Uma ação para barrar a ameaça silenciosa dos agrotóxicos
Enquanto em algumas políticas públicas a mudança de governo realmente foi refletida nas suas decisões, o tema dos agrotóxicos seguiu com o mesmo ritmo de liberação de venenos do governo anterior
Mobilizações com organizações da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida estão promovendo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Pacote do Veneno no Supremo Tribunal Federal. O objetivo é por uma estrutura regulatória que priorize a saúde e o meio ambiente, e não os interesses das corporações agroquímicas e do lobby ruralista.
A manutenção dessa legislação, aprovada pelo Congresso Nacional, pode trazer sérios danos à saúde da população brasileira e enfraquecer a estrutura regulatória responsável pela proteção de consumidores. Apenas uma estrutura regulatória independente e comprometida com a ciência e o bem-estar público poderá garantir a segurança necessária para a saúde e o ambiente no Brasil.
A Lei nº 14.785/2023, também conhecida como Pacote do Veneno, foi sancionada com o objetivo de regulamentar o uso de agrotóxicos no Brasil, substituindo totalmente a Lei nº 7.802/1989. Enquanto em algumas políticas públicas a mudança de governo realmente foi refletida nas decisões nestes um ano e meio de mandato presidencial, o tema dos agrotóxicos seguiu com o mesmo ritmo de liberação de venenos do governo anterior e encerrou o primeiro ano com o erro governamental que foi a sanção da Lei.

Créditos: Barbara Cruz/greenpeace
Desde a sua discussão, esse texto tem gerado preocupações significativas sobre a saúde pública e o meio ambiente. Até mesmo as Relatorias Especiais da ONU recomendaram ao Senado Federal que rejeitasse o Pacote do Veneno, considerando que o texto permite o uso de agrotóxicos cancerígenos e substâncias que trazem risco de problemas reprodutivos e hormonais, além de malformações em bebês. Nada disso foi capaz de convencer o governo federal de que a sanção dessa lei traria seríssimas consequências para a saúde da população brasileira e graves fragilizações sobre o controle de agrotóxicos no nosso país, que ostenta o lamentável posto de campeão de uso de agrotóxicos no mundo, com mais de 720 mil toneladas usados em 2021, segundo dados da FAO (2023).
Durante todo o processo legislativo, diversas instituições aportaram manifestações e sugestões para que o texto não fosse aprovado, como o Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Conselho Nacional de Direitos Humanos, a própria Anvisa, Abrasco, Fiocruz, ABA, o Colegiado Nacional de Presidentes de Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Greenpeace, Idec, entre outros.
A Lei nº 14.785/2023 abre brecha para o registro eterno de agrotóxicos que causam danos ao aparelho reprodutivo, que desregulam o sistema endócrino ou que sejam mais perigosos nas condições reais de uso do que os testes de laboratório puderam provar, dentre produtos cancerígenos, teratogênicos ou mutagênicos.
Ainda, com a derrubada dos vetos, o texto da lei concentra poderes no Ministério da Agricultura, submetendo etapas que antes eram da Anvisa à decisão do órgão da agricultura como a reavaliação de agrotóxicos. A reavaliação é a etapa necessária para o cancelamento de um produto. Com isso, agrotóxicos banidos em outros países dificilmente serão proibidos aqui.
Para pessoas consumidoras, enquanto esse Pacote do Veneno continuar produzindo efeitos, a tendência é que sejam cada vez maiores as quantidades de veneno que o agronegócio utiliza, inclusive de agrotóxicos proibidos em outros países por serem cancerígenos, desreguladores endócrinos, entre outras características que até então eram suficientes para impedir seu registro aqui no Brasil.
Na prática, o Pacote do Veneno cria no território brasileiro uma “zona de sacrifício”, em que todos os venenos podem ser produzidos aqui quando forem para exportação, sem sequer passar por avaliações prévias por órgãos públicos. Essa liberação automática para fábricas de agrotóxicos soma-se a novas hipóteses de autorizações para uso fora dos permitidos pelos órgãos reguladores. Além da possibilidade de que a aplicação de agrotóxicos, desnecessariamente pelo uso preventivo, ser recomendada por profissionais da agronomia.
Todos esses fatores devem servir de catalisador tóxico para um salto no descontrole dessas substâncias químicas no Brasil. Para corrigir essas falhas, é essencial que haja uma revisão judicial rigorosa da Lei nº 14.785/2023.
Leonardo Ferreira Pillon é advogado do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec