Pesquisa Datafolha e as leituras possíveis
A divulgação da pesquisa Datafolha com as intenções de voto para prefeitura de São Paulo agitou o mundo político em geral e a esquerda em particular
A divulgação da pesquisa Datafolha no final de agosto e começo de setembro com as intenções de voto para prefeitura de São Paulo agitou o mundo político em geral e a esquerda em particular. Nela, Guilherme Boulos (PSOL) lidera com 32% contra 24% do atual prefeito Ricardo Nunes (MDB). Tabata Amaral (PSB) pontua 11%, Kim Kataguiri (UB) aparece com 8% e Vinicius Poit (Novo) fecha a lista com 2%.
Tabela 1: Intenções de voto
Candidato | Intenções de voto |
Guilherme Boulos – PSOL | 32% |
Ricardo Nunes – MDB | 24% |
Tabata Amaral – PSB | 11% |
Kim Kataguiri – UB | 8% |
Vinicius Poit – Novo | 2% |
No campo da esquerda, apesar da liderança de Boulos, emergiram dois tipos de análises com viés negativo e, a meu ver, precipitadas e equivocadas. A primeira vem de setores do petismo, ainda incomodados com o fato de que o PT vai apoiar o deputado federal e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A segunda vem de setores da esquerda social não petistas, que buscam questionar o necessário movimento de ampliação que o PSOL faz para de fato vencer as eleições. Nessas análises, a dianteira de Boulos para Nunes estaria pequena e indicaria uma tendência mais favorável para o atual prefeito, apesar de sua péssima gestão.
Para além do senso comum de que falta muito tempo para as eleições e que a pesquisa é retrato de momento, o erro das análises negativas fica mais evidente na medida em que o Datafolha foi divulgando novos dados ao longo dos dias. O cenário é bastante positivo para Boulos a partir de duas dimensões: uma macro, que é o sentimento de mudança e, ao mesmo tempo, a avaliação positiva do governo do presidente Lula; e a outra, na segmentação, quando os méritos da construção e da estratégia de Boulos confirmam porque ele é o melhor candidato para o campo da esquerda em São Paulo. Isso não anula que sua candidatura enfrenta desafios importantes até as eleições, o que também será abordado aqui.
Mudança em São Paulo, polarização nacional e a força de Lula
Na maioria dos casos, as eleições municipais se concentram sobre os problemas da cidade e dificilmente os campos políticos nacionais se apresentam de modo coeso e coerente nas disputas locais. São Paulo, contudo, é uma exceção frequente a essa regra geral, apresentando diversos momentos de nacionalização, como foi em 2012 e 2016.
A nacionalização ou não das eleições de 2024 será um objeto de disputa, com o atual prefeito lutando para manter o pleito nos debates locais. O que a pesquisa mostra, contudo, é que, provavelmente, em poucas cidades a eleição será tão nacionalizada quanto a paulistana, constituindo-se como um verdadeiro terceiro turno da disputa presidencial de 2022.
Primeiro, por conta da polarização, com Boulos e Nunes ocupando os polos que foram de Lula e Bolsonaro. Há um ano da eleição, o mais importante desses números não é que a vantagem do candidato do PSOL para o atual prefeito seja estreita, mas sim que ambos se consolidam na liderança. Ademais, para Boulos, é um feito significativo alcançar, nessa altura, o 1/3 do eleitorado que tradicionalmente apoia o PT. Trata-se, nesse momento, de um piso importante, um ponto de partida que consolida sua candidatura na cidade.
No mesmo sentido, Nunes conseguiu uma vitória, que foi consolidar sua aprovação em 23%, basicamente o mesmo piso do eleitorado de direita que Bolsonaro foi mantendo ao longo do seu governo. Contudo, apesar de todo o investimento em propaganda, ele não consegue alavancar sua aprovação para além desse patamar, o que evidencia a segunda dimensão favorável a Boulos: os dados mostram um forte sentimento de mudança entre o eleitorado paulistano. 79% dos entrevistados esperam ações diferentes do próximo prefeito. 77% avaliam que o atual prefeito gasta mal o dinheiro que tem em caixa. Esses números permitem consolidar uma estratégia de crítica direta à gestão de Nunes que podem e devem ser potencializadas positivamente pelo apoio de Lula
Tabela 2: Sentimento de mudança
Querem ações diferentes do próximo prefeito | 79% |
Avaliam que o atual prefeito gasta mal o dinheiro em caixa | 77% |
Isso porque os dados de aprovação do presidente Lula na cidade de São Paulo são animadores. 45% dos eleitores avaliam o governo do petista como ótimo/bom e apenas 25% reprovam sua gestão. 23% dos entrevistados declaram votar com certeza em um candidato apoiado por Lula, 37% afirmam que talvez votem no candidato dele e o mesmo número, 37%, não votariam em um candidato lulista de jeito nenhum.
Tabela 3: a força de Lula
Avaliação ótimo/bom de Lula | 45% |
Avaliação ruim/péssimo de Lula | 25% |
Votariam com certeza em alguém apoiado por Lula | 23% |
Talvez votariam em alguém apoiado por Lula | 37% |
Não votariam em alguém apoiado por Lula | 37% |
A outra face desta moeda está nos também animadores índices de rejeição de Bolsonaro: 68% não votam de jeito nenhum em um candidato apoiado por ele, 13% declaram votar em alguém apoiado por Bolsonaro e para 16% o apoio de Bolsonaro talvez leve a votar.
Tabela 4: a rejeição de Bolsonaro
Votariam com certeza em alguém apoiado por Bolsonaro | 13% |
Talvez votariam em alguém apoiado por Lula | 16% |
Não votariam em alguém apoiado por Lula | 68% |
Estes dados mostram que as intenções de voto de Nunes condizem com sua aprovação e com a rejeição de Lula, além de estarem muito próximos do teto de apoio que Bolsonaro pode agregar, que soma 29%. Boulos, pelo contrário, tem ainda muito o que crescer até alcançar os 45% de aprovação de Lula e do teto de apoio vinculado ao presidente, que alcança 60% do eleitorado. O melhor é que a segmentação da pesquisa confirma o potencial do candidato do PSOL.
A segmentação dos dados e o potencial de crescimento de Boulos
O que a análise da segmentação dos votos da pesquisa da Datafolha mostra é que Boulos consolida um bom desempenho nos setores que tradicionalmente são mais refratários ao PT e, em paralelo, apresenta um potencial de crescimento nos segmentos que são mais fiéis à Lula. Vamos aos números.
No recorte de renda, Boulos marca 23% entre os eleitores com renda familiar de até 2 salários-mínimos. Já na rejeição, 25% deste eleitorado afirma não votar em Boulos de jeito nenhum. Ainda nesses setores, Boulos é pouco conhecido por 35% e é desconhecido por 29%. Ora, esse eleitorado é a principal base eleitoral lulista desde 2006 e, como sabemos, Lula venceu no 2º turno da cidade de São Paulo com 54%, sendo que chegou a alcançar 66% nos bairros da periferia, onde essa parcela da população vive. O potencial de crescimento aqui é inegável. Já nas rendas mais altas, mais refratárias ao PT, ele pontua com 45%, patamar elevado que consolida sua candidatura nesses estratos.
Tabela 5: Segmentação Boulos até 2SM
Intenções de voto de Boulos | 23% |
Rejeição Boulos | 25% |
Conhecem Boulos só de ouvir falar | 35% |
Não conhecem Boulos | 29% |
Outra segmentação que aponta para um potencial de crescimento do candidato do PSOL é a etária, especialmente entre os jovens. Boulos alcança 32% das intenções de voto entre os eleitores de 16 a 24 anos e 24% de rejeição nesse segmento. O mais importante aqui é que ele ainda tem um enorme campo para crescer por conta dos dados sobre conhecimento: ele é pouco conhecido por 25% e desconhecido por 26% dessa faixa.
Tabela 6: Segmentação Boulos entre 16 e 24 anos
Intenções de voto de Boulos | 32% |
Rejeição Boulos | 24% |
Conhecem Boulos só de ouvir falar | 25% |
Não conhecem Boulos | 26% |
Os desafios para Boulos em São Paulo
Os dados da pesquisa Datafolha mostram que o principal desafio de Boulos será enfrentar o tema da segurança pública. Para 22% do eleitorado, este é o principal problema da cidade, contra 16% que apontam a saúde, 8% o transporte e 6% a educação, que são os três temas que tradicionalmente dominam as preocupações do eleitorado.
Esse tema aparece combinado com a questão das pessoas em situação de rua, cujo número explodiu na cidade de São Paulo durante o governo Bolsonaro. Nessa dimensão, a ação truculenta do prefeito Nunes de retirar as barracas dos moradores de rua teve repercussão negativa, levando a gestão a suspender tal violência. Trabalhar o sentimento de solidariedade que a população paulistana demonstrou nesse caso pode ser uma saída para derrotar a direita no campo da segurança pública.
Josué Medeiros é cientista político e professor da UFRJ. Coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e do Núcleo de Análises, Pesquisas e Estudos (NAPE) da FLCMF.