ao banco, além do aluguel da máquina. Grandes lojas com capacidade de negociação com o sistema financeiro podem pagar menos de 5%, mas de toda forma é um gigantesco imposto privado sobre a metade do crédito de consumo, reduzindo drasticamente a capacidade de compra do consumidor.
A Abecs considera que essa carteira “está sendo responsável por fomentar o crédito ao consumidor no país”. É uma forma positiva de apresentar o problema, mas desenvolve-se o crédito, e não o consumo. No caso da frequente entrada no crédito rotativo, as pessoas pagarão três ou quatro vezes o valor do produto. Miguel de Oliveira, diretor da Anefac, resume bem a situação: “A pessoa que não consegue pagar a fatura e precisa parcelar, ou entrar no rotativo, na verdade está financiando a dívida do cartão de crédito com outro tipo de crédito. O problema é que essa dívida não tem fim. As pessoas acabam não se dando conta dos juros que terão que pagar” (DCI, 20 ago. 2014).
Obviamente, com essas taxas de juros, as pessoas, ao fazerem uma compra a crédito, gastam mais com os juros do que com o próprio valor do produto adquirido. Costuma-se apresentar apenas a taxa de endividamento das famílias, próxima de 30%, o que não é informação suficiente, pois elas não só se endividam muito, como se endividam muito comprando pouco. A conta é evidente: em termos práticos, pagam quase o dobro, às vezes mais. Dito de outra forma, compram a metade do que o dinheiro delas poderia comprar, se o fizessem à vista – isso porque a compra à vista já inclui os lucros de intermediação comercial.
Não é o imposto que é o vilão, ainda que o peso dominante dos impostos indiretos só piore a situação: é o desvio da capacidade de compra para o pagamento de juros. As famílias estão gastando muito mais, resultado do nível elevado de emprego e do aumento do poder aquisitivo da base da sociedade, mas os juros esterilizam a capacidade de dinamização da economia pela demanda que esses gastos poderiam representar. Um dos principais vetores de dinamização da economia está travado. Gerou-se uma economia de atravessadores financeiros. Prejudicam-se as famílias que precisam dos bens e serviços e, indiretamente, as empresas efetivamente produtoras que veem seus estoques parados. Perde-se boa parte do impacto de dinamização econômica das políticas redistributivas. O crédito consignado ajuda, mas atinge apenas 23,5% do crédito para consumo (DCI, 20 ago. 2014) e se situa na faixa de 25% a 30% de juros ao ano, o que parece baixo apenas pelo nível exorbitante que atingem as outras formas de crédito.
Os juros para pessoa jurídica
As taxas de juros para pessoa jurídica não ficam atrás. O estudo da Anefac apresenta uma taxa praticada média de 50,06% ao ano, sendo 24,16% para capital de giro, 34,8% para desconto de duplicatas e 100,76% para conta garantida. Ninguém em sã consciência consegue desenvolver atividades produtivas, criar uma empresa, enfrentar o tempo de entrada no mercado e de equilíbrio de contas pagando esse tipo de juros. Aqui, o investimento privado é diretamente atingido. (Fonte: Anefac, 2014. Disponível em: www.anefac.com.br/uploads/arquivos/2014715153114381.pdf.)
A atividade bancária pode ser perfeitamente útil ao financiar iniciativas econômicas que darão retorno, mas isso implica que o banco utilize o dinheiro dos depósitos para fomentar iniciativas empresariais, cujo resultado dará legítimo lucro ao investidor, permitindo também restituir o empréstimo. A atividade básica de um banco – reunir poupanças de depositantes para transformá-las em financiamento de atividades econômicas – saiu do horizonte dessas instituições. A economia, travada do lado da demanda com o tipo de crédito ao consumo visto anteriormente, tanto nos bancos como nos crediários, é igualmente travada do lado do financiamento ao produtor. Prejudica-se assim tanto a demanda como o investimento, os dois motores da economia.
As regras do jogo aqui se deformam profundamente. Ao poder se financiar no exterior com taxas de juros cinco ou seis vezes menores do que seus concorrentes nacionais, as grandes corporações transnacionais passam a ter vantagens comparativas impressionantes. Muitas empresas nacionais podem encontrar financiamentos com taxas que poderiam ser consideradas normais, por exemplo, junto ao BNDES e outros bancos oficiais, mas sem a capilaridade que permite irrigar a imensa massa de pequenas e médias empresas dispersas no país. Não é demais lembrar que na Alemanha 60% das poupanças são administradas por pequenas caixas de poupança locais, que irrigam generosamente as pequenas iniciativas econômicas. A Polônia, que segundo a Economist foi o país que melhor enfrentou a crise na Europa, tem 470 bancos cooperativos, que financiam atividades da economia real. Um dos principais economistas do país, J. Balcerek, comenta ironicamente que “nosso atraso bancário nos salvou da crise”.
Os juros sobre a dívida pública
Uma terceira deformação resulta do imenso dreno sobre recursos públicos por meio da dívida pública. Se arredondarmos nosso PIB para R$ 4,8 trilhões, 1% são R$ 48 bilhões. Quando gastamos 5% do PIB para pagar os juros da dívida pública, estamos transferindo aos bancos donos da dívida e, por sua vez, a um pequeno grupo de afortunados cerca de R$ 240 bilhões ao ano, que deveriam financiar investimentos públicos, políticas sociais e semelhantes. Para os bancos, é muito cômodo, pois, em vez de terem de identificar bons empresários e fomentar investimentos, aplicam em títulos públicos, com rentabilidade elevada, liquidez total, segurança absoluta, dinheiro em caixa, por assim dizer, e rendendo muito.
O efeito aqui é duplamente pernicioso: 1) com a rentabilidade assegurada com simples aplicação na dívida pública, os bancos deixam de buscar o fomento da economia; 2) muitas empresas produtivas, em vez de fazerem mais investimentos, aplicam também seus excedentes em títulos do governo. A máquina econômica torna-se assim refém de um sistema que rende para os que aplicam, mas não para os que investem na economia real. E para o governo é até cômodo, pois é mais fácil se endividar do que fazer a reforma tributária tão necessária.
Uma deformação sistêmica
A taxa real de juros para pessoa física (descontada a inflação) cobrada pelo HSBC no Brasil é de 63,42%, quando é de 6,6% no mesmo banco para a mesma linha de crédito no Reino Unido. Para o Santander, as cifras correspondentes são 55,74% e 10,81%. Para o Citibank, são 55,74% e 7,28%. O Itaú cobra sólidos 63,5%. Para pessoa jurídica, área vital porque se trataria de fomento a atividades produtivas, a situação é igualmente absurda. Para pessoa jurídica, o HSBC, por exemplo, cobra 40,36% no Brasil e 7,86 no Reino Unido (Ipea, 2009).
Comenta o estudo do Ipea: “Para empréstimos à pessoa física, o diferencial chega a ser quase dez vezes mais elevado para o brasileiro em relação ao crédito equivalente no exterior. Para as pessoas jurídicas, os diferenciais também são dignos de atenção, sendo prejudiciais para o Brasil. Para empréstimos à pessoa jurídica, a diferença de custo é menor, mas, mesmo assim, é mais de quatro vezes maior para o brasileiro”.
Nossa Constituição, no artigo 170, define como princípios da ordem econômica e financeira, entre outros, a função social da propriedade (III) e a livre concorrência (IV). O artigo 173, no parágrafo 4o, estipula que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. O parágrafo 5o é ainda mais explícito: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. Cartel é crime. Lucro exorbitante sem contribuição correspondente produtiva será “reprimido pela lei” com “punições compatíveis”.
O resultado prático é uma deformação sistêmica do conjunto da economia, que trava a demanda do lado do consumo, fragiliza o investimento e reduz a capacidade do governo de financiar infraestruturas e políticas sociais. Se acrescentarmos a deformação de nosso sistema tributário, baseado essencialmente em impostos indiretos (embutidos nos preços), com frágil incidência sobre a renda e o patrimônio, teremos aqui o quadro completo de uma economia prejudicada em seus alicerces, que avança, sem dúvida, mas carregando um peso morto cada vez menos sustentável.
A dimensão internacional
O dreno sobre as atividades produtivas, tanto do lado do consumo como do investimento, é planetário. Faz parte de uma máquina internacional que desde a liberalização da regulação financeira com os governos Reagan e Thatcher, no início dos anos 1980, até a liquidação do principal sistema de regulação, o Glass-Steagall Act, por Clinton, em 2009, gerou um vale-tudo internacional.
A dimensão internacional tornou-se mais documentada a partir da crise de 2008. O próprio descalabro gerado e o travamento da economia mundial levaram ao levantamento dos dados básicos das finanças internacionais, que curiosamente sempre escaparam do International Financial Statistics do FMI. Resumimos aqui seus principais resultados, para facilitar uma visão de conjunto.
– O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH, na sigla alemã) constatou que 147 grupos controlam 40% do mundo corporativo do planeta, sendo 75% deles instituições financeiras. Pertencem em sua quase totalidade aos países ricos, essencialmente Europa ocidental e Estados Unidos (ETH, 2011).
– O Tax Justice Network (TJN), em pesquisa coordenada por James Henry, apresenta o estoque de capitais aplicados em paraísos fiscais: da ordem de US$ 21 trilhões a US$ 32 trilhões, para um PIB mundial da ordem de US$ 70 trilhões. Estamos falando de quase um terço a metade do PIB mundial. A economia do planeta está fora do alcance de qualquer regulação e é controlada por intermediários, não por produtores. O rentismo impera (TJN, 2012).
– O dossiê produzido pela Economist (The missing $20 trillion) arredonda o estoque nos paraísos fiscais para US$ 20 trilhões, mas mostra que são geridos pelos principais bancos do planeta, não em ilhas paradisíacas, mas essencialmente por bancos dos Estados Unidos e da Inglaterra (Economist, 2013).
– As pesquisas do International Consortium of Investigative Journalists (Icij) têm chegado a inúmeros nomes de empresas e donos de fortunas, com detalhes de instruções e movimentações. Em novembro de 2014 publicam o gigantesco esquema de evasão fiscal das multinacionais, usando o paraíso fiscal que se tornou Luxemburgo. São apresentados em detalhe os montantes de evasão por parte dos bancos Itaú e Bradesco (Icij, 2014).
– O estudo de Joshua Schneyer, sistematizando dados da Reuters, mostra que dezesseis grupos comerciais internacionais controlam o essencial da intermediação das commodities em escala planetária (grãos, energia, minerais), a maior parte com sede em paraísos fiscais (Genebra, em particular), criando o atual quadro de especulação financeiro-comercial sobre os produtos que constituem o sangue da economia mundial. Lembremos que os derivativos dessa economia especulativa (outstanding derivatives) ultrapassam US$ 600 trilhões, para um PIB mundial de US$ 70 trilhões (BIS, 2013; Schneyer, 2013).
– O Crédit Suisse divulga a análise das grandes fortunas mundiais, apresentando a concentração da propriedade de US$ 223 trilhões acumulados (patrimônio acumulado, não renda anual). Além disso, basicamente 1% dos mais afortunados possui cerca de 50% da riqueza do planeta.
Não temos estudos suficientes nem pressão política correspondente para ter o detalhe de como funciona essa engrenagem no Brasil. No entanto, dois estudos nos trazem ordens de grandeza.
O estudo mencionado do Tax Justice Network, ao identificar estoques de capital em paraísos fiscais, no caso do Brasil, encontra US$ 519,5 bilhões, o que representa cerca de 25% do PIB brasileiro, ocupando o quarto lugar no mundo (disponível em: www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/Appendix%203%20-%202012%20Price%20of%20Offshore%20pt%201%20-%20pp%201-59.pdf).
Tratando da fuga de capitais para o exterior pela via de remessas ilegais, o estudo da Global Financial Integrity (GFI), coordenado por Dev Kar e denominado “Brasil: fuga de capitais, fluxos ilícitos e as crises macroeconômicas, 1960-2012”, estima essa evasão em R$ 80 bilhões por ano entre 2010 e 2012 (cerca de 1,5% do PIB), o que alimenta o estoque de mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais visto anteriormente. Segundo o relatório, “o governo deve fazer muito mais para combater tanto o subfaturamento de exportações como o superfaturamento de importações, adotando ativamente medidas dissuasivas adicionais em vez de punições retroativas”. Trata-se aqui, dominantemente, das empresas multinacionais. Kofi Annan considera que esse mecanismo drena cerca de US$ 38 bilhões por ano das economias africanas. O mecanismo é conhecido como mispricing, ou trade misinvoicing (GFI, 2014).
Resgatando o controle
No plano internacional, enquanto existir a tolerância dos paraísos fiscais por parte das elites norte-americanas e europeias – inclusive nos próprios Estados Unidos, como é o estado de Delaware, e na Europa, como é o caso de Luxemburgo e da Suíça –, dificilmente haverá qualquer possibilidade de controle real. A evasão fiscal torna-se demasiado simples, e a possibilidade de localizar os capitais ilegais, muito reduzida.
Essa situação pode ser bastante melhorada no controle das saídas, do sub e sobrefaturamento e semelhantes. O relatório da GFI mencionado anteriormente aponta essas possibilidades e reconhece fortes avanços do Brasil nos últimos anos. No plano internacional, surge finalmente o Base Erosion and Profit Shifting (Beps), endossado por quarenta países que representam 90% do PIB mundial, início de redução do sistema planetário de evasão fiscal pelas empresas transnacionais (OCDE, 2014).
Para enfrentar essa realidade, o governo tem armas poderosas. A primeira é retomar a redução progressiva da taxa Selic, o que obrigaria os bancos a procurar aplicações alternativas, voltando a irrigar iniciativas de empreendedores e reduzindo o vazamento dos recursos públicos para os bancos. A segunda é reduzir as taxas de juros ao tomador final na rede de bancos públicos, conforme foi experimentado em 2013, mas persistindo desta vez na dinâmica. É a melhor forma de introduzir mecanismos de mercado no sistema de intermediação financeira, contribuindo para fragilizar o cartel ao obrigá-lo a reduzir os juros estratosféricos: o tomador final voltaria a ter opções. A terceira consiste no resgate de um mínimo de equilíbrio tributário: não se trata de aumentar os impostos, mas de racionalizar sua incidência. Pesquisa do Inesc (2014, p.21) mostra que “a tributação sobre o patrimônio é quase irrelevante no Brasil, pois equivale a 1,31% do PIB, representando apenas 3,7% da arrecadação tributária de 2011. Em alguns países do capitalismo central, os impostos sobre o patrimônio representam mais de 10% da arrecadação tributária, a exemplo de Canadá (10%), Japão (10,3%), Coreia do Sul (11,8%), Grã-Bretanha (11,9%) e Estados Unidos (12,15%)”. Se acrescentarmos a baixa incidência do imposto sobre a renda e o fato de os impostos indiretos representarem 56% da arrecadação, teremos no conjunto uma situação que clama por mudanças.
“Convém destacar que a carga tributária é muito regressiva no Brasil porque está concentrada em tributos indiretos e cumulativos que oneram mais os trabalhadores e os mais pobres, uma vez que mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem sobre bens e serviços, havendo baixa tributação sobre a renda e o patrimônio. Segundo informações extraídas da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2008/2009 pelo Ipea, estima-se que 10% das famílias mais pobres do Brasil destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto 10% das famílias mais ricas gastam 21% da renda em tributos” (Inesc, 2014, p.6).
A quarta arma consiste em dinamizar um conjunto de pesquisas sobre os fluxos financeiros internos, de maneira a gerar uma transparência maior nessa área em que as pessoas simplesmente não se orientam. Para gerar a força política capaz de reduzir o grau de cartelização, reintroduzindo mecanismos de mercado e transformando o sistema de intermediação financeira, é preciso ter uma população informada. É impressionante o profundo silêncio não só da mídia, mas também da academia e dos institutos de pesquisa sobre o processo escandaloso de deformação da economia pelo sistema financeiro.
A economia brasileira está sendo sangrada por intermediários que pouco ou nada produzem. Se somarmos as taxas de juros à pessoa física, o custo dos crediários, os juros à pessoa jurídica, o dreno por meio da dívida pública e a evasão fiscal por paraísos fiscais e transferências ilícitas, teremos uma deformação estrutural dos processos produtivos. Tentar dinamizar a economia enquanto arrastamos esse entulho especulativo preso aos pés fica muito difícil. Há mais mazelas em nossa economia, mas aqui estamos falando de uma massa gigantesca de recursos, que são necessários ao país. É tempo de o próprio mundo empresarial – aquele que efetivamente produz riquezas – acordar para os desequilíbrios e colocar as responsabilidades onde realmente estão. O resgate organizado do uso produtivo de nossos recursos é essencial.
Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica – um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).