Quando os jovens dão uma aula
Três anos depois de ter contribuído consideravelmente para a derrota do presidente Abdoulaye Wade nas eleições presidenciais de 2012, o movimento Y en a Marre (Yeam) [algo como “Já deu” ou “De saco cheio”] procura escrever seu futuro fora das lógicas partidárias e mais perto da realidade concretaJacques Denis
iversidade Cheikh-Anta-Diop, de Dakar, sexta-feira, 13 de fevereiro, 16 horas. Todo mundo é convidado a rezar, depois a cantar o hino nacional do Senegal. É o ritual de toda conferência organizada pelo movimento Y en a Marre (Yeam). Sob uma tenda branca, estudantes e professores discutem as manifestações que agitam o imenso câmpus desde a morte, em agosto de 2014, do jovem Abdou Bassirou Faye durante um confronto com a polícia. Os jovens pedem o pagamento de suas bolsas e a melhoria das condições de estudo. Fogueiras, desfiles, provocações, repressão… Violência demais. “É preciso conseguir mudar os métodos de ação!”, insiste Babacar Mbaye Diop, professor de Filosofia. Esse homem de cerca de 30 anos, que participou dos movimentos estudantis dos anos 2000, figura entre os membros da mesa. Antes de passar às questões do público, numeroso, os cinco rappers do grupo de hip-hop Campus 2H pegam os microfones: “Vamos falar da situação, mas do nosso jeito…”. E se ouvem os sons que dão ritmo a suas punchlines.1 Suas camisetas estampam o logo do movimento.
Fundamentalmente não violento e surgido dos meios hip-hop, o Yeam se destacou durante as eleições presidenciais de 2012 ao incitar a juventude das periferias da capital senegalesa a ir às urnas para “pesar na votação”. Em uma declaração de intenção, o movimento chamava então ao surgimento de um “novo tipo senegalês”, base de uma “república de cidadãos”.
O Yeam nasceu nos dias que se seguiram à derrubada do presidente tunisiano Zine al-Abidine ben Ali, em 15 de janeiro de 2011. “Um sinal de que tudo era possível”, conta Fadel Barro, 36 anos, um dos fundadores. Em 23 de junho de 2011, o movimento obteve, depois de diversos dias de manifestação, a retirada do projeto de revisão constitucional proposto pelo presidente Adoulaye Wade e considerado pela população uma manobra destinada a promover seu filho Karim. “A ação não visava o aumento dos preços, mas lutava pela liberdade. Quando o mundo soa vazio, é preciso bater nele para fazê-lo ressoar. Foi o que o Yeam fez: acordou nosso pensamento, aguçou nossa tomada de consciência”, resume Soro Diop, um jornalista próximo ao movimento, que participa da conferência.
Barro veste com vontade o mesmo gorro que Amílcar Cabral, o herói da independência do vizinho Cabo Verde e figura importante do pan-africanismo. O chapéu, de tecelagem tradicional, tornou-se símbolo da coragem e do engajamento revolucionário. “Assim que conseguia conquistar um pequeno espaço, Cabral introduzia ali uma farmácia e uma escola. Para nós, é um exemplo! Mas, atenção, não somos marxistas nem liberais. Buscamos simplesmente valores. A esquerda fracassou na África porque estava desconectada do mundo concreto.”
Entre os princípios fundadores do Yeam figura até mesmo a recusa de qualquer participação no jogo político. Aos que estimam que o movimento seria em razão disso pouco legível, Barro responde que ele trabalha em profundidade. “Alguns têm raiva de nós por não termos ido para os negócios, outros estimam que nosso lugar eterno é na rua. Acho que há um tempo para desconstruir e para reconstruir. Nas próximas eleições não vamos integrar um dos blocos políticos. Vamos traçar nossa linha e tentar integrar aqueles que se parecem conosco. Teorizamos o tipo de deputado que desejamos: aquele que não responde às ordens do seu partido, mas às exigências do povo. Somos óvnis na paisagem: não nos identificam nem com as estruturas clássicas da sociedade civil nem com os partidos políticos.”
Nesse clima social tenso, o processo por corrupção de Karim Wade foi manchete dos jornais. O filho do antigo presidente foi acusado de ter desviado para seu benefício uma parte das somas destinadas ao encontro da Organização da Conferência Islâmica, realizada em 2008 em Dakar. No entanto, o novo chefe de Estado, Macky Sall, ainda não mudou as coisas em profundidade. Na sede do Yeam – o antigo apartamento de Barro, no bairro Parcelles Assainies, periferia 16, longe do centro da cidade –, os militantes permanecem circunspectos. “O movimento era mais contra o ‘Velho’ do que a favor do seu rival”, resume Pidi Nef, um dos rappers do grupo Fuk’n’Kuk, que faz parte do movimento. Na parede estão penduradas fotos das manifestações de 2011, da intervenção durante as inundações que atingiram os bairros do norte da capital em 2012, do encontro com Barack Obama durante sua visita ao Senegal, em junho de 2013.
Malal Almamy Talla, conhecido pelo apelido de Louco Doente, aderiu rapidamente à “causa nobre” do Yeam. Ele é o diretor artístico. Para o rapper, que trabalha desde os anos 1990 com o grupo Bat’Haillons Blind-D, “não se pode deixar o terreno apenas para os políticos. Eles não são a maioria. Cabe a nós ter uma massa crítica para que possamos pressionar”. Trata-se de sensibilizar as populações para os mecanismos de decisão, e também de mudar o cotidiano, em particular nos “bairros esquecidos”. Estima-se que existam cerca de quatrocentos núcleos locais do Yeam. “Encontrar respostas alternativas” e “implicar as pessoas na busca pelo bem comum” figuram entre os eixos de trabalho do G Hip-Hop, centro cultural estabelecido em Guediawaye, periferia superpopulosa e com má reputação da capital, onde os militantes se encontram. A juventude encontrou um slogan para si: “Nos recusamos a ser um fardo, somos um meio”. Isso faz sentido: 60% dos desempregados têm entre 15 e 34 anos.2
Diante do velho estádio municipal, os militantes limparam “sem a ajuda de ninguém” um antigo depósito de lixo e, contando com alguns apoios, construíram um palco a céu aberto, um estúdio de gravação de alguns metros quadrados e um bar onde o Yeam deseja desenvolver oficinas de cozinha… Eles também começaram a instalar lixeiras (muito raras no Senegal), fabricadas com pneus recuperados, nas ruas da vizinhança. “Colocamos em ação observatórios da boa governança nas catorze regiões do país, para criar mecanismos de controle. A ideia é reconectar os cidadãos à coisa política.” Louco Doente também trabalha na reinserção de antigos jovens detentos.
Há mais de vinte anos o hip-hop senegalês fala dos excluídos do sistema de clãs que domina o país, do disco Présidents d’Afrique, do cantor Didier Awadi, ao L’Opinion publique, do grupo Keur Gui, cujo líder, Thiat, é um dos fundadores do Yeam. “Hoje, um Macky Sall teme mais o movimento hip-hop do que os outros partidos políticos. A mudança deve vir de baixo”, afirma o rapper Matador.
O Yeam pesa na vida política senegalesa e fez escola na sub-região, com jovens da Costa do Marfim e do Togo – onde o movimento Etiamé (Y en a Marre, em fon)3 está crescendo –, além de Les Sofas de la République, no Mali, Y en a Marre Comme Ça [De saco cheio assim],no Gabão, e Touche pas à Ma Nationalité [Não toque na minha nacionalidade],na Mauritânia. Sem esquecer o movimento Le Balai Citoyen [A vassoura cidadã], que expulsou do poder o presidente de Burkina Faso, Blaise Compaoré, em outubro de 2014.
Jacques Denis é jornalista.