Tentacular e doutrinário, o Opus Dei
Enquanto apenas a metade dos franceses se define como católica, o poder da Igreja repousa cada vez menos na fé. Algumas redes conservam, no entanto, uma influência considerável. Não apenas no plano ideológico, mas também nas esferas políticas e econômicas
Com exceção dos jesuítas nos séculos anteriores, nenhuma organização católica suscitou tantos livros, panfletos, artigos ou reportagens quanto o Opus Dei.1 A lista das reclamações tradicionalmente formuladas a seu respeito engloba mais ou menos todas as torpezas imagináveis por espíritos esclarecidos: manipulação mental, crueldade psicológica contra seus membros, severidade (ou estupidez) intelectual, sadomasoquismo penitencial, de inspiração reacionária, fundamentalista, fascista ou ultraliberal segundo o caso, infiltração nas redes eclesiásticas, políticas e econômicas com projetos ainda mais obscuros por serem raramente definidos (avidez financeira, conluios mafiosos…) etc.
Até a discrição dessa organização contribuiu para alimentar a fascinação. Até 1982, data em que João Paulo II elevou o Opus Dei ao nível de prelazia pessoal,2 seus membros eram orientados a não revelar seu pertencimento. No entanto, segundo seu estatuto, a Obra visa apenas ajudar seus fiéis a se santificar “na vida cotidiana” por meio do “exercício das virtudes cristãs”. É no meio do mundo, em particular no trabalho, concebido como uma verdadeira oração, que seus fiéis devem viver a “espiritualidade laica”, que é a marca de sua especificidade. Nada os distingue exteriormente de seus concidadãos.
O Opus Dei é reputado por ter como objetivo essencial ocupar os locais de poder. Sua influência real na sociedade é muito difícil de ser medida – seus responsáveis afirmam não possuir estatísticas sobre o nível socioprofissional dos membros. No entanto, se interessa muito pelos meios intelectuais3 e exige o nível universitário para o candidato se tornar numerário;4 os padres do Opus Dei são encorajados a fazer doutorado. Ele administra, inclusive, muitas residências estudantis, abertas a todos, mas onde é recomendado apresentar bons resultados escolares para obter um lugar.5 Locais evidentemente propícios para o recrutamento.
Comunicação deficiente
Por muito tempo, a organização permitiu que fosse construída sua “lenda negra”, deixando a impressão de não se preocupar muito com isso. No contexto de uma cultura católica marcada pela desconfiança com relação às mídias e o pavor àpublicidade (com a notável e recente exceção de João Paulo II, que foi um mestre nessa matéria), a prelazia garantia um serviço mínimo em matéria de comunicação. A beatificação, primeiro passo para a canonização, em 1992 do fundador da Obra, Josemaría Escrivá de Balaguer (morto em 1975), revelou-se, ao menos midiaticamente, difícil. As tomadas de posição hostis se multiplicaram. Dentro da Igreja, não havia mais bispos que apoiassem ativamente essa iniciativa. Enquanto a polêmica aumentava, os serviços de comunicação do Opus Dei se contentavam em contatar alguns jornalistas para lhes propor informações sobre a vida e a obra de Escrivá de Balaguer. Efeito quase nulo. O grande público se informava através de artigos de imprensa e reportagens geralmente muito críticas.
“Ficamos na defensiva. Depois da beatificação, avaliamos o que aconteceu. Concluímos que deveríamos ter sido bem mais profissionais”, admite Juan Manuel Mora, diretor de comunicação da Obra de 1991 a 2006. A organização decidiu então operar uma revolução nessa área. O Opus Dei dispõe de um viveiro de competências: profissionais que exercem seu ofício na sociedade (comunicadores, jornalistas etc.), professores e pesquisadores da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra, criada pelo Opus Dei em 1952 etc. Uma nova estratégia foi definida, fundada na “pró-atividade”: comunicar até mesmo antes que as polêmicas comecem.
Diminuição das críticas
Foi o que aconteceu com a preparação da campanha de imprensa em torno da canonização do fundador em 2002: a Obra contatou os jornalistas com muita antecedência, propôs ajuda e informações, cuidou das relações pessoais com seus interlocutores e tentou algumas operações “portas abertas” em seus centros ou nas residências de estudantes. O resultado foi muito positivo: se houve polêmica em torno do fundador, sua intensidade nada teve a ver com a de 1992. E, no seio da Igreja, o Opus Dei se beneficia também de apoios importantes. Em dez anos, o catolicismo progressista perdeu grande parte de sua audiência. E eram frequentemente os católicos críticos que alimentavam a imprensa com informações. Enfim, a canonização do fundador, que equivale a uma espécie de certificado de garantia, tornou, a partir de então, mais difícil a existência de críticas no seio da instituição. Elas ainda existem, mas são mais amortecidas ou emanam das margens da Igreja.
No centro de Roma
“Não sei se somos bons”, diz, sorrindo modestamente, Manuel Sanchez, numerário responsável pelas relações com a imprensa internacional no escritório de informação do Opus Dei em Roma. “Mas está claro que acumulamos certa experiência.” Esta se encontra a serviço da Igreja Católica como um todo. Em Roma, a Universidade Pontifícia da Santa Cruz, que depende diretamente do Opus Dei, comporta quatro faculdades: Filosofia, Teologia, Direito Canônico e Comunicação Institucional. Esta última é a única desse tipo no mundo universitário católico. Forma especialistas que trabalham para dioceses, conferências episcopais nacionais ou outras instituições religiosas. Os estudantes, que, na maior parte, não são membros da organização, vêm do mundo inteiro se formar nas teorias e técnicas mais avançadas nessa área; podem chegar até ao doutorado. Essa faculdade organiza encontros e seminários de alto nível destinados aos profissionais dos serviços de comunicação da Igreja, mas também aos jornalistas da imprensa profana.
Assim, desde 2006 ela garante, em colaboração com a Associação Internacional dos Jornalistas credenciados no Vaticano, um curso anual destinado aos jornalistas estrangeiros que vêm cobrir a atualidade religiosa em Roma. Até mesmo a existência dessa universidade, oficialmente erguida pelo Vaticano em 1990, e sua localização em pleno centro de Roma contribuíram fortemente para legitimar o Opus Dei. “Quando as pessoas dão de cara com essa universidade a dois passos da Piazza Navona e veem que os estudantes vêm de todos os lugares e que os membros da Cúria ensinam ali normalmente, elas relaxam”, constata John Wauck, padre do Opus Dei, professor da Faculdade de Comunicação e antigo redator de discursos para políticos norte-americanos que se opunham ao direito ao aborto. “Em Roma, o Opus Dei se tornou totalmente normal. Eu constato que alguns bispos norte-americanos começam a enviar seminaristas para se formar desde seu primeiro ano aqui. Isso é bem recente.”
Moderno e arcaico
A organização mistura elementos decididamente modernos a um corpo de doutrina que não o é, o que pode confundir os observadores. A maior intuição de seu fundador foi levar a sério, para melhor controlar – e não para rejeitar em bloco, como no caso do catolicismo fundamentalista –, o movimento geral de secularização e autonomização da sociedade. Ao pregar, por exemplo, a santificação de todos pelo trabalho da vida de todos os dias, Escrivá de Balaguer rompia com a ideia ancorada no imaginário católico segundo a qual o clero ou os consagrados estavam, por sua total disponibilidade às coisas da religião, mais bem localizados que os outros na corrida para o reino de Deus.6 Mas essa democratização da santidade e esse mergulho decidido no mundo nunca ameaçaram o enquadramento clerical clássico do catolicismo.
São os padres que ocupam os postos de comando e são os numerários (não padres, mas que visam oferecer disponibilidade total a seu apostolado se comprometendo com o celibato) que garantem a grande parte da formação da tropa. A extrema ligação aos sacramentos, e em particular à confissão, os leva de volta também a esse clericalismo que pretendem fazer esquecer. A promoção dos leigos e de sua liberdade pelo Opus Dei é frequentemente apresentada como profética com relação ao Concílio Vaticano II. Mas o enquadramento espiritual fechado ao qual se submetem seus membros (missa todos os dias, recitação do terço, exame de consciência, confissão semanal, retiro mensal etc.) limita muito, sem dúvida, os riscos de derrapagem libertária… Assim conta, na maior simplicidade, um membro agregado parisiense da Obra (carteiro e delegado sindical da Confederação Francesa Democrática do Trabalho!): “Na minha vida, tenho um tipo de pensamento e de ação muito claro do qual não saio: o do catecismo da Igreja Católica”.
Coerência doutrinal
No seio da instituição católica, os anos do pontificado de João Paulo II viram a multiplicação das nominações de membros do Opus Dei à Cúria e aos episcopados, principalmente na América Latina. A chegada à chefia do serviço de imprensa do Vaticano, em 1984, do numerário Joaquín Navarro-Vals, que permaneceu 22 anos no posto, foi, nesse sentido, emblemática. No entanto, a Obra ainda é muito jovem dentro da escala da história da Igreja Católica e em comparação às suas ordens religiosas. Inclusive, Giovanni Avena, diretor da agência de informação religiosa Adista, ressalta que a coerência doutrinal do grupo de membros do Opus Dei é muito forte: “Encontramos nos jesuítas, nos franciscanos ou em outras ordens ou movimentos um grande espectro de opiniões ou opções teológicas que refletem de alguma forma as de uma Igreja universal, do progressismo mais inquieto ao tradicionalismo. Não é o caso do Opus Dei, que formata teologicamente seus membros”.
As relações entre a Espanha franquista e o Opus Dei – a primeira foi uma verdadeira estufa para o segundo – foram profundas. No entanto, no seio desse regime ditatorial, os membros mais influentes da Obra, chamados “tecnocratas” – dos quais muitos foram ministros de primeiro escalão –,7 conduziram mais para uma certa modernização econômica de tipo liberal, na qual o Opus Dei se encontra perfeitamente à vontade, do que em direção a uma teocracia totalitária autárquica tal qual era fantasiada pela Falange [Falange Espanhola Tradicionalista]. Os regimes autoritários da América Latina nunca sofreram críticas da organização, mesmo que, a título individual, um ou outro membro pudesse expressar reservas. Na Europa e na América do Norte, sobre as questões sociais e econômicas, eles se comportaram, em média, aderindo aos projetos da direita clássica mais do que aos da extrema direita.
Conservadorismo moral
Tampouco é proibido para um membro da Obra votar ou militar na centro-esquerda. A senadora italiana Paola Binetti, numerária do Opus Dei, por exemplo, é uma das figuras mais conhecidas de uma corrente do novo Partido Democrático Italiano, que substituiu a Federação das Oliveiras. No entanto, o posicionamento dos membros do Opus Dei, com todas as tendências misturadas, sobre as questões de ética familiar ou biomédica (interrupção voluntária da gravidez, união homossexual, concepção assistida, pesquisa com células-tronco embrionárias etc.) entra em acordo de maneira sistemática com a rigidez do magistério católico e rompe fortemente, portanto, com as aspirações progressistas da sociedade nessas áreas.
As críticas que podemos formular ao Opus Dei são, em parte, semelhantes às que elaboramos com relação à instituição católica tal qual evoluiu desde o pontificado de João Paulo II. O movimento de enquadramento ideológico da Igreja institucional em curso desde os anos 1980 contribui para a relativa normalização da imagem da organização entre os católicos e, mecanicamente, junto do resto do grande público. Na hora em que a prioridade da instituição leva, com Bento XVI, àafirmação da identidade diante dos perigos do “relativismo”, as teses da Obra parecem cada vez mais em conformidade com as da corrente dominante na Igreja.