Oportunidade de ampliar a participação do Estado na vida das comunidades
Com a retomada do Pronasci, o presidente cumpre mais uma promessa de campanha e apresenta um novo horizonte para as políticas públicas de segurança
O presidente Lula anunciou recentemente a retomada do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, o Pronasci, que teve sua primeira versão inaugurada em 2007. Coordenado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, o programa renasce com o objetivo de reduzir a taxa de homicídios para abaixo de 16 mortes por 100 mil habitantes até 2030, e reduzir taxas envolvendo mortes violentas de mulheres e de lesão corporal seguida de morte.
Com a retomada do Pronasci, o presidente cumpre mais uma promessa de campanha e apresenta um novo horizonte para as políticas públicas de segurança. Sobretudo quanto ao controle da violência letal e da ampliação das medidas de acesso à justiça, proteção, promoção e defesa dos direitos humanos. Medidas urgentes e necessárias. Vai ao encontro de um desafio inadiável para a sociedade brasileira, o de enfrentar a insegurança urbana e celebrar um pacto de justiça e paz.

Os números são eloquentes, e revelam a extensão do problema da violência na nossa sociedade. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, mesmo havendo redução dos índices de violência letal no Brasil desde 2018, o país chegou à taxa de 22,3 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes em 2021. Ou seja, temos o desafio ético de superar a violência sob pena de comprometermos irreversivelmente a democracia e o Estado de Direito.
O Pronasci é mais uma oportunidade de modernização das instituições brasileiras no campo da justiça e da segurança pública. Uma chance de alinhar o cumprimento das leis com o exercício dos direitos humanos. E, sobretudo, de encarar sem disfarces a face dura do racismo, das desigualdades e do autoritarismo, que ainda colocam em risco conquistas civilizatórias obtidas com muita luta de lideranças e grupos sociais historicamente excluídos. Trata-se de mais um ensejo para passar a limpo passivos de tolerância com práticas institucionais inaceitáveis em termos éticos e sociais.
No entanto, por onde começar um pacto político tão ambicioso? Por onde começar uma política nacional de segurança com cidadania que seja digna desse nome? Qual a principal urgência em termos de ação federal e de medidas nos níveis estadual e municipal? O que é preciso mudar em relação aos planos anteriores?
Duas dimensões me parecem orientar a resposta a essas perguntas. Por um lado, é preciso alterar radicalmente o modelo de policiamento no país, privilegiando a inteligência, o planejamento, e reduzindo as operações bélicas, as ocupações armadas de territórios. Nunca é bem-sucedida uma operação em que há mortos e feridos, não podemos normalizar um padrão de policiamento que considera a morte de pessoas como mero dano colateral. Trata-se de um imperativo político que envolve governos (federal e estaduais) mas que envolve também sociedade civil num pacto em torno de outros valores de segurança e controle da violência de Estado.
Ao mesmo tempo, é fundamental reforçar a legalidade em territórios com maiores índices de violência, promovendo forte parceria entre governo federal, estadual e municipal em prol de uma agenda de “estatização” de relações jurídicas que foram sendo corrompidas por milícias, grupos de extermínios e outros agentes de ilegalismo. É preciso promover regularização fundiária de territórios dominados por grupos criminosos armados; prover a oferta de serviços públicos em regiões mais excluídas das cidades, promovendo sentido de pertencimento da comunidade em relação a escolas, hospitais e outros bens e serviços públicos, enfim, trata-se de restituir os espaços públicos de cidadania ao conjunto da população.
Como disse o presidente Lula em especial síntese apresentada em seu discurso de relançamento do Pronasci, “é papel do Estado cuidar das pessoas. Antes, tentando evitar que essa pessoa cometa um delito, mas, também, cuidar depois da pessoa cometer (o delito), na perspectiva de fazer essa pessoa voltar a ter uma convivência social tranquila na sociedade. A sociedade não está precisando só de mais polícia, está precisando de mais Estado”.
Que não nos falte determinação para seguir lutando pela presença efetiva do Estado em favor da cidadania, da democracia e dos direitos humanos.
Felipe da Silva Freitas é secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia.