Porto Rico, 51° estado dos EUA?
Rejeitada em três ocasiões anteriores (1967, 1993 e 1998), a integração de Porto Rico aos Estados Unidos foi finalmente aprovada pelos habitantes da ilha caribenha. A decisão foi tomada em referendo cuja formulação deixa em dúvida a real intenção dos votantesJames Cohen
Os porto-riquenhos escolheram transformar sua ilha no 51º estado da União Federal norte-americana? Para Luis Fortuño, governador em exercício e dirigente do Partido Nuevo Progresista (PNP) no momento do referendo do dia 6 de novembro de 2012, a resposta não deixa dúvidas: os 61% da população que votaram a favor da incorporação de Porto Rico aos Estados Unidos, explica ele, demonstraram uma “clara recusa de que Porto Rico continue nessa situação territorial em que está atualmente”.1
O resultado do referendo, contudo, é menos evidente do que parece. A primeira pergunta se relacionava à manutenção do estatuto atual de Porto Rico. Dos 1.798.987 votantes, 53,97% responderam negativamente: é a primeira vez, desde seu nascimento, em 1952, que esse Estado Livre Associado (ELA) aos Estados Unidos (ver box)é submetido a tal questionamento. Sem dúvida mais ambígua, a segunda pergunta oferecia aos porto-riquenhos três possibilidades de escolha: a incorporação aos Estados Unidos (ou estadidad), a independência nacional e uma forma de Estado associado descrita como “soberana”. A opção ELA como tal não estava presente. Muitos partidários da situação atual protestaram votando em branco, deixando de fora da conta 498 mil cédulas. Se fossem incluídos nos cálculos, esses votos representariam 26,5% do total, de modo que a porcentagem dos que são a favor da incorporação diminuiria de 61% para 44%: menos que os 46% registrados nos referendos de 1993 e 1998.2 A opção “Estado associado soberano” teve 24,2% de eleitores favoráveis, enquanto a opção “independência” arrecadou apenas 3,98% dos votos.
Apesar da modesta porcentagem, os independentistas comemoraram a rejeição do ELA, porque o interpretam como o início de um processo de “descolonização”, 115 anos após a conquista da ilha pelos Estados Unidos. Para Fernando Martín García, jurista e dirigente histórico do Partido Independentista Porto-Riquenho (PIP) e um dos formuladores do referendo, o “não” à primeira pergunta é uma excelente novidade, ao passo que a incorporação não representa nenhum perigo real: o Congresso dos Estados Unidos, que deverá se pronunciar nos próximos meses, teria todas as oportunidades para recusá-la. De fato, os eleitos, notadamente os mais à direita, não mostram nenhum entusiasmo em acolher um Estado pobre (45% de seus habitantes vivem abaixo da linha da pobreza) e hispanófono, que provavelmente seria representado no Congresso pelos democratas.
Ferrenho defensor do ELA e opositor histórico do PNP, o Partido Popular Democrático (PPD) se consolou da derrota no referendo com a apertada vitória nas eleições gerais organizadas no mesmo dia. Além de instalar o jovem dirigente Alejandro García Padilla no posto de governador, retomou o controle das duas câmaras legislativas. Apenas o cargo de comisionado residente em Washington, ocupado por Pedro Pierluisi, permanece nas mãos do PNP. Mas, para conter a influência desse partidário da incorporação, o PPD pode contar com o Prime Policy Group, um lobby próximo aos republicanos que ele aluga pela módica quantia de US$ 50 mil por mês.
A derrota do PNP mostra que os debates sobre o estatuto da ilha não conseguiram ainda superar o descontentamento suscitado pelo governo desde o início da crise. Admirador de Ronald Reagan, Fortuño catalisou a cólera popular ao adotar, desde março de 2009, a “lei 7” sobre o “estado de urgência fiscal”, que culminou com a demissão de 30 mil funcionários públicos – 14% do efetivo total – e desencadeou uma greve geral.
Os enfrentamentos no seio da Universidade Pública de Porto Rico também contribuíram para piorar a imagem do PNP: com o objetivo de impor uma alta de US$ 800 nas taxas de matrícula, o governo ordenou, no fim de 2010, que o campus Río Piedras fosse ocupado pela polícia – acusada de numerosos atos de brutalidade.3
O novo governador Alejandro García Padilla, no cargo desde 2 de janeiro de 2013, rapidamente tentou se diferenciar de seu predecessor. No discurso de posse, proclamou seu compromisso com a educação, a saúde e o bem-estar social antes de pedir ao povo porto-riquenho que tenha “coragem” para enfrentar “o desemprego, a dívida pública, a degradação sem precedentes do crédito, os números angustiantes da criminalidade e a fragmentação social”.4 Em entrevista à reportagem, ele chegou a sustentar uma “aproximação com [François] Hollande” contra a “aproximação de [Angela] Merkel”. Mas essa distância da chanceler alemã ainda permanece no plano da retórica, e as ambições progressistas do PPD – organização fundada nos anos 1930, na época do New Deal – evaporaram-se em grande parte. E, ao aumentar a idade da aposentadoria dos funcionários públicos sob o pretexto de agudização da dívida pública, García Padilla se alinhou imediatamente a seu predecessor.
No início de 2013, a dívida da ilha atingia US$ 67 bilhões, por um serviço anual de US$ 4 bilhões de juros. No fim do ano passado, após o encerramento do plano de relançamento da administração Obama (o American Recovery and Reinvestment Act, no valor de US$ 7 bilhões), o ELA de Porto Rico evitou ao máximo uma situação de não regulamentação dos salários dos servidores.5 As agências de risco, assim, abaixaram as notas dos títulos do Tesouro porto-riquenho, evitando que fossem classificados como “obrigações especulativas”.
A situação social, entretanto, necessitaria de uma intervenção pública de envergadura: a taxa de desemprego, que atingiu 16,5% no auge da recessão, se situava ao redor de 13,8% no início de 2013. Ainda mais inquietante é o índice de ocupação, particularmente baixo: 40%, contra 63% nos Estados Unidos. Com uma renda familiar média6 de US$ 20.425 diante dos US$ 58.526nos cinquenta estados da União,Porto Rico seria de longe a porção mais pobre dos Estados Unidos caso fosse incorporado, ainda que seja a república caribenha mais rica – menos por seu aparelho produtivo do que pelo apoio financeiro de Washington. Estabelecidos em 2010 com US$ 17,2 bilhões, os “fundos federais” protegem os habitantes do ELA de uma miséria mais radical e ao mesmo tempo reforçam os laços de dependência.
Migração maciça para o continente
Para fugir da aflição econômica, muitos porto-riquenhos de condições sociais diversas partiram para viver no continente. Entre 2000 e 2010, a população passou de 3,8 a 3,72 milhões de habitantes7 – e talvez até menos: após confessar um possível erro de cálculo, o Censo indica que o índice de imigrantes poderia ser de três a quatro vezes maior.8 Desde 2009, e pela primeira vez, há mais porto-riquenhos em continente do que na ilha.
Todos esses são sintomas da dependência história da economia porto-riquenha em relação à norte-americana. Adotado na década de 1950, o modelo de industrialização “por convite” – um sistema de incentivo fiscal para empresas dos Estados Unidos – esgotou-se rapidamente, antes de ser progressivamente eliminado entre 1996 e 2006. Os empregos e a malha industrial criados nesse contexto não foram suficientes para impedir o êxodo dos porto-riquenhos. Ao permitir às empresas norte-americanas extrair seus lucros nos circuitos econômicos do país, o modelo jamais engendrou uma dinâmica autônoma de desenvolvimento. O economista James Tobin observava já em 1975 – e a constatação permanece válida – a excepcional defasagem entre o produto interno bruto (PIB) e o produto nacional bruto (PNB) de Porto Rico, ou seja, a renda gerada pela ilha e a renda de seus habitantes.9
É pouco provável que esse cenário mude nos próximos anos. As clivagens se acentuam ainda mais em função das opções estatutárias, tornando cada vez mais difíceis os desafios econômicos e sociais. Dessa forma, não surpreende que Pierluisi, democrata e entusiasta da administração de Obama, seja o sucessor de Fortuño (notoriamente próximo aos republicanos do Tea Party) na liderança do PNP. Ambos favoráveis à incorporação…