Aix-Marseille, laboratório das fusões universitárias
Fundadas para disseminar conhecimentos e preparar a pesquisa, as universidades francesas se transformam. Para se posicionarem no grande mercado mundial do ensino superior, os estabelecimentos tornados “autônomos” pela reforma de 2007 se fundem. E as exigências científicas e pedagógicas fundamentais se chocam com a expaChristelle Gérand
Dominando o Vieux Port com a graça imponente de sua arquitetura imperial, a sede da reitoria da Universidade de Aix-Marseille (AMU) dá o tom. Com 74 mil estudantes, o estabelecimento – criado em 1º de janeiro de 2012 por meio da fusão da Universidade de Provence, da Universidade do Mediterrâneo e da Universidade Paul-Cézanne – orgulha-se de ter se tornado a maior universidade francófona do mundo. Projeto desde sempre “metropolitano”, sua bandeira turquesa e amarela com fundo branco tremula sob o céu de Aix-en-Provence a Marselha.
“Uma universidade de ambições internacionais”, proclama o slogan da AMU em todos os folhetos publicitários. A fusão deve permitir que as faculdades atinjam porte suficiente para se expandir além das fronteiras da França continental. O movimento foi iniciado pela Universidade de Estrasburgo, em 2009, e apoiado por Valérie Pécresse, ministra do Ensino Superior (2007-2011) do governo de François Fillon, que prometeu “consertar os estragos de Maio de 68”.1 “Somos fichinha para Xangai”, lamentou em julho de 2013 sua sucessora socialista, Geneviève Fioraso.2 Como os agrupamentos universitários seriam considerados “nas classificações internacionais de 2015”, a lei de 22 de julho de 2013, chamada Lei Fioraso, deu um ano para as universidades realizarem sua fusão ou agrupamento sob a forma de comunidade ou associação.
Na verdade, segundo o historiador Christophe Charle, a utilidade dessas classificações “reside menos na informação fornecida do que na justificativa […] de decisões políticas ou administrativas para forçar as instituições e o pessoal a evoluir e disciplinar-se em função de objetivos definidos de cima para baixo e em completa contradição com a exaltação paralela da autonomia e do espírito de inovação”.3 Como cinco dos seis critérios da classificação de Xangai são medidos pela quantidade (número de ex-alunos agraciados com o Prêmio Nobel ou a Medalha Fields, quantidade de artigos publicados nas revistas Nature e Science etc.), o que favorece os estabelecimentos de grande porte, a França aposta no gigantismo para subir na lista. Desde a fusão, a AMU avançou cem posições. Mas Harvard, Stanford e o Massachusetts Institute of Technology (MIT), que seguem na dianteira, abrigam entre 10 mil e 20 mil alunos: números incomparáveis aos da AMU.
Atraso nos salários dos temporários
O relatório dos senadores Jacques Grosperrin (Os Republicanos) e Dominique Gillot (Partido Socialista) destaca esses “quase monstros”, cuja concepção não deve nada ao azar: ela é parte da lógica que levou à reorganização das regiões ou à criação das metrópoles e comunidades de aglomeração. A fragmentação das instituições seria a causa da “dilapidação” das finanças públicas; desse modo, seria necessário operar uniões para criar força, eficiência e competitividade em escala internacional. Mas essas reorganizações dedicadas a “favorecer o compartilhamento de competências”, e assim economizar, são caras. Dos mil postos de trabalho criados em 2015 pelo governo para o ensino superior, 348 foram investidos no funcionamento dessas novas estruturas, indica o relatório produzido pela Comissão para a Cultura, Educação e Comunicação.4
A universidade-mastodonte ainda está em construção – no sentido próprio e figurado –, mas seu reitor, Yvon Berland, já pode comemorar: embora a esmagadora maioria do pessoal desaprovasse a fusão em 2004, quando ela fazia parte de suas promessas, hoje seus opositores são cada vez mais raros. “A Universidade Aix-Marseille ganhou tal visibilidade em nível local, nacional e internacional que ser contrário é meio estúpido”, lança o sexagenário em sua ampla sala com vista para o mar. No entanto, após quatro anos de existência, o rolo compressor de 8 mil funcionários ainda sofre com problemas logísticos e estruturais.
Um professor convidado, funcionário público temporário que deseja permanecer anônimo para não comprometer suas chances de ter o contrato renovado, recorda um problema enfrentado em 2015: não havia serviço habilitado para cuidar dos temas do exame dos alunos com deficiência. Então ele teve de “se virar”, criando uma solução com a “missão para os deficientes” e a escolaridade. “Nem sabíamos se era legal”, revela ele em uma sala da novíssima Casa da Pesquisa de Aix-en-Provence. O edifício, inaugurado com grande pompa por Jean-Marc Ayrault, então primeiro-ministro, é o extremo oposto do resto do campus, construído na década de 1960 e hoje cheio de grafites e instalações elétricas penduradas no teto. Graças ao projeto Campus, passarela aérea, pátios e edifícios ultramodernos logo substituirão as redes de segurança. A AMU está entre os dez campi selecionados para o projeto em 2008 e recebeu 500 milhões de euros do Estado, mais 300 milhões das coletividades territoriais.
Enquanto aguarda, o jovem professor convidado dá aulas em salas pré-fabricadas. Doutorando, ele tem um estatuto ambíguo de funcionário-estudante, mas, três meses após as férias de 2015, ainda estava esperando seu cartão de estudante, pré-requisito indispensável para assinar seu contrato. Como os cursos tinham se iniciado, ele começou a trabalhar “clandestinamente, na verdade”, e não tinha direito a nenhum benefício – especialmente o cartão ZOU!, que custeia o deslocamento entre a residência e o local de estudos. Esses vários problemas de gestão aborreceriam menos se também não envolvessem seu pagamento… A universidade deve ao doutorando 3.600 euros, montante já magro para quem deu três cursos de 24 horas cada, mais preparação e correção.
Um “funcionário administrativo” (não há “secretários” na AMU) lamenta: “Não sabemos se as pessoas cuja contratação requeremos serão contratadas, não há nenhuma visibilidade sobre o que se passa acima de nós, mas é conosco que elas vêm reclamar. Temos o mesmo problema com o pagamento. Encaminhamos as informações ao chefe, depois ao DRH [Diretório de Recursos Humanos] de nossa UFR [unidade de formação e pesquisa], que o envia ao DRH da universidade. Tudo é tratado pela reitoria; os DRH das UFR não têm acesso nem aos arquivos dos funcionários, são apenas correia de transmissão. Antes, havia problemas de pagamento porque faltava pessoal. Agora nem sabemos por quê…”.
Condições de trabalho degradadas
Outro “funcionário administrativo” fala sobre a multiplicação de níveis gerada pela fusão: “Veja o exemplo da DEV [Direção dos Estudos e da Vida Estudantil]. Uma informação sai na segunda-feira da DEV da AMU, na sede da universidade. Até chegar aqui, leva no mínimo cinco dias. Se os documentos precisam ser resolvidos em duas semanas, já ficamos sob mais pressão para não atrasar. Antes, recebíamos as informações quase diretamente”. Berland, que além de assumir a reitoria da AMU continua chefiando o centro hospitalar da universidade, diz entender o descontentamento: “Estou sempre brigando com o hospital por causa da complicação, mas como responsável preciso conhecer tudo para poder delegar”, justifica.
Como não são obrigados à mobilidade geográfica, muitos funcionários administrativos tiveram de mudar de função, e a “tutoria” prevista – formação dos novos pelos veteranos – nem sempre foi efetivada. Os próprios cargos foram profundamente transformados pela reorganização dos departamentos e também pelas novas práticas e softwares que continuam a ser introduzidos. O tempo todo é necessário “ir atrás das informações: nunca somos informados sobre as mudanças de procedimentos, então, para cada tarefa, é preciso verificar se o procedimento não mudou, para evitar que o documento volte com um bilhete dizendo: ‘Mudamos de formulário’”, conta outra secretária.
Em abril de 2015, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) da AMU distribuiu seiscentos questionários para avaliar a saúde dos funcionários. Entre a centena que respondeu – em sua maioria agentes da categoria C –, 70% consideram que suas condições de trabalho pioraram após a fusão e se sentem pouco reconhecidos pela instituição; 68% reclamam que tudo é feito sempre com pressa; e quase metade acha que as orientações são muitas vezes contraditórias. Philippe Blanc, secretário-geral da CGT da AMU, considera que seu sindicato prestou auxílio a cerca de cem pessoas desde a fusão. “Nós intervimos junto à direção quando as pessoas não estão bem e precisam mudar de serviço”, explica. “Os funcionários fizeram escolhas padronizadas, mas, quando foram transferidos, sua posição não correspondia necessariamente a suas competências, ou eles não se entendiam com seu chefe direto, e a relação foi se tornando cada vez mais agressiva.” Ele mesmo precisou mudar de serviço: com as redundâncias também criadas pela fusão, ele sofreu uma crise de bore-out, síndrome de esgotamento devido ao tédio no trabalho. “Com a reestruturação, meu serviço de higiene e segurança passou a ter um chefe na sede da universidade, que dava todo o trabalho para o técnico com o qual eu trabalhava”, lamenta o agente de categoria C, cuja posição foi eliminada depois que ele foi para os acervos do patrimônio.
A centralização promovida pela fusão também trouxe seu quinhão de burocracia para os professores e alunos. Pedir a instalação de uma mesa em um dos campi para realizar um evento qualquer é algo que passou a exigir três semanas de prazo legal, tempo necessário para a validação de todos os escalões. Obter uma autorização para ir a uma conferência parece uma prova de obstáculos. Até para tirar uma fotocópia é preciso preencher formulários.
“Créditos para o mercado de trabalho”
No entanto, há questões tratadas com rapidez e eficiência assustadoras: os “investimentos futuros”, editais de concorrência governamentais para projetos, com orçamento de 22 bilhões de euros. Esses fundos visam criar “polos capazes de competir com as maiores universidades do mundo”. A AMU está entre as oito universidades selecionadas: em 2012, ela recebeu 750 milhões de euros – dotação renovada em abril de 2016 – e revela-se uma das principais beneficiárias das “políticas de excelência” (ler boxe).
O sistema de financiamento por projeto favorece o “clientelismo”, lamenta Philippe Blache, diretor do Laboratório Fala e Linguagem. É verdade que a reitoria não interfere nas concorrências. Mas, se especialistas externos avaliarem os projetos e considerarem, por exemplo, que vinte deles merecem financiamento e só houver dinheiro para dez, a escolha final é interna. “Hoje, o lugar principal onde são tomadas as decisões é a reitoria. É indispensável descentralizar – a própria sobrevivência da vida democrática da universidade depende disso”, afirma o ex-membro do Conselho Científico da AMU. Ele destaca a “falta de confiança nas instâncias intermediárias”, sejam faculdades, departamentos de ensino ou laboratórios de pesquisa, “constantemente obrigadas a montar dossiês, justificar demandas, para atender a uma visão segundo a qual tudo deve remeter ao nível central”. Ele estima gastar três meses por ano preenchendo dossiês administrativos.
Os temas e objetivos prioritários da universidade também são definidos pelos “conselhos centrais”,5 que reúnem professores pesquisadores, estudantes e funcionários. É difícil para os representantes desses órgãos conhecer todos os dossiês: “Votamos de maneira global, em quadros com cem a 150 dossiês”, esclarece Blache. O reitor Berland, reeleito no primeiro turno por quatro anos, com 27 votos contra cinco (e quatro votos brancos ou nulos), em 5 de janeiro de 2016, praticamente não tem oposição no Conselho de Administração, que no final toma todas as decisões – diante disso, esses conselhos não parecem mais que cartórios de registro. Tom Oroffino, estudante de Sociologia eleito pela União Nacional dos Estudantes da França (Unef), enfurece-se: “Se discordamos, isso não muda nada”. A Federação das Associações Gerais dos Estudantes (Fage), sindicato estudantil amplamente majoritário na AMU, está resignado e prefere evitar contestações. “Não é nosso voto que vai mudar isso”, observa um de seus representantes, Renaud Argence. “Então preferimos dizer que temos dúvidas ou propor modificações pontuais a votar contra, pois sabemos que isso não muda nada, mas pode prejudicar nossas relações de trabalho no futuro.”
Para Oroffino, a reitoria “colocou os estudantes no bolso”, oferecendo às associações uma subvenção de 300 euros sem necessidade de justificar despesas, “apenas por existir”. Ex-membro da associação de estudantes de Medicina, Argence concorda: “Quando tínhamos projetos, antes da criação da AMU, lutávamos para obter fundos, e eles eram menores. Se quiséssemos um orçamento consequente, tínhamos de passar por três comissões, não uma, como acontece desde a fusão”. Os estudantes estão mais satisfeitos com suas associações e os novos equipamentos disponíveis; mas ainda parece distante o dia em que usarão as camisetas e bolsas estampadas com a sigla AMU, vendidas pela universidade, a exemplo de suas prestigiadas colegas norte-americanas.
Os conselhos de administração reduzidos (24 a 36 membros, em vez dos trinta a sessenta permitidos pela Lei Savary) foram criados por Fioraso para que os empresários, convidados a participar, “pudessem ter uma visão mais clara”.6 Sete ou oito “personalidades externas”, consideradas mais bem informadas sobre a “realidade do mundo” que a universidade agora tem como horizonte, estão entre os administradores. O conselho regional, a comunidade de Aix e a prefeitura de Marselha têm representantes na universidade. Michèle Boi, diretora regional de emprego da companhia Electricité de France (EDF), também entrou no Conselho de Administração da AMU, em janeiro de 2016, bem como Johan Bencivenga, presidente do sindicato de empresários de Bouches-du-Rhône, ligado ao Movimento das Empresas da França (Medef).
“Em troca do dinheiro que recebem das empresas, as universidades devem adaptar suas ‘oportunidades de formação’ às necessidades da economia, isto é, em primeiro lugar às necessidades de mão de obra das empresas. Trata-se, em outras palavras, de garantir a empregabilidade dos futuros trabalhadores”, escreve o historiador Christophe Granger.7 As empresas parceiras incentivam formações utilitárias. A EDF já definiu cursos sob medida para si, com os mestrados em “Modelagem e experimentação de materiais para o setor nuclear” e “Engenharia de processo aplicada ao setor nuclear”. Para o pesquisador, essa mudança de paradigma está ligada ao fato de que “as universidades não dizem mais o que ensinam: elas pretendem garantir a inserção profissional de seus estudantes clientes. Não ousam dizer que fornecem conhecimento: vendem créditos no mercado de trabalho”.
Ilusão de interdisciplinaridade
Parcialmente justificada como uma forma de tornar mais clara a formação oferecida, especialmente em ciências, a fusão nem sempre teve o efeito desejado. Delphine Thibault, chefe da licenciatura em Ciências da Vida e da Terra, lamenta o nome de seu componente: “Antes, em Marselha, tínhamos uma especificidade em torno das ciências marinhas que era muito clara”. Consequência colateral da fusão, vários cursos foram combinados, e o ministério não aceitou um título específico: “Isso faz que tenhamos mais dificuldade para nos tornarmos conhecidos em escala regional e nacional”.
Todavia, o principal temor dos adversários da fusão – a redução da oferta de formação para reduzir custos – não aconteceu. Embora algumas opções tenham sido suprimidas, foi por “falta de combatentes”, indica Michèle Gally, responsável pelo mestrado em Letras. Mas a desconfiança permanece. Na verdade, a formação hoje oferecida foi criada em 2011, antes da fusão. A definição da estrutura de cursos levou em conta a fusão, eliminando áreas disponíveis em muitos lugares, em particular nas ciências. Mas para os próximos cursos, em 2018, as palavras de ordem são compartilhamento e interdisciplinaridade.
“Talvez haja nuvens no horizonte”, avalia Gally. Para ela, “esse tipo de falsa coerência e interdisciplinaridade é um absurdo para qualquer pesquisa e até mesmo para qualquer formação disciplinar”. Enquanto as temáticas propostas dizem respeito sobretudo aos gigantes do Vale do Silício e às cidades conectadas, parte do setor de ciências humanas e sociais está preocupada com a ideia de se tornar a quinta roda da carroça.
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A excelência na universidade
Os “investimentos futuros” dividem-se em “iniciativas de excelência” (Idex), que permitem obter fundos para financiar “laboratórios de excelência” (Labex) e “equipamentos de excelência” (Equipex). No jogo das concorrências públicas, a Universidade Aix-Marseille (AMU) é um concorrente formidável: conseguiu 22 Labex e onze Equipex. É aí que reside a ambiguidade dos agrupamentos de instituições desejados pelo governo francês. Eles são caros: em Aix-Marseille, a equiparação pelo alto do sistema de benefícios dos funcionários, o pagamento de licenças, o reparo das instalações e a introdução de softwares comuns exigiu 10 milhões de euros, retirados do capital de giro.1 Mas permitem acessar os grandes fundos atribuídos às “iniciativas de excelência”, que “privilegiam claramente a fusão das universidades em um único local”, como destacaram 21 reitores de universidades.2 “As escolhas realizadas estabelecem claramente um desejo de concentrar os recursos em benefício de universidades ditas de pesquisa ‘de nível classe mundial’ situadas nas metrópoles” – à imagem da AMU, constataram.
Combinando as abordagens filosófica, histórica e física, sobretudo em torno de temas transversais como meio ambiente, a graduação em Ciências e Humanidades está entre os projetos beneficiados com uma iniciativa de excelência: “Enormes somas reservadas a algumas instituições e, dentro dessas instituições, a alguns setores”, resume Mathieu Brunet, codiretor da área. Para o professor mestre de conferência, que está dividido entre essa formação de “excelência” e o currículo clássico, é “difícil aceitar que recursos substanciais sejam colocados à disposição de sessenta estudantes, enquanto a massa não recebe quase nada”.
Todas “autônomas” desde 2012, as universidades penam para assumir suas “responsabilidades e competências ampliadas”, em particular a gestão da folha de pagamento, que cresce automaticamente a cada ano, com o aumento do tempo de serviço dos funcionários. Esse fenômeno é apenas parcialmente coberto pelo Estado: a não compensação totaliza 98 milhões de euros, que devem ser assumidos pelas universidades, relatam os senadores Jacques Grosperrin e Dominique Gillot.3
Para enfrentar essa dificuldade, a AMU e as outras universidades estão transformando muitas vagas titulares em vagas de adidos temporários de ensino e pesquisa (Ater), contratos renováveis por um ano e mal pagos.4 Quantas? “Isso é confidencial”, dribla a gestão de Recursos Humanos. O “orçamento de base”, dotação fixa de início de ano que deve permitir aos laboratórios pagar suas contas de energia elétrica e suas missões, foi muito reduzido, em escala nacional. Consciente da dificuldade, a AMU aumentou essa dotação em 30%, em média, especialmente para as ciências sociais, que lutam para obter outras fontes de financiamento por meio dos editais de projetos geridos pela Agência Nacional de Pesquisa (ANR), cujos fundos também estão em queda: de 728,9 milhões de euros em 2012 para 555,1 milhões em 2016.
Segundo Philippe Delaporte, diretor do laboratório LP3 (laser, plasma e processos fotônicos), ganhar editais de projetos é vital: “Um laser custa o dobro do orçamento de um ano”, detalha o professor, apontando a tela de segurança em frente a seu gabinete, que dá para uma sala que abriga 2 milhões de euros em equipamentos. Por trás da janela, o Monte Puget domina o Parque Nacional de Calanques. Delaporte lamenta que a taxa de sucesso nesses editais seja de apenas 8%, passando-se um ano entre a apresentação de pré-projetos e a concessão dos financiamentos. “Primeiro, o pesquisador apresenta seu projeto em cinco páginas e o envia para os relatores. Se ele for pré-selecionado, é preciso detalhá-lo em trinta páginas, incluindo o ‘cálculo de orçamento e propriedade intelectual’, feito com – às vezes por – o serviço administrativo do CNRS [Centro Nacional de Pesquisa Científica] e da universidade. Isso consome tempo, portanto dinheiro, em troca de algo que é meio uma loteria”, conta.
Esse funcionamento por projetos que orienta as pesquisas é uma falsa boa ideia, na opinião de muitos membros da universidade. O físico Albert Fert destacou, por exemplo, que esse modelo não teria financiado seu próprio trabalho, na época “distante dos temas da moda”. “Eu não comecei meu trabalho [sobre as multicamadas magnéticas] dizendo que iria aumentar a capacidade de armazenamento dos discos rígidos. A paisagem final nunca é visível no ponto de partida”, destacou em 2007, depois de receber o Prêmio Nobel.5 Para o historiador Christophe Granger, a pesquisa por projetos subverte “as formas elementares da vida científica”: “Privilegiando a ciência biomédica, e dentro dela a pesquisa contra o câncer, e dentro desta ainda a genética em detrimento de abordagens metabólicas, privilegiando as ‘novas tecnologias’ e as ciências ambientais, impondo em toda parte, e particularmente nas ciências humanas e sociais, o império da neurociência e de sua instrumentalização (neuro-história, neurodireito etc.), a atual política de pesquisa aniquila o necessário pluralismo dos objetos, dos métodos e dos raciocínios, que é o princípio da intelecção [compreensão] científica do mundo”.6 (C.G.)
1 Conta na qual as universidades devem, por obrigação legal, manter o equivalente a um mês de operação.
2 “Quel avenir pour l’enseignement supérieur et la recherche français?” [Qual é o futuro do ensino superior e da pesquisa na França?], Mediapart.fr, 29 maio 2015.
3 Parecer apresentado por Jacques Grosperrin e Dominique Gillot em nome da Comissão para a Cultura, Educação e Comunicação sobre o projeto de Lei de Finanças para 2016, Senado, Paris, 19 nov. 2015.
4 Um Ater de tempo integral (128 horas de aulas e 192 horas de orientação) recebe cerca de 1.650 euros líquidos. Para uma carga idêntica, um professor mestre de conferência, com três anos de serviço, recebe cerca de 2.200 euros.
5 “Le Prix Nobel Albert Fert plaide pour une recherche libre” [O Prêmio Nobel Albert Fert defende a pesquisa livre], Le Monde, 25 out. 2007.
6 Christophe Granger, La Destruction de l’université française [A destruição da universidade francesa], La Fabrique, Paris, 2015.