Rumo a uma nova política partidária
A insatisfação popular criada pela falta de alternativa de políticas públicas, em particular de política econômica, oferecida pelo Centro Radical poderá ser apaziguada pelo marketing político de Macron somente em curto prazo
O primeiro turno das eleições presidenciais francesas coloca em evidência o processo de reconfiguração político-partidário em curso no país e, mais amplamente, na Europa. De fato, nenhum dos dois partidos que dominaram a cena política francesa desde os anos 1980, isto é o Les Republicains1 – do ex-presidente Nicolas Sarkozy – e o Partido Socialista – do atual mandatário François Hollande – encontram-se no segundo turno.
Tal descontentamento em relação a esses dois partidos explica-se por uma descrença generalizada na capacidade destes de trazer soluções para a difícil situação econômica e para a profunda divisão sociocultural do país. Além disso, a percepção de que não existiria substancial diferença entre ambos – já que ambos representariam o sistema político-econômico liberal vigente – cresce entre os eleitores, o que contribui para aumentar a rejeição de tais partidos.
Não é um mero acaso o fato de que os candidatos que concorrem no segundo turno – isto é, Marine Le Pen, da Frente Nacional, e Emmanuel Macron, do En Marche! 2 – são considerados os que mais incarnam a mudança.3 Nem tampouco que ambos mencionem, em seus discursos feitos logo após os resultados do primeiro turno, as suas intenções, ainda que sutis como no caso de Macron, protecionistas.
Le Pen afirmou que a grande questão dessas eleições é a “globalização selvagem”, que imporia ao país, em suas palavras, não somente uma concorrência internacional desleal, como também a “imigração de massa” e a “livre circulação de terroristas”. Ela chama, então, os franceses ao voto, evocando a possibilidade de restabelecer as fronteiras que protegeriam a economia e a cultura nacional. Macron, embora seja um candidato bastante liberal, evocou a necessidade de refundar a União Europeia, transformando-a em uma “Europa que protege”.
Sendo assim, as eleições francesas refletem um novo tipo de conflito político emergente, nomeado de “integração versus demarcação” por Hanspeter Kriesi, professor de ciência política no Instituto Universitário Europeu de Florença. Segundo o autor, a globalização criaria uma nova divisão política e social, sobretudo, entre os setores instruídos e relativamente abastados favorecidos pela mobilidade de capital e mão de obra e os setores marginalizados, que seriam prejudicados por tal mobilidade e, como consequência, enxergariam a globalização como uma ameaça.
Em um livro publicado em 2012, Kriesi4 chamava a atenção para o fato de que são os partidos de extrema direita, como a Frente Nacional, que gozam de posição mais privilegiada para mobilizar a simpatia dos chamados “perdedores da globalização”. Segundo ele, isso se deveria ao fato de que o caráter historicamente xenófobo e autoritário de tais partidos permitiria que esses mobilizassem o medo da globalização, traduzindo-a em uma repulsa do estrangeiro, imigrante e refugiado, por exemplo.
Efetivamente, os eleitores de Le Pen são majoritariamente operários, com pouca instrução formal e de baixa renda. Além disso, aqueles que percebem sua própria profissão como em declínio tendem a votar na candidata de extrema direita, enquanto aqueles que a vêm em ascensão votam, tendencialmente, em Macron, cujos eleitores são, sobretudo, os “ganhadores da globalização”, possuindo renda mais alta, com maiores níveis de educação formal.5
De fato, Le Pen foi muito bem sucedida em seus esforços para mobilizar os chamados “perdedores da globalização”, batendo, no último domingo, o recorde de votos jamais obtido pelo seu partido, que foi fundado pelo seu pai em 1972. Contudo, as últimas estimativas indicam que Macron, com apenas 39 anos e um partido criado há menos de um ano, será eleito o presidente mais jovem da história da França, com cerca de um pouco mais de 60% dos votos. Esse é outro importante indicador da grande mudança pela qual passa a política partidária francesa. O partido por ele fundado, En Marche!, utiliza plataformas online e uma linguagem empresarial para obter credibilidade, em particular daqueles que estavam afastados da política. Alguns comentaristas chegaram a se referir ao partido como um “partido start-up”. Portanto, a estratégia de Macron, que é similar àquela da campanha do atual prefeito de São Paulo João Doria, de aplicar uma linguagem e uma lógica empresariais no contexto da política partidária, parece ter vencido, ao menos desta vez.
Contudo, a insatisfação popular criada pela falta de alternativa de políticas públicas, em particular de política econômica, oferecida pelo Centro Radical – expressão da filósofa belga Chantal Mouffe para fazer referência à crescente similaridade programática de partidos de centro-direita e de centro-esquerda –, poderá ser apaziguada pelo marketing político de Macron somente em curto prazo. Em longo prazo, apenas mudanças importantes que respondam aos anseios de boa parte da população por mais democracia, empregos, bem-estar social e igualdade, podem impedir o crescimento ulterior de partidos de extrema-direita, como a Frente Nacional.
Por fim, o fenômeno Le Pen, bem como o fenômeno Macron, são tentativas de seduzir o eleitor desiludido, que não via na político-partidária uma verdadeira escolha de projeto de sociedade. Observa-se na França, como também em tantos outros países ocidentais, como na Áustria, nos Estados Unidos, sinais da crise do modelo político estabelecido pelo Centro Radical. Desse modo, as inovações recentes em termos de programa, organização e marketing dos partidos, como aquelas desenvolvidas por Macron e Le Pen, dão pistas do modelo que se seguirá.
*Paula Rettl é mestre em Assuntos Europeus (Análise Política) pela Sciences Po Paris e atualmente trabalha na Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento.