Quando a Grécia se chamava “Argentina”
A crise grega não é inédita. Contudo, outros países também assolados pelo peso da dívida escolheram não pagá-la, como a Argentina nas décadas de 1990 e 2000. Esse caso emblemático ilustra tanto as lógicas das organizações monetárias que conduzem à catástrofe como os mecanismos que permitiriam a Atenas liberar-seMaurice Lemoine
Tudo começou com uma ideia brilhante. Para acabar com a inflação que arruinava o país na época de sua chegada ao poder, em 1989,1 o presidente peronista Carlos Menem – acompanhado de seu superministro da Economia, Domingo Cavallo, formado em Harvard e antigo funcionário da ditadura (1976-1983) – congelou a taxa de câmbio da moeda argentina de forma rígida: 1 peso passava a valer 1 dólar. O sistema, chamado currency board, foi inscrito na Constituição. Qualificada de big bange encorajada desde o início pelo FMI, a política se mostrou eficaz em um primeiro momento: a inflação desapareceu e o crescimento se consolidou.
Em 1º de janeiro de 2001, a Grécia se adequou aos critérios de Maastricht e passou a integrar a zona do euro. Um ano depois, a divisa comum substituiu o dracma, antiga moeda nacional.
Após a crise mexicana (1994-1995), Buenos Aires encontrou dificuldades para se manter ativa nos mercados: as altas taxas de juros – que alcançavam 20% – pesaram sobre o orçamento. No cenário internacional, diversas nações emergentes padeciam da crise (Sudeste Asiático, Rússia, Brasil), e o dólar, considerado o “porto seguro”, valorizou-se. A relação amorosa entre o peso e a cédula verde se voltou então contra Buenos Aires: ao conferir autonomia irrestrita ao Banco Central, o governo perdeu o controle de sua política monetária. Quando vários vizinhos importantes, como o Brasil, desvalorizaram sua moeda e o dólar valorizou-se em relação ao euro, a Argentina perdeu sua competitividade nos mercados próximos e distantes. O ano de 1998 marcou a passagem do crescimento à recessão.
Com a mudança para o euro, a indústria grega ganhou uma moeda mais forte que o dracma e, consequentemente, sua produção passou a “custar caro”.
Quando, em 24 de outubro de 1999, Menem cedeu o lugar a Fernando de la Rúa – líder da coalizão de centro-esquerda Frente por um País Solidário (Frepaso), que não teria rejeitado o antigo primeiro-ministro grego, George Papandreou –, as finanças do país estavam arruinadas. Dos 36 milhões de argentinos, 14 milhões viviam oficialmente abaixo da linha da pobreza. Eterno e perfeito protetor da humanidade, o FMI prometeu ao novo governo um empréstimo de US$ 10 bilhões para refinanciar as dívidas, sob a condição de o país aplicar um programa de austeridade fiscal. Respeitoso como uma empregada doméstica recém-contratada, e para evitar moratória ou suspensão de pagamento – a dívida pública chegava a US$ 147,8 bilhões –, o poder elaborou um “plano de ajuste estrutural”. Em junho de 2000, uma greve geral paralisou o país por 35 dias.
No dia 30 de novembro de 2009, diante da preocupação dos ministros das Finanças da União Europeia, Papandreou – sucessor de um primeiro-ministro conservador, Kóstas Karamanlís – admitiu que a economia grega estava na UTI. Em 30 de março de 2010, anunciou um primeiro plano de austeridade.
Um conjunto de economistas do FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) desenhou um “plano de salvamento” – o último que seria concedido à Argentina. “O FMI não dará o apoio prometido à Argentina enquanto o governo não transformar em lei ou decreto o conjunto de medidas anunciadas pelo presidente”,2 advertiu, em 23 de novembro de 2000, Stanley Fischer, diretor-geral de uma instituição que sabe ser desagradável quando lhe convém. Assim, por decreto, De la Rúa desmantelou o que restava do serviço público de aposentadoria e os benefícios sociais, flexibilizou o mercado de trabalho e privatizou a saúde.
No dia 23 de abril de 2010, Atenas obteve um primeiro empréstimo de 45 bilhões de euros, acordado pela União Europeia e pelo FMI.
Os enfrentamentos entre a polícia e os manifestantes que ocupavam as ruas provocaram as primeiras vítimas. Os escraches(escrachos), piquetes(bloqueios de ruas) e cacerolazos(panelaços) se multiplicaram. No dia 18 de dezembro de 2000, utilizando racionalmente a incompetência, uma coalizão de economistas internacionais trazida pelo FMI gratificou Buenos Aires com um novo plano de “ajuda” no valor de US$ 39,7 bilhões em três anos. Graças a essas medidas, a Argentina estava salva! De la Rúa anunciou uma nova redução dos gastos públicos e, em 20 de março de 2001, nomeou como ministro da Economia o “peso-dólar” Cavallo. Esse retorno foi (momentaneamente) aprovado pela Bolsa de Nova York, pelo FMI e pelos mercados, enquanto o Financial Times publicava, entusiasmado, que os resultados haviam transformado o economista argentino em uma “lenda entre os investidores internacionais e os políticos do mundo inteiro”.3 O primeiro-ministro inglês Tony Blair e o presidente norte-americano George W. Bush se encheram de esperança e expressaram publicamente sua satisfação.
Em maio de 2010, sob a óptica de “pôr um fim à crise”, os ministros das Finanças europeus presentearam a Grécia com um “plano de salvamento” no valor de 110 bilhões de euros.
Para evitar o calote da dívida, e porque a possibilidade de uma moratória declarada unilateralmente estava dogmaticamente excluída, Cavallo inventou a “megatroca”: títulos da dívida de curto prazo (US$ 29,5 bilhões) seriam trocados por títulos de longo prazo (até trinta anos), porém – acelerando a catástrofe – com juros exorbitantes. Em seguida, estabeleceu o “déficit zero” ao diminuir 13% os salários e pensões de mais de 500 pesos (US$ 500). A medida afetou 92% dos funcionários públicos e 15% dos aposentados. Centenas de pequenas e médias empresas fecharam as portas. Como a peste da Idade Média, o horror econômico fez que os piqueteros– trabalhadores desempregados que escolheram como meio de ação bloquear ruas – montassem centenas de barricadas e provocou outra greve geral no dia 20 de julho de 2001. As agências de classificação de riscos Standard & Poor’s e Moody’s anunciaram que classificariam a Argentina na categoria “suspensão técnica de pagamento”. Um porta-voz do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos completou a mensagem: “E serão necessários mais sacrifícios por parte da população argentina antes de o país obter a situação de equilíbrio desejada”.4
No dia 15 de junho de 2011, uma greve geral paralisou a Grécia: a população protestava contra o novo programa de austeridade destinado a economizar 28 bilhões de euros. Apesar dos vários confrontos com a polícia, o programa foi votado em 29 de junho e viabilizou o novo plano de ajuda de 109 bilhões de euros, depositado no dia 22 de julho.
Com os bancos incapazes de fazer frente às demandas das aposentadorias depositadas em pesos e em dólares, o governo impôs, no dia 3 de dezembro, medidas rigorosas que limitavam a saída de dinheiro do país. E confiscou as poupanças, proibindo os correntistas de acessar o dinheiro líquido de suas contas bancárias – medida que ficou conhecida como corralito(“pequeno curral”). Como se não fosse suficiente, a hipocrisia disfarçada de virtude floresceu ainda mais: enquanto as receitas fiscais registravam uma nova queda recorde em novembro (−11,6%) e os planos de austeridade paralisavam a economia e provocavam uma recessão que já durava três anos, a agência Fitch abaixou a nota da dívida pública de C para DDD (suspensão de pagamento). O FMI anunciou que não pagaria o valor de US$ 1,26 bilhão prometido anteriormente.
Sétima greve geral! A partir de 12 de dezembro, a massa de manifestantes aumentou, os protestos se multiplicaram e foram reprimidos (sete mortos, 378 feridos). As manifestações terminaram em saques de supermercados e comércios por excluídos desprovidos de qualquer cobertura social. A classe média retumbava com os cacerolazos. Sem bandeiras partidárias ou dirigentes, centenas de milhares de descontentes se agitavam como um mar em fúria. A resposta de De la Rúa foi decretar estado de sítio e reforçar a repressão policial: 35 mortos, mais de 4,5 mil prisões. Mas a mobilização popular não esmoreceu. Em 19 de dezembro de 2001, o impopular Cavallo foi demitido. No dia seguinte, na metade de seu mandato, De la Rúa abandonou a Casa Rosada em um helicóptero.
Nos dias 19 e 20 de outubro de 2011, uma greve geral e violentas manifestações paralisaram a Grécia; Dimitris Kotsaridis, um dos manifestantes, perdeu a vida nos confrontos.
Enquanto a ineficácia das prescrições do FMI, Banco Mundial e seus amigos (espécie de “troika”) se tornava patente, o peronista Rodríguez Saá era nomeado presidente pelo Congresso. Diante do parlamento, declarou que não pagaria um centavo da dívida. Falou em política de retomada, prometeu criar 1 milhão de empregos e voltar atrás com a diminuição das aposentadorias e a flexibilização das leis trabalhistas. Essas primeiras decisões – que “possuem mais pontos em comum com o populismo conservador do que com a imagem renovadora e moderna que pretende representar” – inquietaram os mercados (que tinham por intérprete, nesse caso em particular, o jornal espanhol El País).
A população, porém, continuou exigindo soluções concretas e as manifestações recrudesceram. “Não tenho outra escolha senão apresentar minha demissão irrevogável”, anunciou Saá após uma semana no poder.
Quinto presidente em quinze dias, Eduardo Duhalde assumiria a função até o fim do mandato (dezembro de 2003). Imediatamente após sua constituição, o governo enviou ao Congresso uma “lei de urgência” que, aprovada no dia 6 de janeiro de 2002, realizou modificações fundamentais em matéria de política econômica. O peso foi desvalorizado cerca de 30% para aquecer a economia, colocando fim à paridade peso-dólar imposta em 1991. “Os discursos e os gestos, sem deixar de ser populistas, são, agora, mais prudentes”, analisava o El Paísno dia 3 de janeiro. “Populistas”? Evidentemente: a desvalorização poderia gerar perdas de 3 bilhões de euros às multinacionais espanholas que colonizavam a Argentina – e fazer a Bolsa de Madri cair.
A opção de fazer todo o possível para preservar o posto na zona do euro fez que a Grécia não pudesse desvalorizar sua moeda e favorecer as exportações.
As concessionárias de serviços públicos privatizados, em geral de origem estrangeira, reivindicaram o aumento das tarifas de 40% para 260%. “Nunca havia recebido tantas ligações dos grupos operando na Argentina solicitando que seus privilégios não fossem suprimidos”, confessaria mais tarde o presidente Duhalde.5 No dia 27 de janeiro, o comissário europeu para assuntos monetários, Pedro Solbes, anunciou “as carências e contradições” do programa econômico argentino – alerta que soou como ameaça. O Crédit Agricole, o Santander e o Banco Nova Scotia se foram sorrateiramente e deixaram dezenas de milhares de argentinos sem suas economias.
Apesar das declarações oficiais que reafirmavam a austeridade fiscal, o governo temia menos o descontentamento dos investidores estrangeiros, dos Estados Unidos ou do FMI que outra explosão social – e manteve a moratória decretada por Saá. O FMI, que exigia do governo um “plano coerente”, reagiu à medida de Duhalde e afirmou que se recusaria a prestar qualquer socorro financeiro enquanto perdurasse a política em curso. Além disso, deu o prazo de um ano para que a Argentina pagasse a dívida.
Em 31 de outubro de 2011, Papandreou anunciou que submeteria o acordo definido no encontro europeu do dia 27 anterior (com o objetivo de “salvar” novamente a Grécia impondo uma nova dose de austeridade) à aprovação popular. Pressionado por Alemanha, França, Bruxelas e FMI, renunciou no dia 3 de novembro.
Em seu discurso de posse, Duhalde havia afirmado que os depósitos bancários bloqueados pelo corralitoseriam restituídos na moeda original. Contudo, abdicou do compromisso e anunciou que os correntistas recuperariam o dinheiro em pesos, e não em dólares, sobre a base de 1,40 peso por dólar, enquanto no câmbio livre o dólar já valia 1,65 peso. Em abril, o FMI, alternando entre frio e calor – talvez simplesmente por não ter ideia de como proceder –, concedeu um auxílio de US$ 710 milhões para financiar o déficit das províncias. Compartilhando com seus interlocutores certo gosto pela repetição, Duhalde aventurou-se a realizar novos cortes nos gastos públicos. Durante os três meses anteriores, as empresas haviam demitido 70 mil pessoas; a taxa oficial de desemprego chegou a 25%. Na província de Buenos Aires, a supressão das bolsas de estudo tirou da escola cerca de 30 mil alunos de bairros desfavorecidos. A desvalorização levou os comerciantes a aumentar o preço dos produtos nacionais e importados, às vezes 30% (70% no caso da farinha).
No dia 20 de fevereiro de 2012, os ministros das Finanças da zona do euro entraram em acordo para conceder à Grécia uma ajuda suplementar de 130 bilhões de euros em troca de novas medidas de austeridade. O ministro holandês Jan Kees de Fager solicitou a “vigilância permanente” de Atenas pela União Europeia e pelo FMI.
Vigilância? Na Argentina, a lógica imposta foi outra.
Desde o fim de 2001, surgiram por todas as partes assembleias populares, movimentos sociais de desempregados e de piqueteros, redes de escambo, coordenações independentes de saúde e educação; trabalhadores ocuparam fábricas abandonadas e se organizaram em regime de autogestão.6 Políticos, membros do governo e juízes não ousavam sequer aparecer em público: haviam sido excessivamente ávidos e corruptos; o país inteiro vomitava sobre eles. O pesadelo da ruína mobilizou comunidades camponesas revoltadas e, na cidade, reapareceram os cacerolazos.Sindicatos e marginalizados, descontrolados pela fome, bloqueavam os acessos à capital federal. Em meio ao caos total e às palavras de ordem “Que se vayan todos” (“Que saiam todos!”), os argentinos expressaram novamente sua revolta pelas ruas, deixando pelo caminho dois mortos e 190 feridos (sem mencionar os mais de 160 detidos).
No dia 26 de junho de 2002, a repressão feroz de uma manifestação de piqueteros– chamada “massacre de Avellaneda” – fez duas novas vítimas e 33 feridos a bala. Diante da indignação popular, Duhalde anunciou eleições antecipadas, seis meses antes da data prevista.
Em dezembro, nas ruas de Buenos Aires, cerca de 100 mil pessoas ainda se amontoavam reivindicando uma “assembleia popular” em que se discutiria a “mudança radical do modelo econômico”. Estacionadas desde dezembro de 2001, as negociações com o FMI permaneciam em ponto morto. A Argentina, que havia se tornado um pária financeiro como o Iraque, a Libéria ou a Somália e estava com um pé na cova, foi de vez enterrada pelo sociólogo francês Alain Touraine: “O país não tem nenhuma capacidade de se transformar e tomar decisões. Enquanto unidade, enquanto país e enquanto sistema político, a Argentina está morta”.7 Morta não estava, porque ainda se movia.
Na campanha eleitoral, três candidatos se apresentaram em nome do peronismo: Carlos Menem, o efêmero presidente Saá e Néstor Kirchner, governador de centro-esquerda da província de Santa Cruz (na Patagônia), mas desconhecido do grande público. Em 7 de abril de 2003, Kirchner e Menem foram para o segundo turno com, respectivamente, 24,34% e 21,9% dos votos. No dia 14 de maio, o cenário mudou e as sondagens mostravam o massacre eleitoral de Menem. Depois de anunciar que, se eleito, não hesitaria em convocar o Exército para pôr fim à desordem, o candidato decidiu renunciar ao segundo turno. No dia 25 de maio, em seu discurso de posse, Kirchner se declarou protetor da justiça social e partidário do Estado como provedor da “igualdade onde o mercado exclui”. Se os Estados Unidos enviaram um funcionário de segundo escalão para a cerimônia (o secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Mel Martinez), outras delegações estrangeiras incluíam o presidente cubano Fidel Castro, o venezuelano Hugo Chávez e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Os investidores estrangeiros ainda reivindicavam a reavaliação substancial das tarifas dos serviços públicos privatizados (medida igualmente exigida pelo FMI). De seu lado, Kirchner e seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, decidiram controlar a entrada de capital especulativo e anunciaram o aumento de 50% do salário mínimo com o intuito de incentivar o consumo.
A partir de então, a política do presidente tomou o rumo exatamente contrário àquela que havia assolado o país. Kirchner rompeu com a “relação fisiológica” entre Argentina e Estados Unidos e se voltou ao eixo progressista latino-americano. Reafirmou a importância da vontade política e do papel do Estado na economia; uniu recuperação financeira e desenvolvimento de proteção social, reconstrução da indústria e apoio às demandas populares. A partir de setembro de 2002, a forte desvalorização do peso protegeu a indústria nacional, permitiu a reconquista do mercado interno e a substituição de algumas importações. As taxas de crescimento voltaram a aumentar vertiginosamente, favorecidas pelo dinamismo das exportações.
Ao constatar a retomada argentina, o FMI solicitou ao país que consagrasse parte da receita à dívida externa. Em resposta, Kirchner propôs retomar o pagamento em troca do abandono de parte do débito. E, de fato, em setembro de 2003, durante as assembleias gerais do FMI e do Banco Mundial em Dubai, definiu pessoalmente sua oferta “pegar ou largar” e negociou diretamente com representantes dos mercados em vez de se submeter a eles. Foi assim que arrancou do exército monetário uma moratória – muito diferente do pagamento em três anos (até setembro de 2006) de US$ 12,5 bilhões –, prorrogou o reembolso dos US$ 2,43 bilhões referentes à suspensão do pagamento da dívida e, sobretudo, recusou-se a se comprometer com as tradicionais receitas de austeridade do Fundo.
A posição firme do país surtiu efeito e a reestruturação da dívida em 25 de fevereiro de 2005 criou um precedente interessante, para não dizer um exemplo. Nesse dia, a Argentina impôs a redução de sua dívida pública, tanto interna quanto externa (US$ 178,7 bilhões) graças a um desconto de 75% sobre US$ 82 bilhões – o mais alto de todos os tempos.8 Desse valor, 43,5% estavam nas mãos de poupanças individuais de não residentes (entre eles, muitos italianos e alemães), 34,5% pertenciam a investidores institucionais estrangeiros e 22%, a argentinos. Os montantes devidos ao FMI, ao Banco Mundial e a outros organismos internacionais não entraram no acordo9 – o que gerou o descontentamento daqueles que esperavam uma atuação (ainda mais) firme do presidente.
Tachado de “populista”, criticado por não criminalizar os protestos sociais, às vezes acusado de autoritário, o presidente Kirchner renacionalizou algumas empresas estratégicas – os correios e as telecomunicações, a água e o transporte aéreo –, financiou importantes programas sociais e reduziu o nível de pobreza pela metade em quatro anos. “Conseguimos a melhor negociação do mundo para a maior dívida do mundo”, declarou em Dubai no dia 25 de fevereiro de 2005. Em dezembro seguinte, beneficiado pela ajuda da Venezuela (que comprou US$ 1,6 bilhão em títulos), o país ofereceu o luxo de reembolsar de uma vez a dívida contraída com o FMI (US$ 9,8 bilhões). Também foi criticado, mas, para Buenos Aires, a medida tinha um objetivo capital: impedir os responsáveis pela catástrofe de 2001-2002 de meter o nariz novamente na condução dos negócios do país. Ao recuperar sua soberania, o país se reestruturou de forma espetacular, a ponto de seu Produto Interno Bruto (PIB) triplicar entre 2003 e 2011.
Entende-se que o setor exportador grego não é o argentino e que, desde 2001, Buenos Aires aproveitou-se de um raio de sol sobre a economia mundial dopada pelo crédito a juros baixos e pela demanda chinesa de matérias-primas. Atenas não deveria, porém, deixar de meditar sobre a moral desse precedente – o mesmo que, no ano seguinte, mereceu um comentário de Joseph Stiglitz, ganhador do prêmio de ciências econômicas do Banco da Suécia em homenagem a Alfred Nobel. Sobre o desastre argentino (e por que não estender a reflexão à situação atual da Grécia), ele pondera: “Todo economista digno desse título poderia prever que as políticas de austeridade provocariam a desaceleração da atividade econômica sem permitir que os objetivos orçamentários fossem atingidos”.10
Maurice Lemoine é jornalista ee autor de “Cinq Cubains à Miami ( Cinco cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.