Trabalho informal e a luta contra o desamparo sistêmico
Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Direito, lançado neste mês de maio, quer discutir precarização, desamparo e informalidade no Brasil
A escadaria do Theatro Municipal de São Paulo foi escolhida para ser o local da gênese do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Direito, que visa acolher e lutar por direitos básicos de um trabalho digno para aqueles considerados “informais”, pessoas que labutam por horas a fio em busca de rendas e sustento para milhões de famílias. O lançamento é um marco importante para gerar um importante debate sobre as novas formas de trabalho, como o plataformizado, e para romper o desamparo sistêmico provocado por esse novo modelo de trabalho.
Salienta-se, contudo, que o movimento não direciona suas pautas exclusivamente nos trabalhadores plataformizados. Sua pauta é discutir precarização, desamparo e informalidade, temas sensíveis e históricos no Brasil e que atingem, principalmente, trabalhadores que estão na dita “informalidade”; 40% do mercado de trabalho, segundo o IBGE.
Entretanto, é visível o aumento do número de trabalhadores plataformizados ou “uberizados” nos últimos anos. Esse novo tipo de trabalho trouxe um impacto significativo. Com uma jornada exaustiva e intermitente, muitos indivíduos estão expostos a diferentes riscos como acidentes ou afastamento por doença. Nesse sentido, o trabalhador será responsável por todos os ônus de seu afastamento, sem os direitos de um trabalhador “formal”, enquanto a plataforma lucra com as exaustivas horas de trabalho diário de uma multidão de trabalhadores.
Outro ponto de destaque é que trabalhadores plataformizados não têm direitos de aposentadoria, férias e folgas remuneradas. Sequer possuem uma jornada estruturada de trabalho e podem trabalhar por até 12 horas diárias em carros, motos e bicicletas. Além disso, os custos de combustível, IPVA e manutenção são de responsabilidade dos trabalhadores e aqueles que não possuem bicicleta pagam um “aluguel” pelo equipamento.
É minimamente desumano pensar que para uma pizza ser servida quente na mesa de uma família ou grupo de amigos, um motociclista teve que arriscar sua vida em alta velocidade. Certamente, o valor da pizza é maior que diversas entregas realizadas em um dia de trabalho e, ao fim do mês, esse trabalhador pode ter (se não sofrer nenhum acidente) uma renda abaixo de um salário mínimo.
Seria um tanto ingênuo pensar que os aplicativos criarão garantias de ganhos básicos e direitos desses trabalhadores. É o Estado que deve garantir normas e leis que atendam aos interesses desses plataformizados. É aqui que os trabalhadores devem estar unidos e pressionar câmaras e outros poderes para que todos estejam amparados por leis e direitos trabalhistas.
A discussão por justiça a esses trabalhadores já está atrasada. Perdermos a oportunidade de fazê-la em 2018 e repetimos a falta de interesse em 2020. Em 2022 é necessário que candidatos estejam prontos para entregar respostas que garantam direitos para esses milhões de mulheres e homens que diariamente movimentam a economia com seu trabalho. Afrontando a falácia meritocrática, essas pessoas não estão na “informalidade” por opção e nem “empreendendo por amor” e sim estão na busca de renda para garantir seu sustento. Sem garantias legais que protejam esses trabalhadores, os aplicativos continuarão sendo uma força motriz de precarização.
Em 2021 os motoristas que atuam no aplicativo Uber passaram a ter direitos trabalhistas garantidos no Reino Unido. Mais tarde, a União Europeia lançou regras para garantir direitos básicos aos trabalhadores plataformizados e ampliar as empresas que se enquadram nesse tipo de trabalho.
Obviamente há uma pressão das empresas que alegam uma possível perda de emprego caso haja leis que protejam trabalhadores, um discurso com pouca profundidade já que eles não são garantidores de emprego e sim plataformas que conectam oferta e demanda de um determinado serviço. São empresas formais mas que pavimentam o emprego informal e, diante de um oásis de desamparo, lucram com a precarização.
O Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Direito ainda destaca outros trabalhadores importantes para nossa economia e que foram colocados na “informalidade” tais como trabalhadores domésticos, camelôs, manicures, cozinheiras, cuidadores e catadores de recicláveis que estão em um profundo desamparo de políticas públicas e legislação. É importante falar o óbvio: não é preciso ser um trabalhador “informal” para defender e cobrar políticas públicas para esses trabalhadores, pelo contrário, todos devem apoiar o movimento.
Qual trabalho está imune ao processo de informalidade? Ou, ainda, qual trabalhador está protegido da precarização? Os mais otimistas podem apontar que trabalhadores com alguma qualificação estão imunes. Contudo, isso é um erro. Não apenas por não ser difícil encontrar advogados e engenheiros dirigindo um carro por aplicativo mas pela plataformização de alguns tipos de serviços. Designers, psicólogos e professores encontram plataformas de trabalho para suas atuações e nelas entregam serviços com baixo retorno financeiro, em tempo intermitente e sem garantias de direitos. Logo, um diploma não garante emprego e muito menos protege o trabalhador de ser direcionado para a “informalidade”.
A criação do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Direito é um importante marco para o início de uma mudança no paradigma do “trabalho informal” e serve como um agente importante para pressionar o Estado para a criação de leis que protegem aqueles trabalhadores que não se enquadram em um perfil formal. É mais uma força dos trabalhadores brasileiros que organizados podem arrefecer a precarização e criar estruturas sólidas para que todos fiquem longe de qualquer tipo de desamparo.
Herbert Salles é doutorando em Economia pela UFF.