Os mistérios do Partido Comunista Chinês
“Depois do 18º Congresso”… Qualquer solicitação de encontro com os dirigentes do Partido Comunista Chinês (PCC) suscita essa resposta. Mesmo os mais eloquentes escolhem a discrição, enquanto esperam o oráculo do congresso, em outubro. O que acontece no lado oeste da Cidade Proibida, atrás dos muros vermelhos?Martine Bulard
(Estudantes formam a bandeira do Partido Comunista Chinês durante a celebração de seu 90° aniversário)
No bairro de Weigongcun, na ampla calçada que liga Renmin Daxue – a Universidade do Povo, uma das mais velhas de Pequim – à estação de metrô com o mesmo nome, a municipalidade instalou um terminal eletrônico, com tela tátil e sistema interativo, que permite se localizar na cidade. Ao lado desse terminal, telas vermelhas onde desfilam textos do Partido Comunista Chinês (PCC), foice e martelo bem visíveis, com fotos de trabalhadores merecedores e de dirigentes-modelo. A última palavra em tecnologia para se localizar na política comunista? Parece pouco provável que os grupos de estudantes, frequentemente ligados nas novidades da moda – neste mês de junho, short sexy ou minissaia para as meninas, camisa ajustada ou camiseta com inscrições em inglês para os meninos –, captem a mensagem. Assim vai a China, onde a modernidade mais recente convive com os métodos mais arcaicos.
O 18º Congresso do PCC, que será realizado “no segundo semestre de 2012”, segundo o comunicado oficial, reflete esse paradoxo. O partido único que dirige a China desde 1949 imaginou um sistema de renovação das direções centrais. Os mais altos responsáveis pela organização e o Estado (o secretário-geral, que também é presidente da República, o primeiro-ministro e o presidente da Assembleia Nacional Popular) devem se contentar com dois mandatos e não podem governar mais de dez anos. A idade-limite para os membros das instâncias nacionais (comitê central, escritório político, comitê permanente) foi fixada em 68 anos.
O ano de 2012 vai, então, ver uma das maiores mudanças de dirigentes jamais operada num país que se diz comunista. Dos nove membros do Comitê Permanente do Escritório Político (CPEP),1 o coração do povo chinês, sete serão substituídos; 60% a 65% dos titulares das cadeiras do Comitê Central deverão também ceder seu lugar. Sob quais critérios serão designados os promovidos? Boca de siri. Lembrando o clima do tempo da Cidade Proibida, a sucessão no seio do PCC se prepara no maior segredo, empregando obscuros jogos de poder, intrigas maquiavélicas, alianças e golpes baixos.
A mais de 2 mil quilômetros dali, em Cantão, Yuehui (vamos chamá-la assim para evitar que ela tenha problemas), short jeans, corpete de seda, cabelos longos e maquiagem bem estudada, parece com todos os jovens vindos de classes médias, tranquilos na vida, confortáveis nas discussões. Mesmo que seus amigos se recusem a falar de política, Yuehui hesita, mas depois se solta com boa vontade.
Mãe professora, pai funcionário público, ela termina seu mestrado em Direito na prestigiosa Universidade Sun Yat-sen, onde a encontramos. Como seus pais, ela é comunista. “O partido constitui uma espécie de fraternidade, uma rede para ser bem-sucedido”, explica logo de início. “Um pouco como uma associação profissional.” Digamos que isso representa uma garantia que vai ajudá-la a encontrar um bom emprego, com promoção assegurada. Depois de uma pausa, ela precisa, enrubescendo: “Eu sonhava me tornar comunista desde a adolescência”. Como a maioria dos jovens chineses, ela era membro da organização da juventude. “Quando fui escolhida pela direção do partido porque era uma excelente aluna, fiquei muito feliz. Foi como uma recompensa. Uma festa.”
Cinco anos depois, o entusiasmo desapareceu. “Se tivesse de fazer tudo de novo, eu não faria. Isso me criou muitas obrigações. Tenho de ir a inúmeras reuniões, o que toma tempo.” As organizações de base, normalmente em repouso, foram muito solicitadas nesses últimos meses por causa da deflagração engendrada pela destituição de um dirigente conhecido, Bo Xilai, o que trouxe luz às divisões no seio do PCC. “Mas principalmente”, continua Yuehui, “eu tenho de seguir as respostas dadas pelo partido. Não sou livre para dizer o que penso. Isso me pesa, pois tenho uma grande independência de espírito.”
Claro, formalmente ninguém proíbe que ela se afaste do discurso oficial. Mas ela seria então obrigada a se explicar e enfrentar os “camaradas” encarregados de convencê-la e de trazê-la de volta para o bom caminho.
Devolver a carteirinha e virar a página? Impossível. Isso revelaria um tipo de renegação política. Talvez ela pudesse se distanciar se abandonasse seu bairro: bastaria não dar mais sinal de vida. Mas, se ela se tornar funcionária pública ou trabalhar numa empresa estatal, não escapará das diretivas. Como explica um veterano que lamenta a situação: “Não somos obrigados a acreditar: vamos às reuniões, fechamos o olho e continuamos…”.
De fato, é mais difícil sair do partido do que entrar. Em geral, é o secretário (da escola, do bairro, da empresa, da cidade) quem seleciona os que ele estima dignos de unir-se. Se, por acaso, perde-se a etapa do colégio ou da faculdade e se considera útil para a carreira poder empunhar a foice e o martelo, pode-se preencher uma solicitação de adesão, com a condição de ser apadrinhado e aceitar diversas investigações sobre sua atividade profissional assim como sua vida pessoal.
Acesso precioso
No total, entre 2007 e 2012, mais de 10 milhões de pessoas juntaram-se ao PCC. Essa estrutura conta oficialmente com 80,6 milhões de membros – quase o equivalente à população alemã. Um quarto deles tem menos de 35 anos, e a metade, entre 36 e 60, segundo as estatísticas oficiais. Paradoxo: enquanto os dirigentes comunistas (locais, sobretudo) nunca foram tão abertamente criticados pela população, nunca houve tantos candidatos à adesão. É porque a carteirinha representa um acesso precioso para os jovens (pelo menos para os que não são ricos) e uma garantia de tranquilidade para o partido, que espera assim melhor controlar a sociedade.
Os filhos e filhas de comunistas têm vaga garantida, assim como os intelectuais e os jovens diplomados, antes chamados “pequenos burgueses”, enquanto hoje se estende para eles o tapete vermelho. Trata-se de construir o “partido da excelência”, segundo expressão muitas vezes ouvida. Partido e Estado sendo uma coisa só, o país precisa de pessoal formado. A constituição da elite privilegia o recrutamento nas universidades chinesas ou estrangeiras – um percurso cada vez mais realizado. Mas isso não dispensa as escolas do partido.
Quando se ocupam cargos importantes, na província ou na escola central, a passagem pelos bancos dessa instituição política suprema é obrigatória. Os novos mandarins vão se iniciar nos refinamentos do marxismo à chinesa e nas sutilezas da política do momento, ao mesmo tempo que adquirem competências de alto nível em matéria de administração pública. Nos mesmos locais coexistem às vezes, como em Xangai, a escola vermelha nascida com a Revolução e a escola administrativa nascida com as reformas dos anos 1980, equivalente à Escola Nacional de Administração (ENA) francesa.2 Os professores chineses e estrangeiros mais reputados são convidados a dar aula ali; a escola de Cantão se vangloria de ter feito vir os maiores economistas norte-americanos. As demonstrações em PowerPoint que seduzem todo tecnocrata que se preze são abundantes. O acesso à internet é livre. Nenhum livro estrangeiro, nem mesmo o mais crítico, é proibido. Enfim, quando se trata de formar sua elite dirigente, o partido aposta alto.
Apesar de nossas solicitações, não foi possível ultrapassar as portas da escola central de Pequim, dirigida por Xi Jinping, o futuro número um do país. Mas dois jornalistas do China Daily, Chen Xia e Yuan Fang,3 mergulharam nesse universo particular onde está reunida a cúpula comunista, vinda de prefeituras, províncias e de Pequim. Na primeira semana, os alunos, apartados do mundo – “até mesmo os secretários e os motoristas devem esperar do lado de fora da escola”, observam os autores –, passam por “testes para avaliar seu nível de conhecimento teórico – incluindo as bases do marxismo”. Depois eles são divididos em grupos que assistirão a cursos sobre assuntos diversos: história do partido, religiões, questões das minorias, luta contra a corrupção, prevenção do HIV/aids… Todos se encontram para discussões nas quais cada um é convidado a dar sua opinião na maior liberdade. Mas a hierarquia permanece: os alunos de baixo escalão (prefeitura) não estudam, nem comem, nem dormem com os que já exercem funções na província ou na capital.
Na escola, escrevem Chen e Yuan, existe uma classe especial, composta de executivos com idade entre 45 e 50 anos que formarão a “futura coluna vertebral do governo” e que, em geral, assistem aos cursos durante um ano. Se os três primeiros meses são consagrados à leitura dos clássicos, como O capital, de Karl Marx, ou o Anti-Dühring, de Friedrich Engels, os pensionistas recebem uma formação aprofundada sobre todas as questões governamentais: sistema legislativo, elaboração de orçamento, controle das finanças, política estrangeira, administração, direção e gestão de pessoal, mas também erradicação da corrupção, métodos de administração de conflitos… Vemos assim uma profissionalização muito avançada dos dirigentes.
Prêmio à docilidade
A escola também serve de corredor de seleção. O muito poderoso departamento da organização central, que tem o controle dos negócios do partido, das nominações aos cargos do governo, das mídias (com o departamento de propaganda), das universidades e das empresas estatais, “envia frequentemente emissários que assistem aos cursos e participam das discussões”, precisam os dois jornalistas, “a fim de identificar os melhores estudantes da turma para uma futura promoção. Um professor nos revelou que, um dia, um estudante que tinha sido suspenso por mau comportamento em sala de aula […] viu sua carreira política chegar ao fim”. Equivale a dizer que os aspirantes a altas responsabilidades devem pensar duas vezes antes de esboçar uma opinião crítica.
“Isso não mudou; ainda se premia a docilidade”, suspira coberto pelo anonimato um executivo do PCC em atividade que aceitou nos encontrar, há alguns meses, em Pequim. Ele lembra que oficialmente os critérios para avançar na carreira são definidos: não menos que setenta itens,4 entre os quais o nível de estudos, o tempo de casa e, quando se exerce uma função de responsabilidade, os resultados obtidos, por exemplo, em matéria de investimentos ou qualidade do ar. Sem esquecer a famosa “estabilidade”: qualquer problema à ordem pública que tenha um eco nacional provoca notas baixas e freia a carreira. Na ausência de transparência, o arbitrário domina… e a reprodução de uma elite formatada se perpetua.
“Depois da abertura e até o meio dos anos 1990, uma pessoa que estava abaixo na escala podia crescer se tivesse um trabalho. Hoje, não é mais possível”, garante Yang Jisheng, economista e ex-diretor da agência de imprensa Xinhua (Nova China) para questões internas. Num grande café um pouco envelhecido, para além da quarta avenida periférica ao sul de Pequim, ele nos conta a aventura do livro Análise das classes sociais na China,5 publicado em Hong Kong (e, portanto, difundido debaixo do pano), depois no continente, onde foi proibido duas vezes antes da edição atualizada de 2011. O autor, ainda comunista, nunca se preocupou, mesmo que tenha posto o dedo na ferida de uma das falhas do sistema: a constituição de uma classe de herdeiros.
Segundo ele, “não há mais mobilidade social. Essencialmente, as vagas são reservadas para os filhos dos altos funcionários, que são mais bem-educados. Para a geração que nasceu após as reformas, pode-se dizer que há uma reprodução das camadas sociais: os filhos dos altos funcionários do partido e/ou da função pública vão se tornar altos funcionários; os filhos dos ricos vão se tornar ricos; os filhos dos pobres vão continuar pobres”. O que poderia parecer banal no Ocidente é com frequência vivido como algo insuportável num país que se reclama do “poder do povo” e do “socialismo”, ainda que no estilo chinês.
De fato, os “filhos de príncipes” – os filhos dos dirigentes históricos do partido (taizi dang) – ocupam cargos no seio do aparelho (um quarto dos membros atuais do escritório político), mas estão principalmente na chefia de grandes grupos públicos ou semipúblicos. Diz-se que estão em competição com os dirigentes vindos de famílias mais modestas, que fizeram carreira na organização da juventude, os tuanpai, representados pelo atual presidente Hu Jintao e seu primeiro-ministro, Wen Jiabao. O futuro presidente, Xi, filho do antigo braço direito de Zhou Enlai, pertence à primeira categoria, enquanto Li Keqiang, pretendente ao posto de primeiro-ministro, faz parte da segunda.6
Uma luta de classes no seio do PCC? Se existem correntes de pensamento – não oficialmente reconhecidas –, as diferenças não parecem mais sobrepor às origens dos chefes de cada fila. Antes de ser expulso da cena pública, Bo, então patrão da cidade-província de Chongqing (32,6 milhões de habitantes) e filho de um dos dirigentes históricos da Revolução, era o pregador dos direitos sociais para os operários-camponeses (mingong)e o inimigo declarado dos promotores, mas também o campeão de processos expeditivos, que pouco se importavam com os direitos humanos. A 1,5 mil quilômetros dali, o chefe do Guangdong, onde se introduziram as grandes empresas exportadoras, Wang Yang, que não nasceu com a foice e o martelo debaixo do braço, se tornou o apóstolo do liberalismo econômico ao pregar a abertura política e as liberdades públicas. Vemos assim como é perigoso analisar a sociedade chinesa com as referências políticas do Ocidente: reformador ou conservador, direita ou esquerda – ainda que alguns, entre os quais encontramos tanto nostálgicos de Mao Zedong quanto intelectuais defensores dos direitos sociais, gostem de se qualificar como “nova esquerda”.
As diferenças podem até ser resolvidas pela violência (simbólica), como no caso Bo. Tendo adquirido uma reputação de destruidor da corrupção, o secretário comunista de Chongqing, acusado de corrupção e nostalgia maoísta, foi pura e simplesmente destituído por Pequim. “O risco de um retorno da Revolução Cultural existe”, insistiu o primeiro-ministro Wen.
Fim da nostalgia
Essa versão oficial é frequentemente questionada nas discussões privadas. Desde que o partido estabeleceu o ato de acusação – e não uma justiça independente –, fica difícil desembaraçar a verdade da mentira. No entanto, a corrupção está tão profundamente entranhada na China que não é inimaginável que o dirigente de Chongqing pudesse substituir um clã por outro para seu próprio lucro. Mesmo assim, é incontestável que ele recolocou em voga os “cantos vermelhos”. Mas daí a concluir que ele queria retornar aos piores momentos do maoísmoe dos guardas vermelhos seria um passo grande demais. “Isso não faz o menor sentido”, afirma Yan Lieshan, um dos redatores-chefes do jornal de Cantão Nanfang Zhoumo. Esse sexagenário aposentado, mas ainda ativo, que nos recebe no espaço de um grupo de imprensa conhecido por suas investigações minuciosas, afirma: “Alguns comportamentos podem lembrar a época da Revolução Cultural. Mas, desde então, a população aprendeu; ela está mais educada, com o espírito mais aberto. Não pode haver um passo atrás”.
Historiador da arquitetura da Universidade Sun Yat-sen e especialista nas representações ligadas à Revolução Cultural, o professor Feng Yuan, nascido na época da loucura maoísta, em 1964, não tem claramente o hábito das meias palavras: “Pode haver nostálgicos entre os mais antigos. Mas é algo marginal. Por outro lado, para os jovens, as referências a Mao refletem duas realidades: o descontentamento que não encontra um caminho para se expressar nem se resolver, com a impressão de que ontem a sociedade era mais igualitária e menos rude; e a insuficiência do olhar crítico sobre esse período”. O julgamento oficial sobre Mao Zedong e seu reino se resume sempre à fórmula lapidar: 70% bom, 30% ruim, e os estudos críticos têm dificuldade para se espremer num caminho. Feng sabe bem disso, pois acabam de proibir um de seus artigos sobre esse período numa obra que recupera seus cursos. E entende-se que ele reclama um trabalho histórico integrado, preservado de qualquer instrumentalização – mesmo que seja pela boa causa…
O escândalo Bo não teria, certamente, tomado a proporção que tomou se os debates fossem livres e as correntes reconhecidas, como, inclusive, tinha sido prometido pelo presidente Hu no começo de seu segundo mandato. O compromisso foi esquecido, mas o enfrentamento ideológico no seio do aparelho não é menos explosivo. Ele repousa essencialmente no papel do Estado (e do partido), assim como no conteúdo das reformas sociais e políticas.
E o socialismo de mercado à chinesa nisso tudo? “É uma aplicação criativa do marxismo em via de desenvolvimento”, pode-se ler na brochura oficial O que você sabe sobre o Partido Comunista Chinês?.Claro, nenhum comunista retoma para si esse pensamento fossilizado. Mas o problema continua lá. Especialista em relações sociais na empresa, o professor He, que navega entre Cantão e Nova York, reconhece que “entre o capitalismo norte-americano e o chinês não há realmente diferença”; mas na China, diz ele “tentamos melhorar a vida dos operários e dos camponeses – é congênito”. Isso não é flagrante e, de qualquer forma, é um pouco curto para definir o socialismo. Sem dúvida, isso explica a valorização de uma ideologia de substituição: o confucionismo.
Liu Jinxiang, ex-prefeito-adjunto de Cantão encarregado das finanças, concorda. “Se por socialismo entendemos mais igualdade, então a Suécia é mais socialista que a China. Aqui, muitos aspectos da velha sociedade perduram. As pessoas não sabem mais muito bem para onde ir. Não temos mais critérios. Não temos mais modelo. Como qualificar nosso sistema? Economia de mercado, socialismo, capitalismo de Estado… nenhum desses conceitos permite realmente defini-lo. É por isso que reina tamanha confusão sobre a direção a seguir. Devemos dar início a um grande trabalho teórico. Podemos considerar que estamos na fase do capitalismo de Estado como um meio para construir uma sociedade socialista, onde cada indivíduo teria mais espaço.” O objetivo é louvável, mas não vemos mais nos trabalhos preparatórios do congresso do PCC o menor esboço de uma mudança de planos.
Martine Bulard é redatora-chefe adjunta de Le Monde Diplomatique (França).