À procura do próximo Syriza
Na queda de braço que disputa com Berlim em torno da política de austeridade e da manutenção do pagamento da dívida pública, Atenas procura por apoios. A vitória de Alexis Tsipras, da frente de esquerda Syriza, nas eleições gerais de janeiro de 2015 favoreceu seus potenciais aliados na Europa?Renaud Lambert
Em um ponto, pelo menos, o novo primeiro-ministro grego e seus interlocutores de Bruxelas concordam: a Grécia parece um jogo de dominó montado em precário equilíbrio. Para eles, a perspectiva de que o país se desequilibre suscitava até recentemente imagens de desastre financeiro. Desde a vitória de Alexis Tsipras nas eleições de janeiro, outro cenário de contágio os assusta: o da propagação da ideia de que a austeridade não funciona. Ou seja, exatamente o que Atenas deseja.
Qual seria então a próxima peça a cair? Muito rapidamente, os olhares se voltaram para aqueles países que os mercados financeiros tinham elegantemente associado à Grécia para formar o acrônimo inglês “Pigs” (“porcos”): a Espanha do Podemos,1 é claro, mas também a Irlanda e Portugal, dois países da periferia europeia que têm sido, tal como a Grécia, objeto de planos de “salvação” que lhes impõem programas de ajuste. Dois países onde em breve vão ocorrer eleições legislativas.2
A se acreditar na direita, que está no poder nos dois países, nem Lisboa nem Dublin deverão se beneficiar de uma flexibilização das políticas de Bruxelas. “Nós não somos a Grécia!”, se compraz em repetir o ministro das Finanças irlandês, Michael Noonan, que chegou a pensar em “mandar fazer camisetas com essa mensagem”.3 Em 2014, a Irlanda registrou o mais forte crescimento da União Europeia (4,8%), e Portugal se prepara, segundo o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, “para colher os benefícios das políticas levadas a efeito ao longo dos últimos anos”.4 À metáfora do dominó, Dublin e Lisboa preferem a da sala de aula: “Os gregos poderiam seguir o exemplo da Irlanda”, sugere o primeiro-ministro irlandês, Enda Kenny. “No fim das contas, somos os melhores alunos”5 É um título que Portugal pode igualmente reivindicar, segundo a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde: o diário El País (17 fev. 2015) relata que ela teria aproveitado a reunião dos ministros das Finanças europeus de 16 de fevereiro para opor o “bom aluno” lusitano ao “molenga” helênico.
Para o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, Lisboa demonstrou “que a resposta convencional à crise funciona”.6 No entanto, de acordo com o economista Ricardo Paes Mamede, “em alguns anos, nosso país deu um salto para trás. A produção da riqueza recuou ao nível de cerca de dez anos atrás; o investimento, que prepara o crescimento de amanhã, ao nível de trinta anos atrás. Em consequência, a emigração é comparável à de quarenta anos atrás, na época da ditadura salazarista [1933-1974]”.
Essa catapultagem rumo ao passado é visível no metrô de Lisboa. Os viajantes lisboetas se aglutinam num dos extremos da estação, deixando que os turistas ocupem a outra parte. Tal comportamento se explica quando o trem chega: ele tem apenas metade dos vagões que a estação consegue abrigar, impondo às pessoas que estão de férias uma pequena corrida a pé para poder subir a bordo. “A medida visa economizar eletricidade”, explica Paes Mamede, com um sorriso desiludido. “É uma das manifestações da austeridade.”
Se a crise se revelou tão violenta em Portugal, prossegue, foi porque ela ceifou um país que, ao contrário da Grécia ou da Irlanda, estava em crise desde o início do século XXI. Em outras palavras, a crise do euro transformou um escorregão prolongado em uma grande derrapagem.
Segundo a Comissão Europeia, Portugal se distingue pelos cortes operados nos programas sociais entre 2011 e 2013, os mais severos do Velho Continente. O país também fez maravilhas no campo do “custo do trabalho”: entre 2006 e 2012, nos diz o cientista político André Freire, autor de um estudo sobre o assunto,7 “o número de assalariados que recebem salário mínimo passou de 133 mil para 400 mil, em uma população ativa de cerca de 5 milhões de pessoas”. Perto de 30% estão sem emprego.8 É um esforço que o governo pretende levar a cabo, para grande felicidade do Jornal de Negócios. Esse diário, que trata de temas econômicos, alegrou-se recentemente por Lisboa ter registrado no terceiro trimestre de 2014 “a mais forte queda do custo do trabalho da União Europeia” (20 mar. 2015).
“No entanto, como na Grécia, a dívida continua a aumentar”, suspira Paes Mamede. De 96,2% do PIB em 2010, ela saltou para 128,9% em 2014. Tal carga conduz a uma garfada de 4,5% do conjunto das riquezas produzidas a cada ano unicamente para o pagamento dos juros, ou seja, mais do que a Grécia, onde, graças ao programa de ajuda, as taxas de juros são menores… Estudo recente do FMI concluiu que Portugal não conseguirá honrar os tratados orçamentários,9 que preveem o retorno a um déficit de 3% do PIB e a um nível de endividamento inferior a 60% do PIB. “Ao contrário do que o governo afirma, o remédio não está funcionando”, conclui o economista.
Tal situação teria levado Lisboa a querer negociar a flexibilização dos tratados, até mesmo uma reestruturação de sua dívida; em suma, a apoiar os esforços de Atenas. Mas não: é preciso ir mais longe, responde pelo contrário o primeiro-ministro português, para que “as reformas das contas públicas e da economia constituam um novo modo de vida que se deve adotar hoje de forma permanente”.10
Jogado do alto, até mesmo um gato morto quica
Segundo Tom McDonnell, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Nevin (Neri), a recente retomada irlandesa, celebrada por uma imprensa internacional sempre sensível ao “modelo irlandês”,11 seria “largamente exagerada”: “É verdade que algumas coisas começaram a melhorar, mas isso acontece em grande parte porque a queda foi particularmente forte”, comenta, antes de deixar escapar: “Quando o lançamos de uma altura muito alta, até mesmo um gato morto quica”. Enquanto o PIB recuou mais de 12% entre 2008 e 2010, “o país perdeu um emprego em cada sete. E aqueles que foram criados são em geral mal remunerados, em tempo parcial e concentrados na capital”.
O fato é que, em 2014, a taxa de crescimento da Irlanda suscitou o ciúme de Paris, Lisboa e Atenas. No fim das contas, isso não reforçaria a ideia de que a “determinação em reformar” compensa, como sugere a revista norte-americana Newsweek (16 mar. 2015)? Na verdade, não, responde Paes Mamede: “A diferença entre Portugal, Grécia e Irlanda é que os dois primeiros fazem parte da economia europeia; já a Irlanda pertence à economia norte-americana”.
Na época da supressão das barreiras alfandegárias dentro da União Europeia, em 1986, as empresas norte-americanas tentaram usufruir as mesmas vantagens daquelas do Velho Continente; e é a Irlanda que lhes permite fazer isso. Ela lhes oferece ainda por cima uma mão de obra educada e anglófona, assim como um regime fiscal gentil. De seu escritório dublinense, McDonnell resume: “A Irlanda apresenta de um lado uma economia similar à de Portugal, que não exibe resultados melhores. E, de outro, outra economia, caída de paraquedas dos Estados Unidos, caracterizada por empregos com forte valor agregado”. Enquanto a União Europeia ficou estagnada, Washington exibiu um salto de cerca de 2,4% em 2014, trazendo em seu rastro a pequena ilha esmeralda.
A austeridade também quase não teve impacto sobre o enclave norte-americano na Irlanda, e sim sobre o resto da sociedade. Em outubro de 2014, o presidente da associação dos consultores hospitalares, Gerard Crotty, denunciou “golpes nos orçamentos da saúde”, que deram origem segundo ele a uma “mortalidade extra dos pacientes em espera num leito de hospital”.12 Os desenvolvimentos dos contratos chamados de “zero hora”, que obrigam a se manter à disposição do empregador a qualquer momento do dia por um mínimo garantido de 15 horas pagas por semana, e o aumento dos empregos em tempo parcial jogaram um assalariado em cada seis para baixo da linha de pobreza. Se, em alguns bairros chiques da capital, se fala no retorno do “tigre celta”, seu rugido permanece inaudível no resto do país.
Contrariamente aos fardos grego e português, a dívida irlandesa, no entanto, diminui, graças sobretudo ao vigor do crescimento. Nesse campo, o país registrou o melhor resultado da União Europeia entre 2013 e 2014: uma queda de 9,4 pontos percentuais para chegar a 114,8% do PIB. “Mas os números do PIB irlandês são enganadores”, prossegue McDonnell. “O peso das multinacionais é tal e os lucros repatriados são tão expressivos que o PIB superavalia a produção de riqueza real.”
A suposta sustentabilidade da dívida irlandesa se explica, aliás, por um truque de mágica em relação ao qual ficamos espantados que não tenha contrariado ainda mais o BCE. Incapaz de se financiar nos mercados para socorrer seus bancos moribundos, Dublin decidiu em 2010 emitir certificados de reconhecimento de dívida destinados a permitir aos estabelecimentos em dificuldade se financiarem com a ajuda do Banco Central irlandês. O total emprestado alcança 31 bilhões de euros, ou seja, 19% do PIB. “Na verdade, trata-se de uma operação de monetização da dívida”, resume McDonnell. “O Banco Central simplesmente criou 31 bilhões de euros numa tela de computador” – uma operação considerada ilegal dentro da zona do euro…
“É certo que o BCE não está contente”, confia-nos Dominic Hannigan, deputado do Partido Trabalhista (centro-esquerda), que governa o país numa coalizão formada com o Fine Gael (direita). “Mas, na época, tínhamos decidido garantir as dívidas de nossos bancos sob a pressão de Bruxelas.” Em janeiro de 2010, o ex-diretor do BCE Jean-Claude Trichet tinha chamado o ministro das Finanças irlandês da época para lhe pedir que “salvasse os bancos a qualquer preço”. “De certa maneira”, prossegue Hannigan, “a Irlanda aceitou se sacrificar pelo resto da Europa. Isso bem que merecia uma mãozinha!” – o tipo de mãozinha que a Grécia não parece merecer em 2015.
O BCE, no entanto, espera que a ilha regularize sua situação; Dublin deseja, ao contrário, adiar tanto quanto possível a resolução. Por que, nessas condições, não juntar sua voz àquela de Atenas para exigir mais flexibilidade por parte de Bruxelas e Frankfurt? “Por medo de que outro país obtenha um tratamento preferencial agora que os irlandeses já engoliram uma forte dose de austeridade”, responde o deputado Sean Kyne, do Fine Gael. Em outras palavras, mais vale arriscar degradar sua própria situação do que ver Atenas demonstrar a inutilidade da austeridade e o dominó grego acabar levando o irlandês…
Dentro da esquerda antiausteridade, a análise difere, naturalmente. Na Irlanda, o partido mais próximo do Syriza se chama Sinn Féin, o ex-braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA). “A vitória de Tsipras foi positiva para nós”, declara Mairead Farrell, vereadora do Sinn Féin na cidade de Galway. “Ela demonstrou que partidos antiausteridade teriam condições de chegar ao poder na Europa.”
Assim como a Grécia, a Irlanda sofreu desde o começo da crise do euro uma decomposição de sua paisagem política. “Entre 1932 e 2002, os dois partidos de direita gêmeos, o Fine Gael e o Fianna Fáil, conquistaram cerca de 75% dos votos a cada escrutínio”, lembra o sociólogo Kieran Allen. “Por seu lado, o Labour obteve cerca de 10% dos votos. Portanto, durante mais de setenta anos, a Irlanda funcionou com dois partidos e meio. Isso parece ter terminado.” Principal beneficiário dessa inversão, o Sinn Féin tornou-se um dos partidos mais populares do país, com avanço nas eleições legislativas de 2011 (de quatro a catorze cadeiras num Parlamento que conta com 166) e depois, em março de 2015, com as intenções de voto passando perto dos 25% pela primeira vez em sua história – situação inimaginável antes da irrupção da crise.
Mais próximo da Grécia que da Irlanda no plano demográfico, Portugal se distingue dela no plano político. Aqui, não há nenhum enfraquecimento similar dos dois grandes partidos: a “esquerda radical” não parece – no momento – estar em condições de tomar o poder. E isso por duas razões principais. De um lado, o exemplo do Podemos levou a uma multiplicação de iniciativas que visam imitar sua “receita”, mas esquecendo o principal ingrediente: o movimento social 15 Maio, que não teve equivalente em Portugal. Desse modo, cada um chama para a unidade… criando sua própria estrutura. Ao lado do PCP (fundado em 1923) e do Bloco de Esquerda (aliado tradicional do Syriza, fundado em 1999), a esquerda portuguesa conta cada vez mais com o Tempo de Avançar (criado em 2014), o Agir ou ainda o Juntos Podemos (ambos criados em 2015). Os êmulos de Tsipras disputam entre si; e nenhum deles realmente ameaça Bruxelas.
“Austeridade sim, mas não em dose dupla”
Um segundo fenômeno reforça a alternância entre os partidos tradicionais: a singular determinação da direita em ir “mais longe que os objetivos exigidos pela Troika”, como anunciou Passos Coelho na noite de sua vitória nas eleições legislativas de junho de 2011. Certamente, como seu homólogo francês, o Partido Socialista (PS) português13 fez muito para desregulamentar a economia e privatizar; foi o líder socialista José Sócrates, hoje preso por corrupção, que assinou o acordo com a Troika aplicado por seu sucessor. No entanto, José Vieira da Silva, ex-ministro socialista, não está totalmente errado quando censura seus críticos de esquerda por se mostrarem muito injustos: não, o PS não praticaria a “mesma política” que o Partido Social-Democrata (PSD) de Passos Coelho (que definitivamente não tem mais nada de social-democrata). O programa dos “socialistas”? “Austeridade sim, mas não uma dose dupla”, afirma… Podemos duvidar do poder mobilizador de tal ambição. Ela parece, no entanto, ser suficiente para alimentar a esperança de uma “ruptura” por parte de um bom número de eleitores, permitindo ao PS sugerir que ele não é o Partido Socialista grego (Pasok), em colapso, nem o Syriza, com um programa político muito “extremista” para seu gosto.
Para a esquerda do PS português, o exemplo grego permitiu, no entanto, dar vida à esperança: “outro” partido chegando ao poder para conduzir “outra” política. Bruxelas e Berlim se dedicaram, porém, a complicar as coisas: se Tsipras realmente chegou ao poder, nada indica que a chanceler alemã, Angela Merkel, o autorizará a pôr em prática a política pela qual foi eleito.
“A questão são as negociações em curso entre a Grécia e a Alemanha. E eu me confesso preocupado”, diz Octávio Teixeira, militante do PCP, que pode receber 10% dos votos na próxima eleição. “Se Tsipras impuser seu ponto de vista, evidentemente isso será positivo para as forças antiausteridade. Mas, se ele capitular ou fizer concessões demais, a Europa terá demonstrado que não há outra política possível. Para nós, seria catastrófico.”
Isso a menos que a determinação de Atenas acabe por levar à sua exclusão da zona do euro – um cenário temido pelo Sinn Féin. “Se a Grécia saísse do euro”, analisa Eoin Ó Broin, um dos estrategistas do partido, “a direita esfregaria as mãos: ‘Vote no Sinn Féin e veja o que vai acontecer!’.” Enquanto até o início do mês de março, o líder histórico do partido nacionalista, Gerard (“Gerry”) Adams, não perdia uma ocasião de lembrar a “relação fraterna” que une o Sinn Féin e o Syriza, Ó Broin admite que, “há algum tempo, nós nos mostramos mais discretos sobre essa proximidade”.
Além de seu papel de ponto de articulação entre os mercados norte-americano e europeu, Dublin desfruta aquilo que o economista Tom McDonnell qualifica de legislação “particularmente odiosa” em matéria fiscal. Taxa de imposto das empresas de 12,5% (contra uma média de 25,9% na União Europeia em 2014), profusão de nichos que favorecem a elisão fiscal: a Irlanda ultrapassa atualmente as Bermudas na lista dos principais paraísos fiscais do planeta. “Nós nos comportamos de maneira egoísta, roubando lucros que deveriam abastecer os caixas de outros Estados”, resume McDonnell. Com isso, hoje em dia o euro beneficia a Irlanda, ou, mais exatamente, os irlandeses mais favorecidos pela sorte.
“O Sinn Féin se opôs à entrada da Irlanda no euro”, retoma Ó Broin. “Mas sair hoje teria um custo exagerado. Não temos nenhuma ilusão quanto ao projeto político da zona do euro, mas desejamos tentar transformá-la por dentro.” Ora, nesse campo como nos outros, o partido – que se atribui a tradição social-democrata escandinava – mostra-se prudente. “Os tratados orçamentários são absolutamente malucos: do ponto de vista econômico, não se sustentam”, insiste Ó Broin. Seria então o caso de renegociá-los? “Somos favoráveis a uma revisão completa dos textos, mas a Irlanda é um dos países mais periféricos da União Europeia. Aos olhos da Comissão Europeia, não temos nenhuma importância. Nosso projeto consiste mais em servir de aliado confiável a países do centro – como a França – que poderiam tentar obter vantagens de flexibilidade.” Será preciso se armar de muita paciência…
Até lá, o Sinn Féin se propõe a encontrar uma margem de manobra no quadro dos tratados, sem modificar o regime fiscal irlandês. Seu projeto para a próxima eleição? “Um programa que não mexa com a segurança econômica daqueles que a desfrutam, mas possa criar empregos”, detalha Ó Broin. Em suma, um projeto “socialmente justo, economicamente crível e responsável em termos fiscais”, que não exclui a possibilidade de formar uma coalizão com um partido de direita, desde que o Sinn Féin seja o elemento majoritário dela. “Alguns dirão que não somos muito prudentes. Isso talvez seja verdade. Mas o problema, para a esquerda, é que ela precisa vencer as eleições…”
Para a Goldman Sachs, já é muito: “A ascensão do Sinn Féin representa a principal ameaça para o crescimento irlandês”.14 A esquerda irlandesa – que estimula os nacionalistas por meio da luta contra o fim da gratuidade da água – tem dificuldade de compreender a inquietação dos banqueiros. O Sinn Féin não colocou em prática medidas de austeridade no norte da Irlanda, onde divide o poder com os unionistas desde o acordo da Sexta-Feira Santa, em 1998? Ó Broin se defende: “No norte, o governo não é soberano: é Londres que nos impõe a maior parte das medidas, e nós nos dedicamos a retardá-las ou a modificá-las”. Essa situação de tutela se parece estranhamente com aquela na qual a dívida e os tratados europeus mergulham a maior parte dos membros da zona do euro. Mas Ó Broin derruba o argumento: “Temos a experiência de longas negociações, como aquelas que restabeleceram a paz na Irlanda do Norte. Sabemos que isso demora”.
Dominó ou pega-varetas?
Na Irlanda, o partido mais próximo do Syriza não adota sua retórica combativa. Nada indica que Tsipras possa contar com mais reforços por parte de Portugal, onde o PS parece bem posicionado para ganhar as próximas eleições. Sua hegemonia chegou a convencer os líderes de partidos antiausteridade a vislumbrar uma aliança com ele.
“Com que objetivo?”, pergunta Francisco Louçã, ex-coordenador do Bloco de Esquerda. “Tentar negociar com Bruxelas contando com o apoio de Paris?” Na imprensa portuguesa, “hollandização” é hoje sinônimo de “capitulação”.15 “Uma loucura! É o que demonstra a experiência grega. Sabemos hoje que a zona do euro não vai tolerar um governo de esquerda. Como imaginar que o equivalente político de um Pasok moderado chegue a conseguir em Portugal aquilo que o Syriza até hoje não foi capaz de obter? A ideia de mudar o PS para que ele mesmo mude a Europa é uma estratégia de desespero! A única via – e é aliás o que mostraram o Syriza e o Podemos – consiste na ruptura com a social-democracia: o Pasok, o Psoe [Partido Socialista Trabalhador Espanhol] e o PS português.” Ruptura com a social-democracia de um lado; ruptura com o euro de outro. Louçã, que quando dirigia o Bloco de Esquerda por vezes se opôs violentamente a essa ideia, começou a se alinhar a ela, constatando que “não havia outra solução”.
“O euro se revelou uma ferramenta muito eficaz para destruir o Estado-providência na Europa”, analisa o economista Paes Mamede. “Quando a economia encolhe, os governos só podem adotar uma política: a desvalorização interna, pela amputação dos salários. Quando o crescimento é retomado, nada os obriga a aumentá-los.” Tal projeto, conclui, “condena a região a uma deflação permanente que não é viável nem economicamente, nem politicamente, nem socialmente”.
A situação do Bloco de Esquerda ilustra o impasse no qual se encontram as forças antiausteridade alguns meses após a vitória de Tsipras. Como Bruxelas e Berlim se recusam a negociar, denunciar as políticas europeias, o bipartidarismo ou a corrupção não é suficiente. É preciso agora responder à pergunta: até onde levar a batalha? Travar o combate implica se preparar para uma saída do euro? A perspectiva se mostra delicada em Portugal, onde a Europa encarna ao mesmo tempo o retorno à democracia, após a longa ditadura salazarista, e uma porta de acesso ao “Primeiro Mundo”.
Estratégia ou convicção internacionalista, o Bloco explica que não abandonou a ideia de um “bom euro”. Espremido entre um PCP agora mais claramente favorável a uma saída do euro e um PS que parece acreditar numa guinada europeia sob a batuta do novo presidente da Comissão, Jean Claude Juncker, ele se vê constrangido a defender a solução de um verdadeiro braço de ferro com Bruxelas… ao mesmo tempo que constata que o Syriza a partir de agora já aplainou suas próprias reivindicações. Raros são aqueles que preveem para o partido um bom resultado nas próximas eleições.
Bruxelas se aplica, no entanto, em modificar a relação dos portugueses com a União Europeia… “As reformas do mercado de trabalho dos últimos anos condenam Portugal a ser aquilo que ele sempre foi e que ele tinha tentado não ser mais: um fornecedor de mão de obra barata”, afirma a deputada socialista Inês de Medeiros. “A Europa impulsiona Portugal a retomar seu lugar de país subalterno.” Pessimismo da razão, otimismo da vontade? “A Europa, eu ainda acredito nela… Mas está ficando difícil. Não podemos continuar a dizer às pessoas: ‘Seu futuro é não ter futuro!’.”
Acontece que a Europa parece menos com um arranjo de dominós do que com um jogo de pega-varetas, com cada jogador tentando tirar seu palito sem ser levado pelo caos generalizado.
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Principais partidos no Parlamento
Irlanda
• Fine Gael (direita)
• Fianna Fáil (direita)
• Labour (centro-esquerda)
• Sinn Féin (esquerda)
• Partido Socialista (esquerda)
Portugal
• Centro Democrático e Social –
Partido Popular (direita)
• Partido Social-Democrata (direita)
• Partido Socialista (centro-esquerda)
• Verdes (centro-esquerda)
• Bloco de Esquerda (esquerda)
• Partido Comunista (esquerda)
Renaud Lambert é jornalista.