STJ reafirma a possibilidade do cultivo caseiro
A decisão reafirma o sólido caminho que a cannabis medicinal tem trilhado no Brasil
Ante à inércia do Poder Legislativo em regulamentar mais aprofundadamente a cannabis, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou em decisão proferida em 13 de setembro a possibilidade do auto cultivo medicinal da cannabis.
A decisão reafirma o sólido caminho que a cannabis medicinal tem trilhado no Brasil e não poderia ter sido dada em momento mais oportuno: às vésperas do início da primeira edição da ExpoCannabis Brasil, de 15 a 17 de setembro.
Mesmo diante das diversas incertezas causadas pela falta de regulamentação adequada, o debate floresce. O caso debatido tem origem no Paraná e o habeas corpus foi concedido em primeira instância. Sucessivos recursos levaram o caso ao STJ, e seu julgamento na Terceira Seção do STJ.
Até então a Terceira Seção não havia analisado a possibilidade do auto cultivo com fins medicinais. Porém a Quinta e a Sexta Turma do STJ, que reunidas formam a Terceira Seção, já formaram jurisprudência pactuada e positiva quanto à possibilidade do auto cultivo medicinal.
O relator do caso, ministro Messod Azulay, foi voto vencido quanto ao tema. Segundo o voto do ministro, o fato de existir óleo de CBD à disposição nas farmácias e também via importação impediria a possibilidade do auto cultivo com fins terapêuticos. O ministro também questionou a dosagem dos produtos, que em seu formato caseiro não possui controle absoluto. Tais pontos foram rechaçados pelos demais ministros, que votaram em peso a favor do provimento do caso, concluindo o julgamento com 7 votos a favor e 2 contra.
Não poderia ser diferente. Uma simples conversa com alguns pacientes de cannabis medicinal permite concluir que os produtos não estão tão facilmente acessíveis como pretende fazer crer o ministro Azulay.
Certos produtos com alta concentração de THC, por exemplo, são praticamente inexistentes no mercado brasileiro e internacional. O acesso a referidos produtos, no contexto atual, se dá apenas via auto cultivo.
O debate aprofundou-se ainda mais com a recente decisão da Anvisa de proibir a importação de flores in natura de cannabis. Com a abrupta paralisação do fornecimento desse tipo de produto, do dia para a noite, milhares de pacientes ficaram sem alternativa legal para seguir seu tratamento. Essa é mais uma face da falta de regulamentação, que pune pacientes e empresas que vinham fornecendo legalmente esses produtos no Brasil há pelo menos dois anos.
Para tanto, a Anvisa alega que a proibição baseou-se na falta de evidências científicas robustas que comprovem a segurança do uso da planta de cannabis in natura. Argumentou também o suposto alto risco de desvio das flores para fins ilícitos.
Novamente o Poder Judiciário foi chamado a agir. Em menos de dois meses foi determinado que a Anvisa viabilizasse o retorno da importação desse tipo de produto. Não se sabe porém como isso ocorrerá, uma vez que a determinação se deu há poucas semanas e ainda não foi cumprida pela Agência.
Parece ingênuo dizer, mas ouso relembrar que a nossa Constituição Federal prevê que o direito à saúde é direito de todos e dever do Estado. Ocorre que sem regulamentação, o efetivo acesso a esse tipo de direito é dificílimo, talvez impossível.
A verdade é que diante da inércia dos demais poderes que afete o acesso a um direito constitucional cabe ao Judiciário agir. Não é invasão de competência, e sim uma obrigação constitucional perante os cidadãos brasileiros.
Muitos dizem que o debate da cannabis pela via do Judiciário trata-se de ativismo judicial, uma invasão indevida do Judiciário na atividade de outros poderes. O ministro Azulay mencionou essa questão na sessão de 13 de setembro, porém, ele mesmo afirmou que compreende a gravidade das questões que chegam ao Judiciário ao mencionar casos de urgência extrema com que já lidou na sua carreira como magistrado. Havendo urgência numa questão que pode colocar em risco uma vida, pontuou o ministro, a decisão que busca a preservação da vida será tomada. Por quê com a qualidade de vida, e portando o gozo dos direitos, especialmente à saúde e a uma vida digna não seriam relevantes para os pacientes que necessitam do uso terapêutico da maconha?
Os alunos do primeiro ano de Direito estudam que o direito tem mais fontes além da Lei. Sempre que a legislação sobre algum tema for insuficiente, as decisões judiciais e demais fontes têm o papel de cobrir esse buraco.
Essa questão tem relevância extrema nas ações judiciais que envolvem direito à saúde, como são os Habeas Corpus de Cultivo Medicinal. Sempre que o tema é saúde, há urgência absoluta na resolução da questão. Pergunte isso para uma mãe que precisa que seu filho seja internado urgentemente, como mencionou o ministro Azulay naquela sessão de julgamento.
Ao fim e a cabo, não há diferença nenhuma entre o filho internado e o cultivador medicinal de maconha. Ambos recorreram ao Judiciário como última medida, após todas as outras alternativas se esgotarem.
E se o Judiciário não resolver a questão, ninguém resolverá. Esse é o peso que carrega esse debate.
Murilo Meneguello Nicolau é advogado.