Resultado de 25 anos de ultraliberalismo
Após vencer as eleições de 2015, o partido conservador polonês Lei e Justiça (PiS) multiplica manifestações de autoritarismo. Enquanto isso, a Comissão Europeia lançou um “procedimento de salvaguarda do estado de direito”. Maltratados por 25 anos de ultraliberalismo, eleitores do PiS parecem seduzidos por promessasCédric Gouverneur
No escritório do Solidariedade na mina Pokoj (“Paz”), em Ruda Slaska, na Silésia, Adam Kalabis, de 46 anos, com um físico de praticante de luta livre e cabelo rapado, nos oferece chá. Seus enormes punhos ainda estão meio enegrecidos pelo carvão: há meia hora, ele estava trabalhando 800 metros abaixo da terra. “Aqui há 4 mil funcionários, metade mineiros”, explica. “Eu trabalho aqui desde os 18 anos. Comecei carregando sacos de carvão. Agora estou na manutenção.” O homem gigante se diz “exaurido pela mina”: “Espero não acabar como meu pai, que se aposentou aos 45 anos e morreu um ano depois”. Mas Adam não está próximo de ver sua aposentadoria: “O governo anterior invalidou os dias de licença por doença e aqueles em que doei sangue”. Alguns mineiros adquiriram o hábito de doar sangue para ter um dia de folga… “Os liberais excluíram até os anos de serviço militar de quem serviu no tempo dos comunistas!”
Adam trabalha para a empresa pública KW “sete horas por dia, cinco dias por semana, em troca de 2.900 zlotis” (R$ 1 = 1 zloti). “Meu salário aumentou 150 zlotis em quinze anos. E eu nem posso reclamar. A viúva de um amigo que morreu na explosão de gás de Halemba [23 mortos em novembro de 2006] recebeu seis meses de indenização, e mais nada!” Ele fecha os punhos de lutador: “Na minha família, todo mundo foi mineiro, por gerações. Mas eu sou o último. Minha esposa limpa banheiros públicos. Um ‘contrato-lixo’, 800 zlotis por mês, em tempo integral!”. Os “contratos flexíveis” são chamados “contratos-lixo” (smieciowe umowy) por quem é obrigado a aceitá-los.
Contra um “mundo de ciclistas e vegetarianos”
“É difícil encontrar trabalho fixo”, suspira o mineiro. “É por isso que os jovens vão para o exterior.” Desde a entrada do país na União Europeia, em 2004, pelo menos 2 milhões de poloneses emigraram, sobretudo para o Reino Unido. “Meu filho e minha filha sonham viver na Inglaterra. O capitalismo é bom para quem sabe fazer negócio, não para o resto”, conclui Adam, erguendo os ombros. Uma decoração heteróclita está afixada na parede da sala do sindicato: a bandeira do Solidariedade, o brasão da Polônia – uma águia branca coroada sobre fundo vermelho –, o inevitável retrato do papa João Paulo II, a foto – assinada – de um campeão de boxe local e… o calendário de 2016 do partido Lei e Justiça (Prawo i Sprawiedliwo, PiS).
Mineiro e delegado sindical do Solidariedade, Adam também milita por esse partido situado à direita da direita. Aliás, o Solidariedade pediu votos para o candidato do PiS, Andrzej Duda, na eleição presidencial de maio de 2015. Nas eleições parlamentares seguintes, o sindicato não deu instruções para votar, mas todos entenderam a mensagem… “Eu sou católico, mas não é esse o motivo do meu compromisso. O PiS é o único que nos apoia, eles estão perto da gente. Após a explosão de gás em Halemba, o presidente Kaczynski1 veio nos ver; isso me tocou.” Mas Adam execra os liberais do Plataforma Cívica (PO), partido de centro-direita que esteve no poder entre 2007 e 2015.2 O mineiro diz ter ficado “chocado” com a presença do presidente Bronislaw Komorowski no funeral do general Wojciech Jaruzelski, o presidente comunista da República (1981-1989) que perseguiu o Solidariedade. E não engole o fato de o governo do PO ter planejado, sem consulta, em janeiro de 2015, o fechamento das minas: “Fiquei sabendo que meu poço seria fechado pela televisão!”, conta furioso. O mineiro está convencido de que o ex-primeiro-ministro do PO, Donald Tusk, que se tornou presidente do Conselho Europeu, “quer fechar todas as minas, enquanto o PiS prometeu mantê-las”. “A maioria dos colegas vota no PiS”, conclui.
Em 25 de outubro de 2015, o PiS ganhou as eleições parlamentares (Câmara Baixa e Senado), com 37,6% dos votos, contra 24,1% para os liberais e 8,81% para os populistas do Kukiz’15. Sem conseguir cruzar a barreira de 8%, os outros partidos não tiveram nenhum eleito.3 A esquerda, dividida entre o Esquerda Unida e o Juntos, vítima da fagocitose de suas ideias sociais pela direita reacionária, também não obteve nenhum assento. Alguns meses antes, em maio de 2015, a eleição presidencial tinha dado uma prévia dessa onda conservadora: o presidente que encerrava o mandato, o liberal Bronislaw Komorowski, foi derrotado no segundo turno por Andrzej Duda, um quase desconhecido.
Apesar dos insistentes pedidos, nenhum representante do PiS concordou em nos encontrar.4 Mas uma saborosa entrevista com o ministro das Relações Exteriores, Witold Waszczykowski, publicada no tabloide alemão Bild (3 jan. 2016), dá uma visão geral da ideologia do partido: “Como se o mundo devesse evoluir, de acordo com um modelo marxista, em uma só direção: uma mistura de culturas e raças; um mundo de ciclistas e vegetarianos, usando apenas energia renovável e combatendo qualquer forma de religião. Isso não tem nada a ver com nossos valores tradicionais e vai contra o que a maioria dos poloneses tem no coração: tradição, consciência histórica, amor à pátria, fé em Deus e vida familiar normal, com um homem e uma mulher”.5
Entre um emprego precário e a imigração
O conservadorismo não é, porém, a única motivação dos eleitores do PiS. Eles são recrutados na Polônia do rebaixamento social e da precarização, escondida por trás dos bons índices macroeconômicos (ver números). A Polônia do povo simples que, como Adam e sua família, sofreu as reformas ultraliberais e só pode escolher entre um “contrato-lixo” de 800 zlotis e a emigração. A Polônia especializada em produzir por subcontratação produtos de baixo valor agregado para as grandes empresas europeias, principalmente alemãs. A Polônia das aposentadorias de menos de mil zlotis por mês. Nacionalista, clerical, protecionista e xenófobo (ver boxe), o PiS soube atrair todos esses desiludidos com um ambicioso programa social: subsídio mensal de 500 zlotis por criança, financiado pela taxação de bancos e supermercados; salário mínimo por hora; e até a volta da aposentadoria aos 60 anos para mulheres e 65 para homens, enquanto os liberais pretendiam elevá-la a 67 anos.
Cientista político e professor da Universidade de Varsóvia, Radoslaw Markowski estudou a evolução do PiS: “Quando estavam no poder, entre 2005 e 2007, eles eram conservadores, porém liberais no plano econômico. E foram se tornando cada vez mais populistas, xenófobos e eurocéticos; um nacionalismo católico, enfeitado com uma embalagem social”. O intelectual distingue os eleitores do partido em três categorias: “Em primeiro lugar, o que chamo de ‘seita de Smolensk’: pessoas convencidas de que o acidente de abril de 20106 foi fruto de um complô entre Donald Tusk e Vladimir Putin. Depois, os católicos praticantes, cujo conhecimento do mundo muitas vezes se resume ao que o padre lhes diz – um terço dos poloneses praticantes recebe propaganda política na igreja”. Por fim, as pessoas modestas atraídas pelo programa social do partido: “O PiS conseguiu identificar as expectativas dos trabalhadores, dos camponeses…”. A abstenção – quase 50% – fez o resto.
Sociólogo no think tank de esquerda Krytyka Polityczna (“A crítica política”), Jakub Majmurek analisa os fatores que levaram à rejeição dos liberais: “O PO ficou no comando por oito anos. É muito tempo para uma jovem democracia. A primeira-ministra Ewa Kopacz, que sucedeu a Donald Tusk em 2014, não tinha carisma”. Acima de tudo, os liberais nunca conseguiram se reerguer do “escândalo das escutas”. Em junho de 2014, o semanário conservador Wprost publicou conversas privadas do círculo do poder gravadas por garçons de um grande restaurante de Varsóvia. O baixo linguajar dos convivas, sua conivência e presunção mancharam a imagem da suposta “Plataforma Cívica”: “Depois disso, eles passaram a ser vistos como elites isoladas da realidade”, diz Majmurek.
Ele também destaca a “autossatisfação” dos liberais: “Os líderes do PO são relativamente maduros; eles viveram o comunismo, a escassez. Seu discurso recorrente foi: ‘Olhem o salto que a Polônia deu!’. Um discurso inaudível para os jovens: eles não viveram essa época. E, quando vão trabalhar na Europa ocidental, constatam que ali os salários são bem melhores. Em Berlim, o aluguel é ligeiramente mais alto que em Varsóvia, mas as pessoas ganham três vezes mais. As aspirações da juventude polonesa são muito fortes”. E suas frustrações estão à altura.
Empresário de 34 anos, Pawel Michalski nos recebeu em Bytom, uma cidade da Silésia arrasada depois do fechamento das minas. Baixadas as cortinas de ferro, os aposentados mendigam na rua… “Aqui, há 20% de desemprego”, lamenta o jovem empreendedor. Ele milita no movimento Kukiz’15, um partido iconoclasta, populista, “antissistema”, fundado por Pawel Kukiz, ex-roqueiro, e infiltrado pela extrema direita ultranacionalista. O Kukiz reuniu nada menos que 20% dos eleitores no primeiro turno da eleição presidencial de maio de 2015 e constitui agora a terceira força política do país, na frente da esquerda. O candidato do Kukiz’15 nas eleições legislativas, Michalski, ficou com 15% dos votos em Bytom. “Os jovens estão emigrando”, lamenta. “Na Inglaterra, ou na Alemanha, é fácil trabalhar. Aqui, uma amiga enfermeira ganhava 1.700 zlotis por mês: é impossível viver com isso! É uma vergonha. Então ela foi para a Alemanha.” Michalski se diz “favorável ao livre mercado”, mas apoia o projeto do PiS de conceder 500 zlotis por criança: “As pessoas são muito pobres, precisam de ajuda”. Quanto à presença de ultranacionalistas em seu partido, ele prefere minimizá-la: “Você sabe, o Kukiz tem de tudo…”.
Robert Piaty, de 33 anos, embora tenha estudado Ciência Política, também teve de se submeter aos “contratos-lixo”. Atualmente, trabalha em um call center em troca de um salário mensal de 1.400 zlotis. “Metade dos meus amigos foi para a Inglaterra. Eu mesmo vivi seis meses lá, ganhando 1.200 euros por mês.” Ele pertence ao sindicato Sierpien 80 (“Agosto de 1980”, em referência à greve do Solidariedade) e vota no partido de esquerda Juntos (Razem, 3,6% dos votos), que se considera o Podemos polonês. Mas entende que jovens precários votam no PiS na esperança de poder contar com seu programa social: “Eles prometeram um salário mínimo por hora para julho de 2016”.
Para manter suas promessas sociais, o PiS cerca as instituições: entre o Natal e o Ano-Novo, o novo governo nomeou cinco juízes para a mais alta instância judicial, o Tribunal Constitucional, aprovou uma lei mudando seu funcionamento e demitiu a direção dos meios de comunicação públicos. E não é só isso: em março, uma lei deverá fazer do ministro da Justiça o novo procurador-geral. Desde janeiro, várias dezenas de milhares de poloneses manifestaram-se após chamado do Comitê de Defesa da Democracia (KOD). E, fato inédito na história da União Europeia, no dia 13 de janeiro a Comissão de Bruxelas lançou, durante o encontro de Varsóvia, um “procedimento de salvaguarda do estado de direito”: uma investigação preliminar para determinar se a Polônia está violando os princípios democráticos.
“A democracia polonesa vai muito bem”, avalia Aleksandra Rybinska, jornalista do semanário de direita W Sieci, cuja cobertura, em meados de janeiro, apresentava, com o título “Conspiração contra a Polônia”, uma fotomontagem associando a chanceler Angela Merkel e o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, fazendo a partilha da Polônia em 1815. Aleksandra justifica a política do PiS: “O PO nomeou seus juízes, pouco antes de perder as eleições. Isso significa que o PiS não conseguiria aprovar nenhuma lei. Quanto às nomeações nos meios de comunicação, esse é o costume aqui: em 2008, colegas de direita foram demitidos por ordem do PO. Isso não abalou os ocidentais… A verdade é que o PiS representa tudo o que os herdeiros de Maio de 1968 que ocupam o poder na Europa odeiam. O Ocidente pensou que a Hungria de Viktor Orban seria uma exceção; e agora é a Polônia que se volta para os valores tradicionais. Bruxelas teme as forças conservadoras”.
Poucos jovens defendem a democracia
“Os apoiadores do PiS sentem que foram desprezados, perseguidos pelas elites liberais”, analisa Majmurek. “Seus líderes, um pouco mais jovens que os liberais, foram ridicularizados dizendo-se que não haviam saído das fraldas! Daí seu ressentimento contra a classe política. Depois de atravessar o deserto, eles sentem que sua hora chegou. E querem a revanche.”
Casaco roxo, brincos e coque, o descontraído Mateusz Kijowski, de 47 anos, personifica tudo o que o PiS rejeita. O especialista em tecnologia da informação fundou o KOD na rede social Facebook, em janeiro. “Em poucos dias, tivemos 55 mil inscritos”, diz sorrindo. Mateusz acaba de voltar de Estrasburgo, onde, segundo ele, a delegação do KOD teve “uma excelente acolhida dos eurodeputados liberais, socialistas e verdes”. Em meados de janeiro, ele se preparou para organizar uma segunda onda de protestos “em 46 cidades e junto à diáspora polonesa na Europa”. Ele sorri quando mostramos um vídeo de extrema direita que circula na internet acusando o KOD de ser financiado pelo bilionário norte-americano George Soros: “Infelizmente, não!”, gargalha. “Falando sério, ninguém esperava esses ataques às liberdades. Durante a campanha, o PiS não falou disso. Ele age como se um mandato lhe conferisse todos os direitos, como se democracia fosse o poder absoluto da maioria eleitoral. Ele critica o princípio fundamental da União Europeia, que é a separação de poderes. Nós queremos defender nossas liberdades.”
No sábado seguinte, em Gdansk, cerca de 2 mil simpatizantes do KOD reuniram-se no escritório do Solidariedade, nos estaleiros. Os participantes dão pulos na neve para se aquecer. Seus cartazes pedem a defesa da democracia. Uma caricatura compara o novo chefe da televisão pública TVP, Jacek Kurski – nativo de Gdansk, conhecido como “pitbull do PiS” –, a Jerzy Urban, porta-voz execrado do antigo regime comunista. Os manifestantes agitam bandeiras polonesas, europeias e até algumas com o arco-íris LGBT.7 Alguns exibem a máscara branca de Guy Fawkes, herói de ficção adotado pelos Anonymous. Um drone sobrevoa o local e filma os manifestantes. Debochada, a multidão saúda o dedo-duro voador.
“É nosso dever estar aqui”, explicam dois aposentados enquanto o cortejo segue para o centro. “Nós fomos às ruas em 1980; não queremos mais ditaduras! Estamos aqui pelos jovens que não sabem o que podem perder.” De fato, a média de idade da manifestação é elevada: a maioria dos participantes tem mais de 40 anos. “Estou aqui por conta própria”, zomba uma moça, “não fui paga por George Soros.” Como ela explica que os jovens se mobilizem tão pouco? “Eles são apáticos, não têm consciência política e não se sentem envolvidos. Meu irmão mais novo, que tem 18 anos, queria votar no Kukiz; consegui convencê-lo a votar no PO.” Quando chegam à Rua Dluga, na cidade velha, os manifestantes gritam “Queremos ser nós mesmos”, slogan do Solidariedade em 1980. Alexander Hall, ex-dissidente, pega o megafone e denuncia o fato de o líder do PiS, Kaczynski, ser o verdadeiro homem forte do país, embora não tenha nenhuma função oficial. Uma bandeira o representa manipulando duas marionetes: o presidente Duda e a primeira-ministra Beata Szydlo. Às 13h30, depois de cantarem o hino nacional e ouvirem o hino europeu, os manifestantes dispersam-se, ignorando os poucos jovens que os chamam de “porcos saídos do chiqueiro”, insulto dos simpatizantes do PiS contra os do PO.
“A Europa que cuide dos migrantes”
No entanto, o KOD tem problemas que vão além da apatia dos jovens, ou de eles votarem na direita e nos populistas: a dificuldade em seduzir fora dos meios liberais. Nenhum eleitor de esquerda com quem conversamos quis participar dessas manifestações. “Os liberais são gente de vida confortável, a parte da sociedade que se beneficiou com as reformas econômicas”, lança Piaty, jovem precário de Katowice. Militante feminista de Varsóvia, Ania Zawadzka marchou durante o Orgulho Gay e a contramanifestação antifascista que, todo dia 11 de novembro, opõe-se à marcha dos ultranacionalistas. Mas ela se recusa a aderir ao KOD: “A intelligentsia liberal é responsável pela situação”, afirma. “Eles se recusaram a flexibilizar o direito ao aborto para não ofender a Igreja.8 Fizeram da Polônia um país ultraliberal, multiplicaram as leis contra os trabalhadores, desprezaram e marginalizaram os pobres. Por causa deles, as pessoas estão se voltando para a direita.”
Karol Guzikiewicz tinha 16 anos quando, aprendiz de mecânico, participou da histórica greve de Gdansk ao lado de Lech Walesa. Depois de se tornar vice-presidente do Solidariedade nos estaleiros, ele agora milita no PiS: “Os estaleiros estão abandonados: em 1990 havia uma centena de hectares, hoje são 20”, resume enquanto atravessamos a oficina onde trabalham os soldadores. “Dezessete mil trabalhadores em 1990, hoje mil. E fabricamos principalmente turbinas eólicas.” E dispara: “Tudo isso é culpa de Donald Tusk e da Europa. Por causa dos liberais, as leis trabalhistas na Polônia são as piores da Europa. Então, sim, milito no PiS desde 2008. Aderi ao partido porque seu programa social era próximo ao do Solidariedade”. E pouco importa que seu ex-mentor, o Prêmio Nobel da Paz Lech Walesa, tenha declarado, no dia 23 de dezembro, em uma entrevista à Rádio ZET, que o novo governo agia “contra a democracia, a liberdade” e “ridicularizava a Polônia no mundo”. Quanto às críticas de Bruxelas, o sindicalista dá de ombros: “A Europa que vá se ocupar de seu milhão de migrantes e deixe a Polônia em paz!”.
No mesmo dia, em Gdansk, encontramos o ex-dissidente Stefan Adamski, que em 1980 escrevia o boletim clandestino do Solidariedade: “O pessoal do Solidariedade foi traído pelos liberais. Uma transição brutal rumo a um capitalismo darwiniano! Não é de admirar que ele se volte para um partido que tem um programa social, embora seja irresponsável”. Adamski, um dos fundadores da Attac9 Polônia, milita no partido de esquerda Juntos. “O Solidariedade não era um defensor do capitalismo”, esclarece. “O sindicato pedia que o regime comunista respeitasse os direitos dos trabalhadores. O PiS não questiona o capitalismo: apenas promete torná-lo mais solidário.” E acrescenta: “O mais decepcionante é que Kaczynski não será detido pelos defensores da democracia. Será disciplinado pelos mercados financeiros, que vão se opor à aplicação de suas medidas sociais e protecionistas”.
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XENOFOBIA REAL, IMIGRANTES
Durante a campanha eleitoral de 2015, o partido Lei e Justiça (PiS) aproveitou a crise migratória europeia para alimentar a xenofobia. “Vejam a Suécia e a França: há áreas onde reina a xaria, e patrulhas garantem sua aplicação! É isso que vocês querem entre nós?”, lançou o presidente do PiS, Jaroslaw Kaczynski, no dia 16 de setembro de 2015. Em um comício em 12 de outubro, ele chegou a acusar os migrantes de serem “portadores de cólera e parasitas”. “Os poloneses viajam e veem ao que leva a imigração”, garante Aleksandra Rybinska, jornalista do semanário W Sieci, próximo do PiS. “O multiculturalismo não funciona, então eles não querem isso aqui. O governo anterior teve de aceitar 7 mil migrantes. Já é muito.”
O tunisiano Aziz W. mora em Varsóvia há seis anos. Cozinheiro, tem o rosto barbeado, fala polonês, bebe com seus amigos poloneses, mas sente-se rejeitado pela terra que o acolheu. “É muito difícil”, confessa. “Olhares tortos; jovens no ponto de ônibus que me dizem: ‘Volte para casa, terrorista muçulmano!’. Fui agredido muitas vezes.”
Nascido no Senegal, Mamadou Diouf vive na Polônia há mais de trinta anos. “Em 2007, pedi e obtive a nacionalidade polonesa. O PiS estava no poder; eu temia que me expulsassem.” Dirigente de uma fundação sobre a África (Afryka.org), Diouf participa de debates na mídia e faz intervenções nas escolas. “É difícil lutar contra os preconceitos”, lamenta. “A palavra ‘preto’, murzyn, é comumente empregada. Velhos romances e poemas racistas são conhecidos por todos os estudantes. Então eu explico que a biologia humana é contra a homogeneidade, que a Grécia e a Roma antiga se beneficiaram do contato com seus vizinhos… Francamente, como um polonês pode ser fascista, dada a história deste país e o tamanho de sua diáspora em todo o mundo?”
País sem passado colonial, cujas fronteiras fluidas e feridas deixadas pela história ajudaram a confundir polonidade, etnicidade e catolicismo, a Polônia ignora o multiculturalismo. Há algumas minorias (germanófonos, ucranianos, judeus, tártaros muçulmanos), mas poucos imigrantes de fora da Europa: comerciantes vietnamitas vindos na década de 1970, cerca de 5 mil cidadãos africanos e, agora, migrantes aceitos a conta-gotas. A maioria dos poloneses quer preservar essa homogeneidade: apenas 4% deles acham que seu país deveria acolher migrantes, de acordo com uma pesquisa realizada em janeiro pelo instituto CBOS. Os atentados em Paris e as agressões sexuais em Colônia confortaram essa xenofobia. “A Alemanha vai se tornar uma república islâmica”, declara espontaneamente um militante do PiS. Grafites antissemitas, cruzes celtas fascistas, muitas vezes desenhadas por torcidas de futebol, são comuns nos muros da cidade. “Já havia antissemitismo, embora quase não haja judeus desde o Holocausto”, lamenta Marta Tycner, militante do partido de