Por que as gangues atraem os jovens?
A morte de um adolescente em um enfrentamento entre jovens na França, projetou novamente as gangues para a manchetes. Entretanto, além dos discursos alarmistas dos especialistas e das declarações de guerra de ministros do Interior, o que sabemos dessas formas de sociabilidade dos meios populares e suas evoluções?Gerard Mauger
As últimas notícias, as mais novas estatísticas policiais ou o projeto de uma nova lei de segurança sempre fazem que o mundo das gangues volte ao debate político e midiático. O espectro da “juventude urbana” segue sua linha de sucessão desde a figura dos “apaches” da Belle Époque, dos “blusões negros” do final dos anos 1950 ou dos “arruaceiros” da década de 1970.
Uma das mais recentes interpretações do fenômeno relaciona imigração e delinquência. Banalizada pelo colunista Éric Zemmour, ela encontrou um espaço no mundo acadêmico que as mídias apressam-se em fazer ecoar. Já o sociólogo Hugues Lagrange, recusando-se também a “deixar-se intimidar pelo pensamento único” e buscando uma teoria original da delinquência, decidiu destacar suas “origens culturais”.1 Mas, embora a exposição de uma “nova variável” possa, com a ajuda da conjuntura política, ser o princípio de uma descoberta sociológica, o estudo parcial de variáveis isoladas conduz ao impasse científico. No caso em questão, se é verdade que os filhos de imigrantes são super-representados nas prisões e aparentemente na população infratora, é porque também o são na população em fracasso escolar e consequentemente na dos jovens não qualificados à procura de emprego e considerados “inempregáveis” – tanto pela falta de escolaridade como pela discriminação que os atinge.2 Quanto à influência específica de “fatores étnicos e culturais” (dominação masculina, poligamia etc.), não basta identificar tais elementos, é necessário também demonstrar seu “efeito criminogênico” – reservas são permitidas…
Como interpretar o mundo das gangues? Do final da década de 1950 até os anos 1970, ele poderia ser descrito como o universo de sociabilidade no qual os rapazes das classes populares gozavam de certas licenças concedidas à juventude. Estes realizavam a aprendizagem coletiva dos valores de virilidade associados ao uso da força física como força de trabalho. A “cultura de rua” aparecia assim como propedêutica à “cultura de fábrica”. Mas, na metade da década de 1970, o processo de consolidação da condição salarial do pós-guerra deu lugar a uma crescente insegurança social e à desestabilização dos modos de vida dessas classes: desindustrialização, desemprego, precarização e degradação do emprego do operariado, terceirização dos empregos sem qualificação, aprofundamento da segregação socioespacial, “massificação” do sistema escolar, declínio do recrutamento político e consolidação do recrutamento estatal. O fortalecimento das políticas de segurança3 é o eco da institucionalização da figura do “estagiário perpétuo”, e o colapso da taxa de emprego dos jovens, o do desenvolvimento de uma “economia subterrânea” nas periferias pobres.
Enfraquecimento do controle paterno
Essas mudanças afetaram o mundo das gangues, cujos membros passaram a ser recrutados principalmente entre as famílias pobres mais ou menos desligadas da sociedade assalariada e muitas vezes de origem imigrante. Elas não possuem as informações necessárias sobre o funcionamento do sistema escolar nem conhecimentos e know-howculturais legítimos (a começar pelo idioma). Suas condições de vida são uma fonte permanente de ansiedade e tensão. A precariedade obriga-as a viver em função de imperativos e “acidentes biográficos”: demissões, acidentes de trabalho, situações de invalidez, morte, conflitos conjugais, problemas judiciais etc. Diante da impossibilidade material de garantir o controle e da incapacidade cultural de garantir a sobrevivência (especialmente escolar) de crianças “que lhes escapam” (em todos os sentidos do termo), submetidas às injunções contraditórias de trabalhadores sociais que as convidam a menos severidade e mais rigor, essas famílias são acusadas de não enfrentar suas responsabilidades. O enfraquecimento do controle familiar reforça assim a socialização pelo grupo de pares.
Sendo a segregação social também espacial, as crianças das parcelas mais carentes das classes populares frequentam as escolas cujas taxas de cumprimento do ensino fundamental e médio são particularmente baixas, e as de reprovação, elevadas. As dificuldades de aprendizagem dos conhecimentos básicos conduzem à hipoatividade escolar e progressivamente à evasão. Quanto mais se alarga o fosso em relação às exigências do ensino, mais a presença em classe parece inutilmente humilhante e mais aumenta a probabilidade de perturbação da atividade pedagógica ou de abandono da escola. A busca pela proteção do bairro e pelo reconhecimento no interior do grupo de pares reforça a porosidade da fronteira entre as atividades das gangues e o espaço escolar.
Os empregos precários acessíveis aos jovens sem diploma ou com diplomas desvalorizados são geralmente no setor de serviços (comércio ou escritório) ou em vagas para operários dispersos em universos muito mais próximos ao dos prestadores de serviços que ao das fábricas. Aumenta o fosso entre, de um lado, a cultura de rua e seus valores de virilidade e, de outro, as disposições requeridas pelo setor terciário (mensageiros, empregados domésticos, funcionários de limpeza, trabalhadores de restaurantes etc.) ou mesmo pela fábrica moderna (disponibilidade, iniciativa, flexibilidade etc.). “O sonho do macho proletariado de cumprir oito horas de trabalho mais horas extras durante toda a vida adulta, em uma fábrica sindicalizada, com uma ocupação difícil, foi substituído pelo pesadelo de um trabalho subalterno de escritório, mal pago e muito feminilizado”,4 escreve o antropólogo Philippe Bourgois.
Podemos então distinguir dois polos no mundo das gangues. O primeiro – dos jovens ainda escolarizados – continua sendo sustentado pela lógica agonística dos “blusões negros” ou dos “arruaceiros”, em que se valorizam a coragem, o espírito rebelde e uma “virilidade agressiva”. O que está em jogo é a conquista, a defesa e a melhoria para uma posição desejada, individual e coletiva (do bairro), na hierarquia das reputações locais. A “falação” e as “gozações” visam ridicularizar o outro, sem ir longe demais. Mas a reputação é construída principalmente pelas brigas internas ao grupo, com gangues vizinhas ou com a polícia. Esses sucessos, os rachas e os roubos de veículos constituem o essencial das práticas delinquentes características desse polo, diluindo-se em condutas banais que causam barulho, bloqueio de espaços coletivos ou degradação do equipamento urbano.
Fazer uma “loucura”
O segundo polo – o dos “grandes” – distingue-se do primeiro pelo investimento na economia “subterrânea” (epíteto que insiste em seu caráter oculto), “paralela” (qualificativo cuja imprecisão sugere a existência de um continuum com a “economia formal”), “ilegal” (adjetivo emprestado do repertório jurídico que acentua seu caráter delinquente) ou “da periferia” (noção que evoca a temática da “sobrevivência”). A associação ao mundo das gangues tem por corolário a negação do relegamento: o “bizness” possibilita a apropriação dos atributos da excelência juvenil que permitem “recuperar a dignidade”. A crença na possibilidade de “montar seu próprio negócio” – “o espírito do capitalismo subterrâneo” – também é surpreendentemente comum. O fracasso das tentativas de inserção profissional pelas vias legais, as disposições em relação ao trabalho não qualificado, a tensão entre necessidade econômica e imposições simbólicas, o imperativo de “se virar”, a convergência entre uma definição dominante do sucesso social e as trajetórias de ascensão dos traficantes de drogas, o trabalho de legitimação moral do “bizness”, tudo isso pode fazer que a participação na economia ilegal seja a escolha menos humilhante e mais reconfortante.5
O “bizness” e, mais especificamente, o dealimplicam uma maior porosidade do “mundo das gangues” em relação ao “meio da delinquência profissional”. De acordo com a hipótese dos primeiros sociólogos da Escola de Chicago, a existência de um “polo delinquente” no bairro transforma-o em área de recrutamento e transmissão de know-howdelinquente, abrindo espaço para “oportunidades desviantes”. O excesso característico da lógica agonística pode explicar a escalada na hierarquia local dos delitos (de furto para roubo). Fazer uma “loucura” é garantia de reputação e prestígio. Aliás, a prisão, por favorecer o desenvolvimento de relações no mundo da delinquência profissional e a transmissão de know-howcorrespondente, continua sendo um lugar privilegiado de conversão do mundo das gangues ao meio da delinquência profissional.
Que conclusões podemos tirar desse tipo de análise? O mundo das gangues aparece como efeito das estruturas sociais: por isso, instrumento de compreensão de si mesma e dos outros, a sociologia se vê frequentemente tachada de “ingênua” por todos aqueles que, imbuídos da defesa das vítimas (e parecendo ignorar que as primeiras vítimas das gangues são os próprios jovens que delas fazem parte), mantêm o “pânico moral” e erigem-se em arautos da “guerra contra o crime”. Daí a profusão de teorias de ação racional aplicadas à delinquência que legitimam a filosofia penal inspirada na doutrina do livre-arbítrio, o retorno da teoria do criminoso nato,6 quando não as “explicações” mais ou menos abertamente racistas.
No extremo oposto, retomando uma longa tradição anarquista e acrescentando uma dose extra de radicalismo, certa fração da esquerda intelectual crê encontrar no mundo das gangues aquela “flor do proletariado” que Bakunin descrevia como “a grande massa, esses milhões de não civilizados, deserdados, miseráveis e analfabetos […], essa grande canalha popular que, sendo mais ou menos virgem de qualquer civilização burguesa, carrega em si, em suas paixões, em seus instintos, em suas aspirações, em todas as necessidades e misérias de sua posição coletiva, todos os germes do socialismo do futuro, e que hoje é a única poderosa o bastante para inaugurar e fazer triunfar a revolução social”.7 É a mesma miragem daqueles que veem nos “fogos da alegria” de novembro de 2005 “o batismo de uma década cheia de promessas” e maravilham-se com “tudo o que há de puramente político na negação absoluta da política”.8
Ignorando esses entusiasmos retóricos, as lutas políticas, midiáticas e científicas que tratam da imposição da representação legítima da delinquência juvenil e de suas causas têm um duplo desafio. A indignação moral periodicamente reativada em relação ao mundo das gangues é utilizada com fins eleitorais para captar os votos de uma parcela do eleitorado da Frente Nacional. Mas, acima de tudo, ela permite reforçar o controle policial sobre um subproletariado que não para de se expandir e exacerbar as divisões no interior dos universos populares. No lugar da tradicional visão de mundo “nós/eles”, ela institui uma nova divisão entre estabelecidos e marginais. Os primeiros pertencem a classes médias precarizadas e a classes populares bloqueadas em suas esperanças de ascensão, enquanto os outros são os operários e empregados “precários” e os “sem”. Como, então, reconstituir e unificar um movimento popular capaz de incluir seus marginais? Como reduzir a fratura entre os dois grupos, enquanto os porta-vozes políticos e midiáticos das classes dominantes interessam-se ora pelos “estabelecidos privilegiados”, ora pelos “marginais demonizados” e/ou “assistidos”?
Gerard Mauger é Diretor de pesquisa emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS − Centre Nationalde la Recherche Scientifique). Recentemente, publicou La sociologie de la délinquance juvénile[A sociologia da delinquência juvenil], Paris, La Découverte, Col. Repères, 2009.