As marionetes políticas e seus benfeitores
No dia 10 de maio de 2010, após os governos europeus procederem a uma nova injeção de 750 bilhões de euros na fornalha da especulação, o presidente francês Nicolas Sarkozy anunciou que, por questões de rigor orçamentário, uma ajuda especial de 150 euros a famílias necessitadas não seria renovadaSerge Halimi
Periodicamente, seguindo as regras democráticas, os eleitos convocam a população a privilegiar partidos já previamente selecionados pelos “mercados” por sua inocuidade. A suspeita de prevaricação vai pouco a pouco minando o crédito da invocação do bem público. Quando Barack Obama critica o banco Goldman Sachs para justificar suas medidas de regulamentação financeira, os republicanos imediatamente passam a transmitir uma propaganda1 que recapitula a lista de doações recebidas pelo presidente e seus amigos políticos “da Firma” durante as eleições de 2008: “Democratas: US$ 4,5 milhões. Republicanos: US$ 1,5 milhão. Políticos atacam a indústria financeira, mas aceitam os milhões enviados por Wall Street”. Quando, a pretexto de preservar o orçamento das famílias pobres, os conservadores britânicos opõem-se à instauração de um preço mínimo para o álcool, os trabalhistas retrucam que a questão na verdade é agradar aos donos de supermercados, hostis a tal medida, uma vez que usam o preço do álcool para atrair adolescentes deslumbrados com o fato de a cerveja poder custar mais barato que a água.
Esse tipo de suspeita remonta a muito longe na história. No início do século passado, a Standard Oil ditava suas vontades a inúmeros governadores dos Estados Unidos. Assim, estabelecendo-se a ditadura das finanças, já em 1924 falava-se no “plebiscito diário dos portadores de títulos” – os credores da dívida pública da época –, também conhecidos como “muro de dinheiro”. Com o passar do tempo, porém, leis vieram regulamentar o papel do capital na vida política. Até nos Estados Unidos: primeiro durante a “era progressista” (1880-1920), depois com o escândalo de Watergate (1974), sempre após mobilizações políticas. Quanto ao “muro de dinheiro”, na França as finanças foram colocadas sob tutela após a Libertação. Em suma, isso “sempre existiu”, mas também podia mudar.
Café na Casa Branca
E ainda muda, mas em outro sentido. Na primavera de 1996, ao fim de um primeiro mandato muito medíocre, o presidente Bill Clinton preparava sua campanha de reeleição. Era preciso dinheiro. Para obtê-lo, Clinton teve a ideia de oferecer aos mais generosos doadores uma noite na Casa Branca, no “quarto de Lincoln”. Como experimentar o sono do “Grande Emancipador” não é algo que esteja ao alcance das bolsas mais vazias nem entre as mais ardentes fantasias das mais recheadas, outros encantos foram leiloados. Incluindo o de tomar café na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos.
Os potenciais doadores do Partido Democrata puderam assim fazer reuniões com membros do executivo encarregados de regulamentar suas atividades. O porta-voz do presidente Clinton, Lanny Davis, ingenuamente explicou que se tratava de “permitir que os membros das agências reguladoras conhecessem melhor as questões da indústria envolvida”.2 Um desses “cafés de trabalho” pode ter custado alguns trilhões à economia global, promovido um salto da dívida dos Estados e causado a perda de dezenas de milhões de empregos.
Assim, no dia 13 de maio de 1996, alguns dos principais banqueiros dos Estados Unidos foram recebidos durante noventa minutos na Casa Branca pelos principais membros da administração. Ao lado do presidente Clinton, o secretário do Tesouro, Robert Rubin, seu adjunto encarregado dos assuntos monetários, John Hawke, e o responsável pela regulamentação dos bancos, Eugene Ludwig. Por uma coincidência certamente providencial, o tesoureiro do Partido Democrata, Marvin Rosen, também participou da reunião. Segundo o porta-voz de Ludwig, “os banqueiros discutiram a legislação futura, incluindo ideias que permitirão quebrar a barreira entre bancos e outras instituições financeiras”.
Instruído pelo crash de 1929, o New Deal proibiu que os bancos de depósito arriscassem imprudentemente o dinheiro de seus clientes, o que depois exigiu que o Estado ajudasse essas instituições, por medo de uma eventual falência provocar a ruína de seus inúmeros depositantes. Assinada pelo presidente Franklin Roosevelt em 1933, a regulamentação, ainda em vigor em 1996 (Lei Glass-Steagall), desagradava muito aos banqueiros, ansiosos para também poder aproveitar os milagres da “nova economia”. O “café de trabalho” serviu para lembrar esse descontentamento ao chefe do executivo norte-americano, no momento em que ele se preocupava em obter dos bancos o financiamento de sua reeleição.
Algumas semanas após a reunião, pequenas notícias anunciaram que o Departamento do Tesouro enviaria ao Congresso um conjunto de propostas legislativas “questionando as regras bancárias estabelecidas seis décadas antes, o que permitiria aos bancos lançar-se amplamente às operações de seguros e às operações bancárias de investimento e de mercado”. O que veio em seguida todo mundo sabe. A abolição da Lei Glass-Steagall foi assinada em 1999 por um Clinton reeleito três anos antes, em parte graças a seu tesouro de guerra eleitoral. Ela atiçou a orgia especulativa dos anos 2000 (sofisticação cada vez maior dos produtos financeiros, como os créditos hipotecários subprimes etc.) e precipitou o crash econômico de setembro de 2008.
Na verdade, o “café de trabalho” de 1996 (houve 103 do mesmo tipo, no mesmo período e no mesmo local) apenas confirmou as tendências que já se encaminhavam no sentido do interesse das finanças. Pois foi um Congresso de maioria republicana que enterrou a Lei Glass-Steagall, em conformidade com sua ideologia liberal e os desejos de seus “mecenas” – sendo os parlamentares republicanos também regados de dólares pelos bancos. Quanto à administração Clinton, com ou sem “café de trabalho”, ela não teria resistido muito tempo às preferências de Wall Street, já que seu secretário do Tesouro, Rubin, havia sido dirigente da Goldman Sachs. Aliás, do mesmo modo como Henry Paulson, no comando do Tesouro norte-americano durante o crashde setembro de 2008. Depois de deixar perecer o Bear Stearns e o Merryll Lynch – dois concorrentes da Goldman Sachs –, ele socorreu o American International Group (AIG), uma seguradora cuja falência teria atingido seu maior credor… a Goldman Sachs.
“Os pobres não fazem doações políticas”
Por que uma população que não é composta de uma maioria de ricos aceita que seus eleitos satisfaçam prioritariamente às demandas de industriais, advogados de negócios e banqueiros a ponto de a política servir para consolidar as relações de forças econômicas, em vez de opor-lhes a legitimidade democrática? Por que, quando eles próprios são eleitos, esses ricos se sentem autorizados a ostentar sua fortuna? E também a clamar que o interesse geral exige a satisfação dos interesses das classes privilegiadas, as únicas dotadas do poder de fazer (investimentos) ou impedir (deslocalizações), sendo assim necessário constantemente seduzir (“tranquilizar os mercados”) ou reter (lógica do “aperto fiscal”)?
Essas perguntas fazem pensar na Itália. Lá, um dos homens mais ricos do planeta não se contentou em aproximar-se de um partido buscando influenciá-lo, mas criou o seu próprio, o Forza Italia, para defender seus interesses de negócios. No dia 23 de novembro de 2009, o La Repubblica chegou a dar a lista das dezoito leis que favoreceram o império comercial de Silvio Berlusconi desde 1994, ou que lhe permitiram escapar de processos judiciais. Já o ministro da Justiça da Costa Rica, Francisco Dall’Anase, prepara-se para o que deve ser a próxima etapa. Aquela na qual, em alguns países, o Estado se colocará a serviço não apenas dos bancos, mas de grupos criminosos: “Os cartéis de drogas vão dominar os partidos políticos, financiar campanhas eleitorais e em seguida assumir o controle do Executivo”.3
A propósito, que impacto a (nova) revelação do La Repubblica teve sobre o destino eleitoral da direita italiana? A julgar pelo sucesso nas eleições regionais de março de 2010, nenhum. Tudo se passa como se os frequentes afrouxamentos da moral pública tivessem insensibilizado populações, que passaram a resignar-se com a corrupção da vida política. Por que indignar-se quando as autoridades eleitas zelam continuamente para satisfazer novos oligarcas – ou unir-se a eles no topo da pirâmide de renda? “Os pobres não fazem doações políticas”, observou muito justamente o ex-candidato republicano à presidência, John McCain, que se tornou lobista do setor financeiro.
No mês seguinte à sua saída da Casa Branca, Clinton ganhou tanto dinheiro quanto em seus 53 anos de vida anteriores. A Goldman Sachs pagou-lhe US$ 650 mil por quatro discursos. Outro, pronunciado na França, rendeu US$ 250 mil – dessa vez foi o Citigroup quem pagou. No último ano do mandato de Clinton, o casal declarou US$ 357 mil de renda; entre 2001 e 2007, ele totalizou US$ 109 milhões. A fama e os contatos adquiridos durante uma carreira política rendem sobretudo depois que essa carreira se encerra. Os cargos de administrador no setor privado ou de conselheiro dos bancos substituem com vantagem um mandato popular que chegou ao fim. E como governar é prever…
Golden boys
Mas a migração para o setor privado não pode ser explicada unicamente pela exigência de se tornar membro vitalício da oligarquia. A empresa privada, as instituições financeiras internacionais e as organizações não governamentais conectadas às transnacionais tornaram-se, às vezes mais do que o Estado, lugares de poder e hegemonia intelectual. Na França, o prestígio das finanças e o desejo de construir um futuro dourado desviaram muitos ex-alunos da Escola Nacional de Administração (ENA), da Escola Normal Superior ou da Politécnica de sua vocação de servidores do bem público. O ex-estudante da ENA e da Escola Normal e também ex-primeiro-ministro Alain Juppé confessou ter passado por uma tentação semelhante: “Estávamos todos fascinados, incluindo, que me perdoem, a mídia. Os golden boys… era formidável! Esses jovens que chegavam a Londres, e que estavam lá na frente de suas máquinas, e que transferiam bilhões de dólares em alguns instantes, que ganhavam centenas de milhões de euros todo mês, todo mundo estava fascinado! […] Eu não seria completamente sincero se negasse que de vez em quando dizia a mim mesmo: ‘Bem, se eu fizesse isso, talvez estivesse em uma situação diferente hoje’”.4 Essa reflexão desencantada precedeu em alguns meses seu retorno ao Quai d’Orsay como ministro francês dos Assuntos Estrangeiros.
Metade dos ex-senadores norte-americanos torna-se lobista, muitas vezes a serviço das empresas que regulamentaram. Foi o caso de 283 ex-integrantes da administração Clinton e de 310 da administração Bush. Nos Estados Unidos, o volume anual de negócios de lobby chegaria a US$ 8 bilhões. Soma enorme, mas rendimento excepcional! Em 2003, por exemplo, o Congresso reduziu de 35% para 5,25% a alíquota sobre os lucros auferidos no exterior pelo Citigroup, J.P. Morgan Chase, Morgan Stanley e Merrill Lynch. Conta do lobby: US$ 8,5 milhões. Benefício fiscal: US$ 2 bilhões. Nome da disposição em questão: “Lei para a criação de empregos norte-americanos”…5 “Nas sociedades modernas”, resume Alain Minc, também saído da ENA, conselheiro (voluntário) de
Sarkozy e (remunerado) de várias grandes empresas francesas, “o interesse geral pode ser servido em outros locais que não o Estado, pode ser servido nas empresas.”6 O interesse geral é tudo.
Sedução das finanças
Essa atração pelas “empresas” (e suas remunerações) fez estragos também na esquerda: “Uma alta burguesia se renovou no momento em que a esquerda chegou ao poder em 1981. […] Foi o aparelho de Estado que forneceu ao capitalismo seus novos dirigentes. […] Vindos de uma cultura do serviço público, eles alcançaram o status de novos-ricos, falando do alto com os políticos que os nomearam”, explicou, em 2006, François Hollande, então primeiro secretário do Partido Socialista Francês.7 E estes foram tentados a segui-los.
O mal lhes parece tanto menor na medida em que, por meio de fundos de pensão ou de investimento, uma parcela crescente da população acorrentou sua sorte, às vezes sem querer, ao destino das finanças. Então se podem defender os bancos e a Bolsa, fingindo preocupar-se com a viúva pobre, com o empregado que comprou ações para complementar seu salário ou garantir sua aposentadoria. Em 2004, o ex-presidente George W. Bush apoiou sua campanha de reeleição nessa “classe de investidores”. O Wall Street Journal explicou: “Quanto mais os eleitores são acionistas, mais apoiam as políticas econômicas liberais associadas aos republicanos. […] 58% dos norte-
-americanos têm um investimento direto ou indireto nos mercados financeiros, contra 44% há seis anos. E em todos os níveis de renda os investidores diretos são mais propensos a declarar-se republicanos que os não investidores”.8 Entende-se então que Bush quisesse privatizar as pensões.
“A serviço das finanças há duas décadas, os governos só se voltarão contra elas caso elas os ataquem diretamente num ponto que pareça insuportável”, anunciou em 2010 o economista Frédéric Lordon.9 Os eventos que se seguiram (crise da Bolsa no verão europeu de 2011, poder extravagante concedido às agências de classificação) indicam bem que a humilhação diária infligida aos Estados pelos “mercados” e a cólera popular que atiça o cinismo dos bancos ainda não despertaram em nossos governantes a pouca dignidade que lhes resta.
Serge Halimi é o diretor de redação de Le Monde Diplomatique (França).