Pesquisa identifica 46 candidaturas ligadas a donos de rádio e TV em 21 estados
Entre a ilegalidade e o conflito de interesses, a prática compromete a ética jornalística e desequilibra a disputa eleitoral. Confira mais um artigo do especial ‘Eleições 2024: mídia e violência nas disputas municipais’
Ao menos 40 municípios brasileiros contam com políticos “donos de mídia” participando ativamente das eleições em 2024. Pesquisa realizada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social identificou 46 candidaturas ligadas a emissoras de rádio e TV: 14 deles são proprietários de mídia e 32 são apoiados por donos de mídia. A prática desequilibra a disputa eleitoral e revela um país marcado pela concentração de poder e mídia nas mãos de oligarquias familiares.

Com exceção do Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Sul, Rondônia e Santa Catarina, os demais estados brasileiros tiveram candidaturas identificadas no levantamento. A pesquisa levou em consideração o banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral e confirmou a propriedade das emissoras em consulta ao portal da Receita Federal. O mapeamento buscou emissoras em ao menos três municípios por estado e analisou a situação dos políticos donos de mídia identificados em pesquisas anteriores (2018, 2020 e 2022).
Das 46 candidaturas analisadas – que incluem proprietários diretos e candidatos apoiados por donos de mídia – 11 disputam a Câmara Municipal, enquanto 35 tentam a prefeitura. São 37 homens (80%) e 9 mulheres (20%), que se declaram heterossexuais (100%) e cis gêneros (100%). São 29 brancos (63%) e 16 autodeclarados pardos (34,8%), além de um candidato negro. Com nove candidaturas, o MDB é o partido que mais aparece, seguido de União Brasil, com oito. Na sequência, Republicanos e PP (com 5 cada); PL (4), PSD e PSDB (3 cada), PDT, Podemos, PSB e PT (2 cada) e Novo (1).
Do total de 14 candidatos proprietários diretos de rádio ou TV, o Republicanos é o partido que mais aparece, três vezes. Há apenas uma mulher entre eles, a Professora Maria do Carmo (Novo), sócia da Rádio Rios e candidata a vice-prefeita de Manaus (AM). Nos outros 32 casos, em que os candidatos não são donos diretos das empresas, mas apoiados por rádios e TVs, em sua maioria, de propriedade de um familiar, o MDB lidera, com nove candidatos apoiados.
Capitais em disputa
A prefeitura será disputada por donos de mídia em duas capitais brasileiras. Em Natal (RN), quem busca a eleição é Carlos Eduardo (PSD), membro da família Alves, proprietário da Rádio FM Trampolim da Vitória. Já em Maceió (AL), o atual prefeito João Henrique Caldas (PL) tenta sua reeleição. JHC, como é conhecido, é dono do Grupo Alagoas Comunicação, que opera a TV e Rádio Farol de Comunicação.
Em outros estados, tentam a prefeitura das capitais parentes próximos de proprietários de mídia. Em Rio Branco (AC), a candidata Gabriela Câmara (PP) chegou a apresentar um programa religioso e administrar a Rádio Boas Novas. A rádio e a TV Boas Novas são controladas por seu tio, Jonatas Câmara, que é irmão do deputado Silas Câmara, pai de Gabriela. Já em Belém (PA), a prefeitura é disputada por Igor Normando (MDB), primo do governador Helder Barbalho. A família Barbalho, incluindo o senador Jader Barbalho, controla a Rede Brasil Amazônia de TV (Band PA) e as rádios Carajás FM e Rádio Clube do Pará.
Há também disputas nas capitais em que os candidatos não possuem laços familiares com os donos de mídia da região, mas contam como seu apoio explícito. Na Bahia, a família Magalhães controla a Rede Bahia (afiliada da TV Globo) e a Bahia FM. Um dos sócios é Antonio Carlos Magalhães Jr., pai de ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e que agora se empenha para reeleger seu sucessor, Bruno Reis (MDB). Caso semelhante ocorre em João Pessoa (PB), cuja proprietária da Rádio Pop FM é Silvia Ribeiro, irmã do deputado federal Aguinaldo Ribeiro, que apoia Cícero Luceno (PP).
Em Boa Vista (RR), busca a reeleição Arthur Henrique (MDB), com apoio do ex-senador Romero Jucá, ligado ao Grupo Égia. A rede, que transmite a TV Imperial (Record) e Rádio 93 FM, é controlada por André Felipe Brito, enteado de Jucá. No Piauí, a Rádio Difusora de Teresina (Rádio Band) é de propriedade do político Mário Rogério, que apoia Fabio Novo (PT) para a prefeitura de Teresina. Em Natal, o ex-senador Agripino Maia, dono da TV Tropical (Record), é aliado do candidato Paulinho Freire (União). Em Cuiabá (MT), o prefeiturável Eduardo Botelho (União) recebe o apoio da deputada Janaína Riva, esposa de Diógenes Fagundes, que é filho do senador Wellington Fagundes e controla a TV Cidade Record.
Já em Palmas (TO) e Aracaju (SE), duas situações chamam a atenção. Na capital do Tocantins, a TV Jovem (Record) pertence ao treinador de futebol Vanderlei Luxemburgo, que em 2022 esboçou uma candidatura ao Senado. Recentemente, Luxemburgo se filiou ao Podemos e declarou apoio ao seu colega de partido Eduardo Siqueira. Por conta dessa relação, a candidata Janad Valcari (PL) desistiu de participar do debate eleitoral promovido pela emissora de Luxemburgo.
Outro imbróglio aconteceu na capital sergipana. Às vésperas do debate na TV Atalaia (Record), a candidata Emília Correa (PL) foi supostamente flagrada em uma reunião com o mediador Sérgio Cursino. Diante da repercussão, a emissora substituiu o mediador no debate. Emília já apresentou um quadro na TV Atalaia, no programa Balanço Geral, comandado justamente por Cursino. Adversários acusam Emília de ser favorecida pela emissora comandada pela Família Franco, do ex-deputado Walter Franco, que também controla a TV Sergipe (Globo) e a Rádio Atalaia.
Prefeituras do Interior
Ao menos cinco municípios do interior do Brasil terão a presença de donos de mídia na disputa à prefeitura. Na região Nordeste, tenta se eleger em Ilhéus (BA) Valderico Jr. (União), dono da rádio Gabriela FM. Já em Acaraú (CE), quem está na disputa é Duquinha (Republicanos), proprietário da Rádio Difusora do Vale Acaraú. No Sul, Barbosa Neto (PDT), que é dono da Rádio Brasil Sul, busca se eleger em Londrina (PR). Na região Centro-oeste, participa do pleito à prefeitura de Dourados (MS) Marçal Filho (PSDB), que comanda a Dinâmica FM.
Já em Mato Grosso, a prefeitura de Sinop é disputada por Roberto Dorner (PL), que busca sua reeleição. O político está sendo investigado por gastar, durante o seu atual mandato, cerca de meio milhão de reais em verbas publicitárias destinadas à emissora SBT Sinop, do Sistema Dorner de Comunicação, de propriedade do prefeito e candidato.
A eleição para prefeituras do interior também conta com diversos apoios indiretos de grupos familiares comandando a mídia local. Em Juazeiro do Norte (CE), Maricele Macedo (MDB) é candidata a vice. Ela é esposa de Davi de Raimundão, deputado estadual e proprietário da Rádio Vale 99,9. Quem também disputa a vice-prefeitura é Amaurílio Tomaz, irmão de Dissica Tomaz, que comanda a Rádio FM do Povo.
Na Bahia, quatro prefeituráveis têm relação com donos de mídia. Em Jequié, o candidato Zé Cocá (PP) é apoiado pelo deputado Leur Lomanto Jr., dono da Jequié FM. Em Euclides da Cunha, Rubenilson Campos (PSDB) recebe o apoio dos donos da Rádio Cidade Euclides da Cunha, o ex-deputado Zé Nunes e o seu pai, Dr. Ranulfo. No sul do estado, em Teixeira de Freitas, o candidato Uldurico Jr. (MDB) é filho do ex-prefeito Uldurico Pinto, cuja esposa e irmã aparecem como sócias da Rádio Caraípe FM. Já em Eunápolis, a Rádio Ativa FM pertence a Larissa Oliveira, filha do candidato Robério Oliveira (PSD).
Na Paraíba, em Santa Luzia, o senador Efraim Filho é dono da Rádio Vale do Sabugy e vem apoiando a candidatura de Netto Lima (MDB). Em Patos, o prefeiturável Nabor (Republicanos) é ligado à Rádio Itatiunga FM, que está em nome de familiares, incluindo a sua mãe, a deputada estadual Francisca Motta. Em Guarabira, o candidato Raniery Paulino (Republicanos) é irmão da proprietária da Rádio Guarabira FM, Roberta Paulino.
Em Pernambuco, disputa a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes Clarissa Tércio (PP), filha do Pastor Francisco Tércio, que é dono da Rádio Novas de Paz. Em Sertânia, quem concorre é Rita (PSB), com o apoio do ex-deputado federal Gonzaga Patriota, cuja esposa, Rocksana, é sócia da Sertânia FM. Já em Petrolina, o candidato Simão Durando (União) tem recebido apoio da família Coelho, que controla a TV Grande Rio (Globo).
No Pará, o candidato à prefeitura de Marabá é Chamonzinho (MDB), filho de Angela Azevedo Chamon, proprietária do Sistema Rádio Carajás da Amazônia. Já em Altamira, o prefeiturável Domingos Juvenil (MDB) é casado com Rute Barros, que aparece como proprietária da Rede Vale do Xingu (SBT). Domingos também é pai de Ozório Juvenil, ex-deputado estadual e dono da Rádio Moreno Braga, no município de Vigia.
Em Maracanaú (CE), tenta se reeleger o prefeito Roberto Pessoa, pai da deputada federal Fernanda Pessoa (União), que é dona da Rádio Maracanaú 87,9 FM. Em Tatuí (SP), a candidata Alessandra Gonzaga (PP) é ligada à Vale Verde FM, cujo filho João Victor aparece como sócio, e também à Rádio Cidade Ternura FM, sob o controle de seu pai, o ex-deputado Luiz Gonzaga Vieira.
Disputa no Legislativo
Além das prefeituras, as Câmaras municipais também são alvo de disputa por políticos donos de mídia. A exemplo do que ocorre nas eleições para prefeito, diversos postulantes ao cargo de vereador têm relações diretas ou indiretas com as emissoras locais de rádio e TV. A pesquisa mapeou dez candidaturas ao legislativo com esse perfil.
Metade dos candidatos a vereador identificada no levantamento são proprietários diretos de empresas de comunicação. No Maranhão, são dois registros na cidade de Imperatriz. A rádio Imperial FM pertence ao candidato Rodrigo Brasmar (PSDB), que terá como concorrente à Câmara o pastor Adivando Jr. (Podemos), dono da Rádio Líder 102 FM.
Em Três Lagoas (MS), busca a vereança o proprietário da rádio Caçula FM, Fabio Campos (Republicanos). Em Jequié (BA), quem está à frente da Rádio 93 FM (Sistema Jequié de Comunicação) é o candidato Ramon Fernandes (PT). Seu pai, o deputado estadual Euclides Fernandes também é sócio da empresa. Já em Macapá (AP), o irmão do senador Davi Alcolumbre tenta uma vaga na Câmara. Josiel Alcolumbre (União) é dono da TV Amazônia (SBT) e também chegou a administrar a TV Band Macapá até 2020, quando se afastou para disputar a prefeitura.
Além dos donos de mídia que pleiteiam o legislativo municipal, há casos de relações indiretas. Em Mossoró (RN), a oligarquia Rosado domina a política local e Sandra Maria, ex-deputada, comanda a Rádio Resistência. Apesar de não haver candidaturas expressamente apoiadas pela família, um descendente concorre – Vingt Un (PL) é neto do patriarca Jerônimo Vingt Un Rosado Maia. Em São Luís (MA), outra candidata carrega um sobrenome de “peso”: Karla Sarney (PSD). Ela é sobrinha de José Sarney, cuja família controla o Grupo Mirante, que inclui a TV Mirante (Globo) e Rádio Mirante.
Em Maceió (AL), concorre à câmara Fernando Collor (PSB), sobrinho e homônimo do ex-presidente da República. Seu tio e diversos outros membros da família são donos da TV Gazeta de Alagoas, filial da Globo e que atualmente está em disputa judicial contra a emissora. A Globo tenta desfazer a parceria de quase 50 anos, após o ex-presidente Fernando Collor ter sido condenado por usar a TV Gazeta para recebimento de propina.
No Rio de Janeiro (RJ) destacam-se as mídias religiosas. A Rádio Relógio é de propriedade do deputado estadual Filipe Soares, cujo irmão, Marcos Soares, é deputado federal e o pai, missionário R.R. Soares, é líder da Igreja Internacional da Graça de Deus. Filipe e Marcos apoiam o candidato a vereador Pastor Josias Cruz (MDB).
Ainda na capital fluminense, Eliel Carmo (União) é apoiado por Fabio Silva, apresentador e dono da rádio Melodia FM. Fabio foi eleito deputado estadual, mas em 2024 teve seu mandato cassado por abuso de poder religioso com repercussão econômica durante as eleições de 2022. Ele foi acusado de utilizar sua rádio para promover eventos religiosos de caráter de “showmício”, em que aparecia nas igrejas para discursar e distribuir material de campanha. Agora, ele apoia Eliel, que também é apresentador em sua rádio. A Melodia FM já apareceu em pesquisas anteriores do Intervozes, que investigou a atuação das mídias religiosas durante a pandemia de covid-19.
Outro nome que apareceu em pesquisa recente é o de Uziel Bueno, citado no levantamento sobre comunicadores de programas policialescos nas eleições 2024. O apresentador do Brasil Urgente (Band) é casado com a vereadora Débora Santana (PDT), que busca a reeleição em Salvador (BA) e também apresentava um quadro religioso no programa do marido. O apresentador também está ligado à rádio Baiana FM. Uziel não consta no quadro societário da empresa, mas em entrevista recente o então diretor da emissora Carlos Alberto de Oliveira comentou o arrendamento da Baiana FM para Uziel – a prática é considerada ilegal.
Coronéis da mídia
As emissoras de rádio e TV operam sob um sistema de concessão pública, cuja aprovação passa pelo Congresso Nacional. Dessa forma, deputados federais e senadores não podem ser donos de empresas concessionárias, como diz o artigo 54 da Constituição. Para além da ilegalidade nesses casos, a existência de políticos donos de mídia ocupando qualquer cargo político gera um conflito de interesses, uma vez que as concessões públicas podem ser utilizadas para fins eleitorais e de apoio aos candidatos ou políticos eleitos. No entanto, o que a pesquisa revela é que essa prática segue ocorrendo livremente em todo o país, como mostram os casos de candidatos donos de mídia concorrentes ao pleito deste ano e os daqueles que são apoiados por deputados e senadores donos de mídia.
Na tentativa de burlar essa ilegalidade, muitos políticos transferem a propriedade da mídia para seus familiares. Como aponta o levantamento, dos 31 casos em que o candidato não é sócio direto da emissora, em mais da metade a empresa está em nome de algum familiar, muitas vezes da esposa, filhos ou mãe.
O monitoramento das mídias também expõe o cenário político dos municípios brasileiros, em que famílias controlam o poder local há décadas e até séculos. Entre os atalhos para a manutenção do seu poder, estão a propriedade de mídias locais e seu trampolim eleitoral.
Além do levantamento sobre os políticos donos de mídia, a série “Eleições 2024: mídia e violência nas eleições municipais”, produzida pelo Intervozes, também destacou a participação de influenciadores digitais e comunicadores de programas policialescos na disputa eleitoral.
Os dados foram coletados a partir de um trabalho coletivo realizado por membros do Intervozes: Clarissa V. M. de Moura, Franciani Bernardes, Gabriel Veras, Iago Vernek Fernandes, Mabel Dias, Nataly de Queiroz Lima, Paulo Victor Melo, Raquel Baster e Rodolfo Viana, sob coordenação de Alex Pegna Hercog e apoio de Olívia Bandeira. O levantamento faz parte do projeto Mídia Sem Violações de Direitos, uma iniciativa permanente do Intervozes.