À sombra da China, as relações indo-vietnamitas
A rápida modernização do exército chinês, associada ao Desenvolvimento econômico espetacular que o país conhece, incomoda seus vizinhos e leva-os a se interrogar sobre sua doutrina de “emergência pacífica”. Da Índia ao Vietnã, passando pelo Japão, cada qual se aproxima dos EUA p/ tentar conter PequimSadruddin Aga Khan
A amaar naam tomaar naam – Vietnam Vietnam”, “Meu nome, teu nome – Vietnã, Vietnã!” Do final dos anos 1960 até meados dos anos 1970, esse bordão, bramido em bengali, era o grito de guerra dos estudantes de Calcutá para expressar sua solidariedade para com o povo vietnamita e mostrar sua desaprovação ao imperialismo dos Estados Unidos.
Hoje em dia, em um contexto de declínio da supremacia norte-americana e de recomposição dos poderes em uma variedade de polos e redes baseadas tanto na cooperação como na competição, a Índia, assim como o Vietnã, está se aproximando aos poucos dos Estados Unidos, porém se recusando a selar qualquer aliança formal.
Em paralelo, os dois países estão trabalhando para a consolidação de suas relações bilaterais: ainda que de importância desigual, essas duas potências emergentes têm efetivamente vários interesses econômicos e geopolíticos comuns.
A Índia, por exemplo, interessa-se pelo setor energético vietnamita, capaz de alimentar sua economia em franco crescimento. Permanentemente em busca de novas jazidas pelo mundo, os gigantes indianos da energia estão de olho nas reservas de gás vietnamitas no Mar da China Meridional. Para Hanói, seus investimentos constituem uma fonte de especialização em termos de tecnologia, organização e marketing, permitindo liberar-se de uma dependência demasiada dos países ocidentais ou da China. Impedir Pequim de pôr a mão na integralidade dos vastos recursos submarinos do Sudeste da Ásia constitui, além disso, uma grande preocupação para Nova Déli – aliás, compartilhada por Hanói.
A expansão da frota chinesa na região – com a construção de uma base naval na Baía de Sanya (Hainan) − obrigou o Vietnã a modernizar suas próprias forças armadas, especialmente a Marinha. A Índia ofereceu sua cooperação nesse campo, com a construção de navios modernos e o fornecimento de armas ofensivas de ponta, como os mísseis de cruzeiro supersônicos Brahmos, contra os quais a China, com seu atual nível tecnológico, não pode se defender. Em contrapartida, a frota indiana pretende utilizar o porto e o estaleiro – importantes – do construtor naval Vinashin para ancorar seus próprios barcos.
Além disso, o Vietnã possui uma quantidade considerável de equipamentos militares herdados da era soviética, cuja manutenção e modernização poderia querer confiar aos indianos, que têm um know-how incontestável nesse assunto. Considerando-se por outro lado que as armas adquiridas por Hanói são sobretudo de fabricação russa, como os submarinos diesel-elétricos da classe Kilo recentemente encomendados ou os aviões de combate Su-30, o parceiro indiano poderia ter no futuro um papel fundamental para garantir a reativação operacional do exército vietnamita. Acordos idênticos, firmados com vários países da região, em especial com a Malásia, facilitaram as vendas de armas russas em diversos mercados.
Outra maneira de ajudar o exército vietnamita a entrar no século XXI implica facilitar a integração em rede de suas capacidades descentralizadas de defesa, colocando a seu serviço as competências da próspera indústria de informática indiana. É essencialmente o que propôs o ministro da Defesa indiano, Arackaparambil Kurian Antony, durante sua visita em outubro de 2010. “A Índia dá uma grande importância a suas relações com o Vietnã. Ela está pronta para ajudá-lo no campo da formação técnica e do ensino do inglês, entre outras coisas.”
Em matéria de tecnologia nuclear civil, a Índia também possui tecnologias necessárias ao Vietnã, como os menores reatores do mundo, perfeitamente adaptados para países com rede elétrica modesta. Ao escolher desenvolver um parque com vários reatores desse tipo, o Vietnã evitaria os cortes de eletricidade em decorrência de panes técnicas ou de operações de manutenção, frequentes quando uma rede depende completamente de um único reator de capacidade maior.
Relações comerciais
Dessa maneira, da engenharia à eletrônica e da indústria farmacêutica à agricultura, passando pelas atividades marítimas, a cooperação entre os dois países se desenvolve e as trocas comerciais se multiplicam: em 2009-2010, atingiram US$ 2,36 bilhões, dos quais 80% representam as exportações da Índia para o Vietnã.
Em janeiro de 2011, em uma reunião bilateral sobre as relações comerciais ocorrida em Calcutá, o embaixador do Vietnã na Índia declarou: “Estou convencido de que, graças aos esforços dos homens de negócios de ambas as partes, as relações comerciais e os investimentos só poderão se reforçar e se desenvolver”. Se essas palavras se aplicavam essencialmente às relações do Vietnã com o Estado do Bengala Ocidental e Calcutá, sua capital, elas também refletiam o estado das relações na escala das duas nações. Os vínculos entre Estados dependem, de agora em diante, tanto de uma sólida rede de interações econômicas entre empresários como da profundidade das relações estratégicas nacionais.
Contudo, os envolvimentos da Índia atendem, por enquanto, à sua doutrina de reciprocidade com a China. Ao modernizar suas forças armadas e instalar novas infraestruturas militares ao longo da fronteira sino-indiana, Pequim recentemente fez subir as ofertas, irritando seu vizinho com a questão da Caxemira e, por outro lado, aproximando-se da Birmânia, do Nepal, de Bangladesh e do Sri Lanka, todos limítrofes da Índia – ao mesmo tempo que cimentou um pouco mais sua “amizade indefectível” com o Paquistão. A preocupação da Índia com o avanço da China em alguns desses países aumenta com os acordos concluídos para o desenvolvimento de infraestruturas portuárias e de venda de armas.
O Paquistão continua recebendo mísseis chineses e se beneficia com a tecnologia nuclear do Império do Meio − um fato que está longe de passar despercebido em Nova Déli. Em uma lógica de escalada, alguns especialistas indianos exigem que seja finalizada a proposta, que ficara em aberto, de fornecer para o Vietnã mísseis balísticos Prithvi de curto alcance (150 a 350 quilômetros). A Índia poderia decidir marcar uma presença permanente no Mar da China Meridional aproveitando-se da reabertura da base aeronaval da Baía de Cam Ranh. Isso dependerá da capacidade de Pequim de convencer Nova Déli da natureza puramente comercial de seus projetos portuários de Gwadar, no Paquistão, e de Hambantota, no Sri Lanka. No atual estágio, a Índia deveria se contentar com o direito de ancoragem concedido por Hanói.
A rápida modernização do exército chinês, associada ao desenvolvimento econômico espetacular que o país conhece, incomoda seus vizinhos e leva-os a se interrogar sobre sua doutrina de “emergência pacífica”. Da Índia ao Vietnã, passando pelo Japão, cada qual se aproxima dos Estados Unidos para tentar conter Pequim. Entretanto, os países asiáticos observam que os Estados Unidos permanecem uma potência longínqua e que somente um reforço das relações interasiáticas permitirá trazer uma resposta perene ao desafio que lhes é lançado. Nesse contexto, a amizade indo-vietnamita poderia se tornar um dos futuros pilares da estabilidade na Ásia