A lógica do sistema de poder brasileiro
O que fazer após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, concretizado no dia 12 de maio? O Le Monde Diplomatique Brasil convidou pensadores e lutadores sociais de diversos matizes para debater como lidar com a crise e trabalhar com certos elementos, como a guerra das ideias, as eleições municipais de outubro e a orCarlos Humberto Campos
As primeiras medidas do governo ilegítimo de Temer revelam a desconstrução e a negação dos direitos e conquistas das classes trabalhadoras e das comunidades tradicionais, bem como da luta por uma justa reforma agrária.
Construir os caminhos da resistência vai exigir maior politização e mobilização dos setores sociais. Vai demandar também o retorno e o restabelecimento da capacidade do trabalho político de base, exigindo uma verdadeira reforma política, cujo modelo atual se configura como um perverso sistema de poder, sustentado pelos grandes meios de comunicação corporativos que historicamente criminalizam os movimentos sociais e a política.
A luta dos movimentos sociais precisa incorporar e assumir o debate da comunicação de forma mais efetiva, para além dos produtos de informação e visibilidade. A comunicação necessita ser reconhecida como instrumento de mobilização e educação política e elemento fundamental na garantia de outros direitos e consciência da cidadania. Democratizar a comunicação é democratizar o sentido da vida, da luta e da resistência dos povos. A comunicação é um alimento básico da democracia.
O momento sociopolítico que a sociedade brasileira atravessa é delicado, sobretudo porque é também de construção das eleições municipais de outubro. Vivemos uma conjuntura pré-eleitoral, que tem um papel importantíssimo na rearticulação das forças políticas sociais nos municípios, base definidora e receptora das políticas públicas. Cabe ao município organizar o atendimento à população na área de saúde, educação, saneamento básico, água e esgoto, lazer, geração de trabalho, assistência social, moradia e transporte coletivo.
As eleições municipais que se aproximam não podem ser vistas apenas como um processo de escolha dos novos prefeitos e vereadores. Elas devem motivar a discussão de alternativas e projetos que garantam melhor qualidade de vida às pessoas. São importantes, pois trazem em seu bojo possibilidades de reencontro das forças políticas locais para a construção do debate, suscitando alternativas de administração pública mais próxima dos cidadãos e criando oportunidades de resgatar a importância do município como base na construção de um novo projeto para o país, onde todas as pessoas possam viver com dignidade. Temos de oxigenar e nutrir o processo das eleições municipais, na perspectiva de superação da crise política de hoje, pois é o município a base da organização política.
Resolver a crise sociopolítica atual passa pela superação de vários aspectos. Não é uma tarefa fácil. Inexoravelmente, exige uma renovação de todos os sujeitos, eleitos e eleitores, mudanças de atitudes, comportamentos pessoais e coletivos. A crise é estrutural, tem suas raízes no projeto de Brasil construído historicamente com estruturas injustas, viciadas e alimentadas pela prática do patrimonialismo corporativista e oligárquico. O vírus oportunista e corruptível reside no conjunto da obra.
Esta crise desnuda a lógica de um sistema de poder, de um paradigma que não dá mais conta de recompor-se e reabilitar-se. É preciso extirpar o modelo com uma autêntica reforma política, sair da democracia representativa para a participativa direta, o povo votando sobre todas as decisões importantes diretamente. É outra lógica, outro olhar, outra imagem de fazer política como a arte do bem comum.
A superação da atual crise política não virá por decreto ou medidas unilaterais; ela nascerá da capacidade de reconstrução de formas de convivência e de explicitação de vivências solidárias e respeitosas, até então pouco valorizadas.
É dessa perspectiva que surgem possibilidades de reações que nos impelem a desconstruir o “velho”, o “arcaico”, que sempre justifica a ordem estabelecida, e construir o “novo”, a nova ordem. Isso requer um processo longo de desenvolvimento humano e social, mas é uma condição necessária para as pessoas crescerem na consciência humana, social, política e econômica. A ação política é humana, por isso ela tem de ser humanizada!
Carlos Humberto Campos é sociólogo, assessor da Cáritas Brasileira Regional Piauí, coordenador da ASA pelo estado do Piauí e da coordenação do Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido.