Sindicatos, difícil reação
Se existe um consenso sindical para recusar que se instale na Europa uma austeridade salarial permanente e que o tema seja o centro do sindicalismo europeu, por outro lado, a questão de como fazê-lo permanece em aberto. Seja qual for o salário mínimo comum estabelecido, o caminho a percorrer ainda é longoAnne Dufresne
Atenas, cidade-símbolo. De 16 a 19 de maio de 2011, no país mais afetado pela austeridade fiscal da zona do euro,1 a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES)2 realizou seu primeiro congresso desde o início da crise. Para os delegados presentes, a solidariedade com o povo grego passaria por uma ação europeia unificada: um impulso capaz de impor uma solução alternativa ao reajuste salarial “por baixo”.
Mas, se existe um consenso sindical para recusar que se instale na Europa uma austeridade salarial permanente e que o tema seja o centro do sindicalismo europeu, por outro lado, a questão de como fazê-lo permanece em aberto. Levadas em conta a disparidade das remunerações praticadas na União Europeia (UE) e a ausência de piso salarial em alguns países, seria possível pensar em uma palavra de ordem: o salário mínimo europeu. Para os congressistas, o tema é quente, e o campo, minado.
Em maio de 2007, durante o Congresso de Sevilha, essa reivindicação foi feita à CES – discretamente. Os sindicalistas alemães lançaram a discussão: “Vinte dos 27 países já fixaram o salário mínimo universal, enquanto a forte economia alemã não! Comparar-nos com nossos vizinhos ajuda em nossa campanha nacional por um salário mínimo interprofissional”.3 Desde a adoção desse dispositivo no Reino Unido em 1999, a Alemanha é o único país europeu que não dispõe dessa agenda política nos sistemas de negociação coletiva que tratam do piso salarial.
Os britânicos e os franceses – orgulhosos do bom e velho salário mínimo interprofissional de crescimento (Smic) – são, como os sindicalistas da confederação alemã Deutscher Gewerkschaftsbund (DGB), partidários de um salário mínimo europeu. No fim do congresso, Jean-Christophe Le Duigou, então membro administrativo da Confederação Geral do Trabalho (CGT) da França, manifestava sua decepção, pois ninguém parecia ter a intenção de calçar as botas de sete léguas: “Há tempos se discute o princípio, mas é muito difícil concretizar a reivindicação”. Marcel Grignard, secretário-geral adjunto da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), perguntava-se: “Como a CES pode definir o mesmo objetivo para todos os países da UE, se possuem sistemas salariais tão diferentes?”.
Desde 1997, os setores radicais de diversas organizações sindicais vêm imaginando diferentes regras de salário mínimo para grupos de países em desenvolvimento econômico similar.4 Em 2005, uma rede de pesquisadores próxima aos sindicatos5 buscou definir uma regra comum para o salário mínimo europeu em função do salário médio nacional: 50% a curto prazo, depois 60%. Atualmente, os salários mínimos legais correspondem entre 30% e 48% do salário médio – o que corresponde respectivamente a 1,82 euro/hora na República Tcheca e 9 euros/hora na França. Essa regra permitiria um aumento relativo no conjunto dos países europeus, porém o debate sobre esse plano técnico não avançou.
Para os delegados da CES, a questão se refere menos à ideia de um salário mínimo que à questão da autonomia dos interlocutores sociais nas negociações salariais. “Nunca reivindicamos o estabelecimento de um Smic pelo Estado em todos os países da UE!”, precisa um representante da CFDT no Congresso de Atenas. Os partidários de um sistema de salário mínimo europeu se chocam com os sindicatos dos países onde a remuneração-base é fixada por setor e a partir de convenções coletivas negociadas. É o caso, destacadamente, dos Estados escandinavos e da Itália. “Não desejamos a intervenção do Estado. Na Suécia, 90% dos trabalhadores são cobertos por uma convenção coletiva. Não necessitamos de um salário mínimo legal interprofissional”, explica um representante sueco da Tjänstemännens Centralorganisation (TCO). O representante italiano considera que essa modalidade salarial “não é a solução mais apropriada para a redução dos salários. Não queremos perder nossa autonomia”.
O caso alemão ilustra bem a problemática e sua evolução. No berço do capitalismo da região do Reno, a ideia de um salário mínimo legal sempre foi um tema delicado, pois a Constituição prevê a primazia da autonomia das negociações coletivas e permite que as organizações setoriais negociem por campo de atuação e por região. Contudo, diante da diminuição do número de empresas que praticam a negociação coletiva, do desenvolvimento de setores com políticas de baixos salários6 e das pressões sobre os direitos sociais, esse sistema parece cada vez menos capaz de fixar normas mínimas.7 É por essa razão que os sindicatos Nahrung-Genuss-Gaststätten (NGG, alimentação, hotelaria e restauração) e Ver-Di (serviços privados) empreendem uma campanha, desde 2006, pelo salário mínimo universal garantido por lei. Hoje, reivindicam o valor de 8,50 euros/hora. Em alguns setores, também são previstos salários mínimos específicos, cujo valor da hora trabalhada é superior ao mencionado. Essa campanha identifica a natureza política da questão salarial e tenta compensar o escasso poder de organização da Ver-Di em mobilizar a opinião pública. Por muito tempo hostil ao princípio de um salário-base, a chanceler alemã Angela Merkel mudou de lado e tornou-se favorável à medida com a proximidade das eleições. Se por um lado afirmou que aumentaria os salários mínimos de setores já negociados, por outro não se posicionou claramente sobre o estabelecimento do salário mínimo interprofissional, e menos ainda sobre valores.
Muito trabalho a fazer
Seja qual for o montante, e mesmo se a Alemanha aderir à ideia, o caminho a percorrer ainda é longo. Um responsável da Federação Europeia dos Metalúrgicos considerava que “a França não deve exportar seu modelo de grande país” e que essa reivindicação era “prematura e inoportuna”. Os que estão contra a reivindicação temem uma espiral que provoque uma queda nos salários, pois “se um piso de não regressão pode ser fixado em nível legislativo (50% do salário médio nacional, por exemplo), o mesmo não acontece para os salários negociados, que por definição são livres”, explica Walter Cerfeda, ex-secretário confederado da CES. “Não vejo em que ponto o piso salarial, abaixo do qual não pode estar nenhuma remuneração, constituiria um risco para os nórdicos!”, retruca Bernard Thibault, secretário-geral da CGT. “Por outro lado, constato que a Romênia e a Polônia, por exemplo, não possuem uma referência europeia que possam utilizar para se proteger dos planos de austeridade salarial que lhes são impostos”, acrescenta ele.
A impossibilidade de um acordo sobre a questão reflete o trabalho que ainda é preciso ser feito para chegar, em escala transnacional, a uma dinâmica reivindicativa comum. Assim, a possibilidade de o movimento sindical europeu ampliar a mobilização em torno da proposta parece estar nas estratégias de coordenação de negociações salariais já existentes.8
*Anne Dufresne é socióloga e encarregada de pesquisa do Fundo Nacional da Pesquisa Científica (FNRS – Sigla em francês) , na Bélgica. Autora do livro Le salarie, un enjeu pour l’eurosyndicalisme: historie de la cordination des négociations collectives {O salário: um desafio para o sindicalismo europeu – história da coordenação das negociações coletivas}, Presses Univesitaires de Nancy, 2011