Washington contra Pequim
A China sucede assim o “Império do Mal” soviético e o “terrorismo islâmico” como adversário prioritário de Washington. Mas, diferentemente da União Soviética, ela dispõe de uma economia dinâmica, com a qual os Estados Unidos registram um déficit comercial abissal.
Os Estados Unidos parecem agora estimar que não podem enfrentar a China e a Rússia ao mesmo tempo. Nas próximas décadas, seu principal rival geopolítico será Pequim. Sobre esse assunto, existe um consenso até mesmo entre a administração republicana de Donald Trump e os democratas, que a eleição presidencial do ano que vem opõe, no entanto, com tanto vigor. A China sucede assim o “Império do Mal” soviético e o “terrorismo islâmico” como adversário prioritário de Washington. Mas, diferentemente da União Soviética, ela dispõe de uma economia dinâmica, com a qual os Estados Unidos registram um déficit comercial abissal. E sua potência é singularmente mais impressionante do que aquela de algumas dezenas de milhares de combatentes fundamentalistas errando entre os desertos da antiga Mesopotâmia e as montanhas do Afeganistão.
Barack Obama já tinha empreendido uma “guinada rumo à Ásia” e ao Pacífico da diplomacia norte-americana. Como de costume, seu sucessor formula sua nova estratégia com menos elegância e sutileza (ler o artigo da pág. 23). Já que, em seu espírito, a cooperação é sempre uma armadilha, um jogo nulo, o crescimento econômico do rival asiático ameaça automaticamente o desenvolvimento dos Estados Unidos. E reciprocamente: “Estamos ganhando da China”, cantou de galo Trump em agosto passado. “Eles tiveram seu pior ano em meio século, e foi por minha causa. Não tenho orgulho disso.”
(Ilustração: Vitor Flynn)
“Não ter orgulho” não parece seu estilo… Há pouco mais de um ano, ele autorizou as câmeras a difundir ao vivo uma reunião de seu gabinete. E tudo aconteceu ali: um de seus ministros foi felicitado pela desaceleração do crescimento da China; outro imputou às exportações chinesas de fentanil a epidemia de opioides nos Estados Unidos; um terceiro atribuiu as dificuldades dos agricultores norte-americanos às medidas de retaliação comercial da China. Restou a Trump explicar a obstinação nuclear norte-coreana como resultado da suavidade de Pequim em relação ao seu aliado.
Para Washington, vender um pouco mais de milho ou de produtos eletrônicos para a China já não basta. É preciso isolar o rival cujo PIB foi multiplicado por nove em dezessete anos, enfraquecê-lo, impedi-lo de estender sua influência e, principalmente, de se tornar um equivalente estratégico dos Estados Unidos. Como sua prosperidade fulgurante não o levou a se americanizar, a se mostrar dócil, os golpes não serão poupados.
Em 4 de outubro de 2018, o vice-presidente Mike Pence já massacrava em um discurso de uma violência extrema um “sistema orwelliano” das “autoridades que destroem cruzes, queimam bíblias e aprisionam crentes”, a “coerção das empresas, estúdios de cinema, universidades, think tanks, pesquisadores, jornalistas norte-americanos”. Ele detectava inclusive “tentativas de influenciar a eleição presidencial de 2020”. Depois do “Russiagate”, um “Chinagate” que, desta vez, teria por objetivo a derrota de Trump? Os Estados Unidos são definitivamente um país bem frágil…
Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.