À espera da taxa Tobin…
Existem certas reformas cujo eterno adiamento não suscita nenhum clamor. É o caso da taxa Tobin sobre transações financeiras, que aguarda efetivação há dezenove anos… No seio da União Europeia, a França, zelosa no favorecimento dos grandes bancos, há tempos se opõe a esse projeto de arrecadação sobre os movimentos esFrédéric Lemaire
Originalmente formulada pelo economista norte-americano James Tobin (1918-2002), a ideia de taxar as finanças conseguiu adentrar a Europa após a crise de 2008. Em fevereiro de 2013, onze países da zona do euro – França, Alemanha, Bélgica, Áustria, Eslovênia, Portugal, Grécia, Eslováquia, Itália, Espanha e Estônia – comprometeram-se a criar um imposto sobre transações financeiras. Mesmo em uma versão adoçada do projeto de Tobin, a proposta não deixou de irritar o mundo das finanças, que encontrou aliados de peso em sua determinação de tirá-la do caminho: vários governos do continente, menos preocupados em supervisionar as finanças do que em garantir a “competitividade”. Três anos após o início das negociações, a instauração da taxa Tobin “ameaça atolar”, segundo o diário Les Échos (8 mar. 2016). A história parece se repetir para essa medida, cuja execução é há vinte anos considerada inevitável, mas sempre adiada.
Tobin lançou pela primeira vez a ideia de tributar as transações de divisas em 1972. O objetivo: punir a especulação no mercado de câmbio, facilitada pelo novo ambiente internacional. Um ano antes, o presidente norte-americano, Richard Nixon, decretara o fim da conversibilidade do dólar em ouro, colocando fim ao sistema monetário internacional fundado no Acordo de Bretton Woods, assinado em 1944. Desse momento em diante, as taxas de câmbio entre as moedas passaram a flutuar ao sabor do mercado.
O princípio da taxa Tobin é simples: aplicada a toda transação, mesmo que a uma taxa muito baixa, ela aumentaria significativamente o custo das idas e vindas constantes que caracterizam os fluxos especulativos de curto prazo. Para os investimentos de longo prazo, pontuais, o imposto seria praticamente indolor.1
As crises monetárias europeias de 1992 e 1993 e o colapso do peso mexicano em 1994 deram razão a Tobin: as forças do mercado, em vez de fortalecerem o sistema monetário, contribuíram para desestabilizá-lo. Economias inteiras foram ameaçadas pela especulação maciça no mercado cambial. A taxa Tobin apareceu no radar político. Em março de 1995, o presidente francês, François Mitterrand, sugeriu a ideia durante a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social de Copenhague, sem grande otimismo: “É algo muito difícil de passar, e não alimento ilusões quando se trata de transações financeiras”. No mesmo ano, novamente o nome de Tobin foi evocado, primeiro no G7 de Halifax, depois no programa do candidato socialista à eleição presidencial Lionel Jospin.
O universo acadêmico não ficou atrás. Em 1996, a Oxford University Press publicou um livro no qual diversos especialistas das finanças internacionais analisam de forma muito favorável a taxa Tobin e seu impacto.2 A ideia recebeu apoio inclusive de personalidades das quais o mundo das finanças não tinha do que reclamar até então, como Jacques Delors (presidente da Comissão Europeia de 1985 a 1994), Boutros Boutros-Ghali (secretário-geral das Nações Unidas de 1992 a 1996) e Barber Conable (presidente do Banco Mundial de 1986 a 1991).
A taxa Tobin “saiu das notas de rodapé”, alegrava-se então o economista John Williamson.3 Em seu editorial de dezembro de 1997 no Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet convocou a “desarmar as finanças” e criar uma organização, a Attac, que inicialmente significava Ação para uma Taxa Tobin de Ajuda aos Cidadãos. Constituída no ano seguinte, a associação teve rápido sucesso. Em 2003, tinha mais de 30 mil membros, com estruturas em 38 países.4 Em entrevista ao jornal alemão Der Spiegel, pouco antes de sua morte, Tobin teve o prazer de ver suas ideias sob os holofotes, procurando deixar clara sua diferença em relação aos “vândalos” que o economista associava ao “movimento antiglobalização” (2 set. 2001).
A virada da crise de 2008
Após a vitória da “esquerda plural” nas eleições legislativas de 1997 na França, Jospin, tornado chefe de governo, encarregou seu ministro das Finanças de estudar a medida. Dominique Strauss-Kahn considerou-a “impraticável”: ele incluiu, em um documento orçamentário de Bercy, um estudo oficial criticando-a. Nova campanha presidencial, nova onda: em agosto de 2001, na TF1, o candidato Jospin declarou seu desejo de ver a França “propor que a União Europeia tome uma iniciativa no nível internacional”.
Ele perdeu o escrutínio, mas seu adversário, Jacques Chirac, reeleito, retomou a ideia. Chirac criou um “grupo de trabalho sobre novas contribuições financeiras internacionais”, com participação da Attac. Presidido pelo alto funcionário Jean-Pierre Landau, o grupo publicou seu relatório em setembro de 2004.5 Diante do forte crescimento da desigualdade no mundo, o documento propôs a criação de impostos globais, entre eles a taxa Tobin, embora indicasse que “os impostos estudados são puramente destinados a aumentar a receita para o desenvolvimento”. Em outras palavras, o objetivo inicial de Tobin – lutar contra a especulação – ficou de lado: o importante era “minimizar as distorções induzidas pelo mercado”. O mundo das finanças não foi abalado.
Sob a liderança de Chirac, o essencial do relatório foi aprovado na Assembleia Geral da ONU de dezembro de 2004. Em uma conferência ministerial organizada pela França em fevereiro de 2006, diversos países comprometeram-se a adotar a proposta de imposto internacional sobre passagens aéreas6 presente no relatório Landau; e trinta países (hoje 66) constituíram um “grupo-piloto sobre financiamentos inovadores para o desenvolvimento”, com o objetivo de promover projetos de impostos globais.
Tributar as finanças, mesmo que modestamente: a ambição não agradava ao vencedor da eleição presidencial francesa de 2007. Assim que eleito, Nicolas Sarkozy encarregou sua ministra da Economia e das Finanças, Christine Lagarde, de suprimir o imposto sobre operações na Bolsa, uma variante modesta da tributação das transações financeiras, datado de 1893. Na época, a ministra declarou: “É uma medida que vai contribuir para reforçar a atratividade de Paris como praça financeira”.7
A crise de 2008 mudou o jogo, trazendo reviravoltas inesperadas. Adair Turner, ex-diretor-geral da Confederação das Indústrias Britânicas (CBI) e presidente da Autoridade Britânica de Supervisão dos Mercados Financeiros, admitiu em agosto de 2009 que parte das atividades da City era “socialmente inútil”.8 E declarou-se a favor da taxa Tobin. Alguns meses depois, o G20 de Pittsburgh encarregou o FMI de apresentar propostas para regular melhor o sistema. Os dirigentes europeus convidaram o Fundo a “considerar todas as opções disponíveis”, incluindo a de uma taxa global sobre transações financeiras (TTF), em suma, uma taxa Tobin que se aplicaria, para além do mercado de câmbio, a todos os mercados financeiros.
O projeto de TTF, porém, chocou-se com a hostilidade dos Estados Unidos e do Canadá. O diretor-geral do FMI na época, Strauss-Kahn, não havia mudado de ideia desde sua passagem por Bercy: ele se opunha a uma medida que considerava “muito simplista” e “provavelmente impossível” de efetivar sem ser contornada.9 No entanto, impostos sobre os mercados de ações existiam e ainda existem em vários países. Estendê-los às operações efetuadas fora de mercados regulamentados seria perfeitamente possível. Bastaria colocar a tributação no nível dos intermediários, como as câmaras de compensação utilizadas para pagamento.10
De qualquer forma, a TTF não figurava no relatório entregue pelo FMI em abril de 2010, que em seu lugar preferiu manter apenas duas taxas bancárias, com o objetivo de financiar o resgate de bancos em dificuldade! As modestas propostas do FMI não seduziram o G20, em sua reunião de 2010 em Toronto. Mas a TTF também não apareceu entre as resoluções da cúpula.
Teria então fracassado a ambição de “fazer as finanças pagarem”? Não na Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel advertiu: se o G20 não adotar a TTF, ela iria propô-la à União Europeia. E obteve o apoio de Sarkozy na cúpula franco-alemã de junho de 2010, dez dias antes da cúpula do G20 em Toronto.
O caminho parecia livre para o surgimento de um projeto de TTF europeu. Em Bruxelas, em março de 2011, o Parlamento Europeu apoiou a ideia, seguido pela Comissão Europeia, que apresentou um projeto de diretiva para uma taxa europeia sobre transações financeiras. Esta se distinguia claramente da proposta inicial Tobin, uma vez que não se aplicaria às operações de câmbio. Ainda assim, sua amplitude continuava relativamente grande: ela abrangeria todos os outros mercados financeiros, aplicando-se a todos os seus atores e instrumentos. Tobin imaginava uma taxa de 0,5%; as taxas da Comissão Europeia são de 0,1% para as ações e títulos de crédito, e 0,01% para derivativos. As receitas foram estimadas em 30 bilhões de euros por ano, a serem divididos entre o orçamento da União Europeia e o dos Estados.
A poucos meses da eleição presidencial de 2012, Sarkozy anunciou a aplicação de uma “taxa Tobin francesa”, de amplitude reduzida (abrangendo essencialmente as ações emitidas por uma centena de empresas francesas). Em suma, mais um imposto sobre ações, similar ao que o mesmo presidente havia suprimido em 2007…
O candidato socialista não foi muito diferente. Durante discurso que se tornou célebre, em Le Bourget, no dia 22 de janeiro de 2012, François Hollande indicou quem era seu “inimigo”: as finanças. Para derrubá-lo, prometeu fortalecer a TTF francesa e aprovar uma taxa “ambiciosa” sobre as transações em escala europeia.
Chamados a “serem realistas”
Uma vez presidente, porém, Hollande cochilou em algumas de suas promessas. A nova maioria aumentou os impostos sobre a Bolsa francesa de 0,1% para 0,2%, mas tanto essa taxa como a abrangência do tributo continuaram menores que aquelas impostas no Reino Unido com o stamp duty. No ano seguinte, e depois em junho de 2014, o governo também se opôs a emendas que visavam ampliar o imposto francês sobre operações “intradiárias” (intra-day) e punir o trading de alta frequência. Na escala europeia, diante da falta de unanimidade, onze dos 28 Estados-membros concordaram, liderados pela Alemanha e pela França, em continuar o projeto sob a forma de uma “cooperação reforçada”. O Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia de fevereiro de 2013 oficializou o processo.
Desde então, a França continua travando as rodas do projeto de imposto europeu. Em julho de 2013, o ministro das Finanças, Pierre Moscovici, deixou cair a máscara nos encontros internacionais da Paris Europlace. Ele acusou o projeto da Comissão Europeia de “excessivo”, pedindo que a União Europeia se mostre “pragmática e realista” e prometendo “melhorar” a proposta da Comissão. O compromisso foi mantido (desta vez): a França bloqueou as negociações europeias, multiplicando os pedidos de isenção, principalmente sobre derivativos, uma especialidade dos bancos franceses.
Em janeiro de 2014, Moscovici organizou uma cúpula franco-alemã para garantir um compromisso “realista”: “Se fizermos que não haja mais mercados financeiros na Europa, que não haja mais Bolsas na Europa”, advertiu, “os recursos financeiros irão para Londres” (France Info, 27 jan. 2014). Mas os esforços do governo francês esbarraram na determinação de alguns de seus parceiros, em particular a Alemanha. A chanceler do país não pretendia ceder: a TTF europeia “ampla” aparece em destaque no acordo de coalizão que ela concluiu em novembro de 2013 com os sociais-democratas para formar seu governo. A cúpula franco-alemã fracassou: a Alemanha recusou-se a endossar as isenções propostas pela França.
No dia 9 de julho de 2014, por ocasião dos encontros internacionais da Paris Europlace, o novo ministro das Finanças francês, Michel Sapin, confirmou que não aceitaria “um projeto desequilibrado para nossa praça financeira”. Mas a obstinação da França não adiantou. Em dezembro de 2014, os ministros das Finanças dos onze países envolvidos no projeto da TTF europeia rejeitaram sua proposta. Em 30 de março de 2015, França e Alemanha finalmente conseguiram chegar a uma posição comum: um imposto amplo com taxas baixas. “A França estará de volta à iniciativa para que o imposto esteja pronto quando chegar a hora, ou seja, durante a COP21”,11 prometeu um decidido François Hollande em relação à Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que ocorreria em Paris no fim de 2015.
Com sucessivas tergiversações, as negociações tornam-se infindáveis. Algumas delegações pediram isenções; a Estônia se retirou. Isso não põe em questão o processo de cooperação reforçada, que exige a participação de pelo menos nove países, mas, segundo Sapin, que expressou sua “preocupação”, as negociações estariam “congeladas”.12 As dificuldades políticas na Espanha e na Eslováquia impediriam esses Estados de dar seu apoio até o próximo prazo estabelecido, junho de 2016. “O imposto sobre transações financeiras morre lentamente”, disse o jornal financeiro alemão Handelsblatt.13 Porém, para Peter Wahl, economista alemão e militante histórico pela TTF, um acordo, mesmo que decepcionante, deve ocorrer. Um fracasso a esta altura teria um custo político significativo para Hollande e Merkel. Mas continuaremos longe do entusiasmado projeto de James Tobin…
Frédéric Lemaire é membro da Associação para a Taxação das Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos (Attac) e do Centro de Economia da Universidade Paris-Nord (Cepn).