Onde tem floresta em pé, tem mulher - Le Monde Diplomatique

MEIO AMBIENTE

Onde tem floresta em pé, tem mulher

por Maria Nice Machado Costa
8 de março de 2023
compartilhar
visualização

A importância das mulheres na conservação e preservação das florestas, dos rios e da sociobiodiversidade

O Dia Internacional das Mulheres é uma data de homenagens, mas pouco se fala das mulheres anônimas que têm feito a diferença em suas comunidades, proteção das águas e florestas. Sou Maria Nice Machado Costa, mais conhecida como Dona Nice, mulher negra, quilombola, quebradeira de coco babaçu e convivo com centenas de mulheres na luta pelos direitos dos povos quilombolas e pela proteção, preservação e conservação das florestas, rios e lagos.

A bandeira dessa luta nos é apresentada enquanto legado, herança de outras tantas mulheres, como Maria de Jesus Bringelo, Dona Dijé, que morreu em 2018, aos 70 anos, e com uma biografia parecida com a minha: negra, quilombola, quebradeira de coco babaçu e uma das fundadoras do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu no Maranhão.

Mulheres lideram diversas comunidades quilombolas e de povos e comunidades tradicionais no Brasil e, atualmente, também podem ser reconhecidas como ativistas, defensoras das florestas. Elas têm um papel central nas práticas de manejo e defesa dos seus territórios. Nós, quebradeiras de coco babaçu, por exemplo, atuamos pela preservação dos babaçuais e manutenção dos modos de vida quilombola. O extrativismo vegetal é indispensável na cultura do babaçu, um fruto nativo que depende da floresta em pé e sua rica biodiversidade, de fundamental importância também na estabilidade climática do planeta.

(Foto: acervo LMDB)

Infelizmente, as mulheres, especialmente as mulheres não brancas, ficam de fora do debate para influenciar os processos de tomada de decisão sobre os recursos naturais e não são vistas adequadamente na luta pela terra. No entanto, são as mulheres camponesas, indígenas, quilombolas, coletoras de babaçu, catadoras de borracha, coletoras de marisco e extrativistas que atuam na linha da frente, fechando as fileiras da defesa dos direitos das comunidades.

Para as comunidades rurais e os povos da floresta, o acesso à terra tem significados que vão desde o material, bem-estar, renda e soberania alimentar, até mesmo significados de pertencimento cultural, religioso e cosmológico. Terra, água, florestas e cultivos não são apenas insumos. A luta pela terra, pelos recursos naturais e contra as alterações climáticas, é a luta pela nossa própria existência.

Ainda assim, mesmo nos casos em que os direitos da terra são assegurados, as mulheres são comumente excluídas da propriedade e da legalidade; onde o direito coletivo à terra é reconhecido, a governança é concentrada nos homens. Quando o governo ou as empresas procuram envolver as comunidades para discutir potenciais impactos, as negociações tendem a excluir as mulheres.

Nesse cenário, a Oxfam Brasil é uma aliada na luta pela justiça no acesso aos recursos naturais, à justiça climática e à justiça de gênero no contexto da Campanha Climática Colaborativa para Justiça Econômica e Direitos Comunitários, juntamente com as organizações parceiras Miqcb (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas) e Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos). O projeto envolve mulheres não brancas na linha de frente da defesa dos direitos dos povos e das comunidades tradicionais, e um dos pontos trabalhados é a comunicação estratégica e inovadora para aumentar a influência, o poder e a visibilidade dessas mulheres e suas comunidades.

Para se ter uma ideia da importância da mulher dentro das comunidades tradicionais, elas são as principais responsáveis pela preservação das sementes e da grande variedade de espécies alimentícias e medicinais cultivadas. Além das roças que cultivam, seus quintais são fontes complementares de alimentação e de medicamentos naturais.

Mulheres também são as principais responsáveis pelo cuidado com as crianças e com os mais velhos “anciões”, que transmitem conhecimentos essenciais para o futuro, para o desenvolvimento de diferentes práticas de cultivo e, é claro, para o cuidado das nossas florestas. Por isso, pode-se afirmar, sem dúvidas, que onde tem mulher, tem resistência, sonhos, esperanças e floresta em pé.

 

Maria Nice Machado Costa é uma mulher negra quilombola extrativista, nascida no quilombo Saubeiro, município de Penalva, Maranhão, presidenta da Associação das Comunidades Negras Rurais e Urbanas do Estado do Maranhão (ACONERUQ).



Artigos Relacionados

MEIO AMBIENTE

O vilão é outro: em defesa da Foz do Amazonas

Online | Brasil
por Rafael Giovanelli, Daniela Jerez e Suely Araújo
AMÉRICA CENTRAL

Nicaráguas

Séries Especiais | Nicarágua
por Roberto López Belloso
TRANSFORMAÇÕES DA ÚLTIMA DÉCADA

O Chile na guerra comercial entre EUA e China

Séries Especiais | América Latina
por Libio Pérez
O PLANO ESTRATÉGICO 2023-2027 DA PETROBRAS

Um cenário de incertezas

por José Sérgio Gabrielli de Azevedo
JUSTIÇA

Voz do preso: Presente!

Online | Brasil
por João Marcos Buch
A CANNABIS COMO UM PRODUTO

Maconha: mercados, regulações e impostos

por Emilio Ruchansky
CORRUPÇÃO

Conflitos e fragmentação da ordem internacional tornam mais complexo o combate à corrupção

Online | Ucrânia
por Bruno Brandão e Klei Medeiros
ENTREVISTA IVAN SEIXAS

Relatos de resistência

Online | Brasil
por Sérgio Barbo