Uma armadilha transatlântica
O salto do livre-comércio e do atlantismo cria o risco de obrigar os europeus a importar carne com hormônios, milho geneticamente modificado, frangos lavados com cloroSerge Halimi
Podemos dizer que durante as próximas eleições europeias o debate vai girar menos a respeito do número de expulsões de imigrantes clandestinos ou sobre o ensino (pretendido) da “teoria do gênero” na escola. Do que vai se falar? Do Acordo de Parceria Transatlântica (APT), que diz respeito a 800 milhões de habitantes com grande poder de compra e a quase metade da riqueza mundial.1 A Comissão Europeia negocia esse tratado de livre-comércio com Washington em nome dos 28 Estados da União; o Parlamento Europeu que será eleito em maio deverá ratificá-lo. Nada foi decidido ainda, mas no dia 11 de fevereiro, durante sua visita de Estado a Washington, o presidente francês François Hollande propôs acelerar as coisas: “Temos tudo a ganhar indo mais rápido. Senão, sabemos bem que haverá um acúmulo de medos, ameaças, crispações”.
“Tudo a ganhar indo rápido”? Nesse caso, o importante, ao contrário, é travar as máquinas de liberalização e os lobbies industriais (norte-americanos, mas também europeus) que os inspiram. Ainda mais porque os termos do mandato de negociação confiado aos comissários de Bruxelas foram escondidos dos parlamentares do Velho Continente, enquanto a estratégia comercial da União (se existe uma, além da recitação dos breviários do laissez-faire) não continha nenhum segredo para os grandes ouvidos norte-americanos da National Security Agency (NSA)…2 Tal preocupação em dissimular, mesmo que relativa, anuncia raramente boas surpresas. De fato, o salto do livre-comércio e do atlantismo cria o risco de obrigar os europeus a importar carne com hormônios, milho geneticamente modificado, frangos lavados com cloro. E de proibir aos norte-americanos o favorecimento dos produtores locais (“Buy American Act”) em um momento em que eles empenham despesas públicas para lutar contra o desemprego.
No entanto, o pretexto do acordo é o emprego. Encorajados pelos “estudos” frequentemente financiados pelos lobbies, os partidários do APT, contudo, são mais loquazes sobre os empregos criados graças às exportações do que sobre os que serão perdidos por causa das importações. O economista Jean-Luc Gréau lembra que, há 25 anos, cada novo avanço liberal – mercado único, moeda única, mercado transatlântico – foi defendido sob o pretexto de que reabsorveria o desemprego. Assim, um relatório de 1998, “Desafio 1992”, anunciava que “deveríamos ganhar 5 milhões ou 6 milhões de empregos graças ao mercado único. No entanto, no momento em que este foi instaurado, a Europa, vítima da recessão, perdeu entre 3 milhões e 4 milhões de empregos”…3
Em 1998, um Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI), já concebido por e para as multinacionais, foi dilapidado pela mobilização popular.4 O APT, que retoma algumas de suas ideias mais nocivas, deve sofrer o mesmo destino.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).