Saída do euro, uma oportunidade histórica
Aparentemente, o projeto era simples. Após cinco meses, os credores de Atenas se incumbiriam de salvar a Grécia da bancarrota. Ao final das negociações, sua outra ambição foi desvelada: desacreditar um projeto político tido como “radical”Costas Lapavitsas
Desde 2010, a perspectiva de um calote grego e da saída da União Econômica e Monetária (UEM) paira no ar. Do ponto de vista da teoria econômica, o problema é cristalino: uma economia fraca, caracterizada por importantes falhas institucionais, se encontrou com uma união monetária estruturalmente disfuncional. Ela foi dotada de uma moeda não apenas forte, como também intrinsecamente problemática. Em tal contexto, existem apenas duas saídas: ou a UEM se reforma profundamente ou a Grécia deve encarar a moratória e uma saída.
O mau funcionamento do euro se explica antes de tudo pela política alemã visando comprimir salários, o que permite que Berlim aumente sua vantagem competitiva e se torne um dos mais importantes credores da Europa. Adotando essa política, a Alemanha amputou sua própria demanda para melhor captar as riquezas provenientes do estrangeiro; uma política pela qual a população paga, mas que alegra os grandes exportadores e os estabelecimentos bancários.
Para os outros países-membros, a opção alemã teve o efeito contrário: aumento dos déficits e dos empréstimos. Aí se encontra o desequilíbrio fundamental da UEM, mascarado no início dos anos 2000 pela disponibilidade de dinheiro barato que facilitou o consumo e o investimento no setor da construção. Mas a crise mundial de 2007-2009 revelou esse hiato e provocou a derrapagem da zona do euro. Tendo registrado a maior degradação em termos de competitividade, a Grécia se revelou o país mais vulnerável da região. Rapidamente ela se encontrou confrontada a uma dívida astronômica de 300 bilhões de euros e a déficits escancarados em termos de orçamento e de conta-corrente: mais de 15% do PIB em cada vez. Uma moeda forte acabava de destruir uma economia fraca.
O destino da Grécia foi, no entanto, selado depois de 2010, quando a União Europeia escolheu a austeridade como a principal solução para suas dificuldades. A receita? Amputação dos salários, cortes orçamentários, aumento dos impostos, reformas favoráveis ao mercado e institucionalização do rigor por meio de tratados (principalmente o Six Pack e o Two Pack).1
De um ponto de vista estritamente alemão, a austeridade apresenta a vantagem de colocar o custo do ajuste sobre os países que possuem déficits, ao mesmo tempo que preserva os interesses dos grandes bancos e dos exportadores. Os dirigentes alemães atuais parecem estimar que a austeridade consolidará sua posição dominante no seio da União Europeia. Do ponto de vista da UEM, contudo, essa política diminui a demanda e reduz a economia, sem oferecer aos países deficitários a menor perspectiva de um retorno de suas contas ao campo positivo, e então de um reembolso de suas dívidas. Trata-se, em outros termos, do método mais eficaz para provocar um desmoronamento da UEM a médio prazo. Do ponto de vista grego, enfim, a austeridade se revela desastrosa, já que a diminuição da atividade e dos salários aprisiona o país em uma situação de crescimento fraco, desemprego maciço e dívida monumental. A política alemã conduz a UEM ao fracasso. Mas ela vai destruir a Grécia primeiro.
Uma forte determinação
Eleito em 25 de janeiro de 2015, o governo do Syriza calcula há muito tempo as implicações das políticas europeias. Durante os cinco meses que se seguiram à sua ascensão ao poder, ele tentou obter o fim das medidas de austeridade, uma diminuição da dívida, assim como um programa de investimento passível de dinamizar a economia. Seria difícil imaginar uma resposta mais cruel do que a dos credores em junho: a Grécia deve, segundo eles, liberar um excedente primário2 de 1% do PIB em 2015, 2% em 2016, 3% em 2017 e 3,75% nos anos seguintes. Nem sequer a menor evocação de uma diminuição da dívida nem de um programa de investimentos sérios. Enfim, a austeridade mais severa, e por muito tempo.
Nesse contexto, o futuro da Grécia se anuncia sombrio. O crescimento médio dos cinco próximos anos pode atingir 2%, com grandes flutuações. O desemprego provavelmente vai continuar muito alto, sem que se possa imaginar uma mudança na evolução dos salários, cuja queda ultrapassou 30% para amplas camadas da sociedade. Uma população já velha, esmagada pela dívida, estaria então vendo sua juventude – principalmente a mais bem formada – tomar o rumo do exílio. A situação de fragilidade geopolítica na qual tal situação mergulharia o país pode ser facilmente imaginada: Atenas seria em breve relegada à insignificância histórica.
Se a União Europeia insistir em impor suas políticas, a sobrevivência do país estará vinculada a uma moratória e a uma saída da UEM, primeiros passos para a reativação do aparelho produtivo grego, a dinamização dos investimentos e a restauração do Estado de bem-estar social. A Grécia seria então liberada da armadilha do euro e poderia começar um processo de transformação social caracterizado pelo crescimento econômico e pela redistribuição de riquezas. Essa ambição, não é preciso dizer, se chocaria contra poderosos adversários, ao mesmo tempo no plano interno e no seio da Europa. Ela iria demandar não apenas uma forte determinação, como também o apoio da população.
A única força política capaz de colocar a Grécia nesse caminho tem o nome de Syriza. Há muito tempo, a posição oficial do partido é a de que é possível realizar mudanças radicais sem deixar a UEM. Mas a atitude inflexível dos credores conduziu o partido e seus eleitores a revisar sua análise. A ideia segundo a qual a chantagem dos credores deve nos levar a encarar o calote e a saída do euro ganha popularidade entre os trabalhadores, os pobres e as classes médias inferiores.
Pode-se esperar uma oposição considerável das camadas superiores da sociedade, que até agora foram amplamente poupadas pela crise. Estas veem suas posições defendidas à direita pelo partido Nova Democracia, a centro-esquerda pelo Partido Socialista Helênico (Pasok) – dois partidos que dividiram o poder entre si durante décadas – e ao centro pelo To Potami (“o rio”), que surgiu recentemente no tabuleiro de xadrez político, graças a generosos apoios financeiros. A elite não tem a menor visão de futuro para o país: ela se contenta em colocar em ação o plano dos credores. As divisões sociais inerentes ao euro ressurgiram de maneira aguda ao longo da crise, e essas tensões se revelarão decisivas neste período que se inicia.
Uma saída da UEM não seria nem um pouco parecida com um jantar de gala. Mas a história e a teoria monetária nos permitem rascunhar uma estratégia, que pode ser assim resumida.
Um custo elevado, mas temporário
Em um primeiro momento, Atenas suspende sua participação na UEM, sem voltar atrás em sua adesão à União Europeia. Os tratados preveem efetivamente a saída da União Europeia, mas o que se aplica ao todo (a União) aplica-se necessariamente à parte (a UEM).
A Grécia interrompe o reembolso de sua dívida pública no estrangeiro, quer dizer, principalmente para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e para o Banco Central Europeu (BCE). O país poderia escolher continuar honrando seus compromissos junto aos credores privados, de modo a facilitar seu retorno aos mercados. Atenas propõe uma conferência internacional a fim de obter uma reestruturação de suas dívidas, incluindo as ligadas ao FMI. O governo se incumbe de reembolsar o conjunto dos agentes domésticos.
O país retoma o controle de seu Banco Central, que deixa o Eurossistema, mas não o Sistema Europeu dos Bancos Centrais.3 O sistema bancário é nacionalizado e novos estabelecimentos, sãos, surgem. O Estado organiza a reestruturação dos empréstimos realizados pelas empresas e por particulares em dificuldade (principalmente no mercado imobiliário), cujo valor não deixou de crescer ao longo da crise para ultrapassar 100 bilhões de euros. Ele inclusive coloca em ação um controle das trocas e das transações bancárias, como a União Europeia fez em Chipre, em 2013, mas sem ameaçar os depósitos, que são convertidos em novo dracma numa taxa de um para um, assim como os empréstimos sob a lei grega.
O novo dracma é desvalorizado, provavelmente muito, ao longo das primeiras semanas, antes de se estabilizar depois de alguns meses em torno de uma cota de 10% a 20% de seu valor inicial (sabendo que a conta-corrente já está praticamente equilibrada e que o Estado terá instaurado um controle dos câmbios). Os trabalhos empíricos mostram que o impacto será positivo na produção e no emprego, enquanto a inflação deverá conhecer apenas um modesto aumento.
A satisfação das necessidades dos grupos mais vulneráveis da sociedade em termos de produtos de base – principalmente o combustível, a alimentação e os medicamentos – passa ao nível de prioridade. Um mínimo de preparação seria suficiente para evitar o recurso aos carnês de racionamento.
Ninguém nega que uma derrota e uma saída do euro teriam um custo social elevado, em particular nos primeiros momentos. Mas se trataria de uma provação temporária; ela não justifica que o país inteiro aceite a austeridade exigida para se manter no seio da UEM.
O período de ajuste de alguns meses sem dúvida verá a economia entrar em recessão. O país poderá em seguida contar com uma retomada do crescimento, graças à liberação de uma demanda doméstica até então reprimida e à mobilização de recursos que a austeridade encerrou na naftalina: trabalhadores, fábricas e equipamentos. Sobre essa base, a Grécia seria capaz de reformar ao mesmo tempo sua economia e sua sociedade, principalmente operando uma transferência das atividades de serviço para a indústria e a agricultura. Ao restaurar a soberania monetária do país e sua capacidade de gerar seu próprio dinheiro, uma derrota seguida de uma saída da UEM autorizariam Atenas a realizar transformações profundas. O país reencontraria inclusive uma margem de manobra orçamentária que lhe permitiria relançar o investimento público e apoiar seu equivalente privado.
Teríamos, é claro, de defender a nova taxa de câmbio, mas os recursos mobilizados não seriam em nada equivalentes aos requeridos pela camisa de força da UEM. Sem contar que os eventos monetários desse tipo geram normalmente novas oportunidades para a atividade econômica.
No momento atual, o custo da austeridade repousa em grande parte sobre os trabalhadores, os aposentados, os pobres e as classes médias inferiores. Um governo de esquerda tiraria proveito de uma saída para transferir esse fardo para os ombros dos que têm mais e para transformar as correlações de força no seio do país.
Não se deve duvidar que o episódio reduziria o poder de compra da população por meio de um aumento das importações. Mas ele reduziria igualmente o valor real dos créditos imobiliários e outros empréstimos. A retomada da atividade econômica após o choque inicial favoreceria os trabalhadores, protegendo o emprego e facilitando um aumento progressivo dos salários. A política do governo autorizaria o aumento da redistribuição da renda nacional de modo a melhorar a situação dos mais pobres. A ativação do mercado interno beneficiaria as pequenas e médias empresas.
Pequenos países, grandes responsabilidades
Entre os perdedores, encontraríamos os bancos e grandes empresários, que dirigiram o país por décadas antes de conduzi-lo à ruína. Ao seu lado, os credores europeus, a começar pelo BCE, cuja exposição ao dispositivo de ajuda de urgência (Emergency Liquidity Assistance) ultrapassa atualmente os 90 bilhões de euros.
A Grécia se encontra numa encruzilhada: sua economia desmoronou, sua sociedade sofre, suas instituições estão trôpegas e sua posição geopolítica há décadas não fica tão ruim. No coração de uma Europa em crise, ela se distingue pela amplitude da confusão de suas elites. As forças sociais agora a ponto de fazer o país retomar seu destino, tirando-o de seu torpor, se encontram embaixo da pirâmide social; elas apoiam o Syriza. Então é crucial que o partido aproveite essa oportunidade histórica.
A entrada na UEM se revelou um erro considerável para a Grécia, mas o país pode sempre seguir um caminho diferente. Fazendo isso, ele ajudaria a Europa a se livrar de um sistema monetário tóxico, que só sobrevive graças ao apoio dos setores políticos e econômicos dominantes. O continente sufoca e deve reencontrar sua lucidez. A Grécia frequentemente teve um papel histórico desproporcional em relação ao seu tamanho; parece que uma nova ocasião se apresenta.
*Costas Lapavitsas, economista, é deputado do Syriza.