Boris Kagarlitsky na prisão: a máquina de repressão não descansa na Rússia
A sentença do marxista e sociólogo russo Boris Kagarlitsky foi a de maior repercussão numa série de repressões contra intelectuais, ativistas e figuras políticas de esquerda
Sabemos que o indivíduo separado é fraco, mas também sabemos que o todo — é a força.
Debate sobre liberdade de imprensa e publicação de protocolos de classe
reunião (abril de 1842). — K. Marx e F. Engels
Em 13 de fevereiro, o tribunal de apelação atendeu ao pedido do Ministério Público para substituir a sentença do marxista e sociólogo russo, editor-chefe da revista de esquerda “Rabkor”, Boris Kagarlitsky, na forma de multa de 600 mil rublos à prisão por um período de 5 anos. Essa sentença foi a de maior repercussão numa série de repressões contra intelectuais, ativistas e figuras políticas de esquerda.
Quem é Boris Kagarlitsky?
Boris Kagarlitsky não é apenas um político de esquerda, mas também um cientista mundialmente conhecido. Ele escreveu dezenas de livros e centenas de artigos sobre temas históricos, sociológicos e de ciências políticas. Os seus livros mais famosos examinam a história da Rússia, a história do movimento revolucionário mundial e introduzem novos conceitos sobre a Rússia como o de “Império Periférico”. Seus livros foram publicados em dezenas de países ao redor do mundo em inglês, francês, espanhol, coreano, turco e outros idiomas. Boris lecionou em diversas universidades do país durante cerca de 30 anos de sua vida, deu palestras no exterior e é doutor em ciências políticas.
Boris é um dos teóricos marxistas contemporâneos mais famosos na Rússia. Além disso, ele esteve envolvido em atividades políticas durante toda a sua vida e conseguiu popularizar novamente o marxismo na Rússia após as catastróficas reformas neoliberais dos anos 1990-2000. Naquele momento, o marxismo estava à margem da ciência russa. Boris, com as suas palestras, discursos e as atividades da sua revista de esquerda Rabkor, trouxe muitos jovens para o movimento socialista e comunista de esquerda.
A perseguição contra Boris
Esta não é a primeira vez que Boris Kagarlitsky está na prisão. Na década de 1980, como dissidente de esquerda, foi preso pela KGB e cumpriu um ano de prisão em Moscou por suposta “propaganda anti-soviética”. De março de 1993 a 1994, foi um pesquisador especialista da Federação dos Sindicatos Independentes da Rússia. No outono de 1993, continuou a defender a sua posição marxista de princípio e, durante a crise política na Rússia, foi detido pela polícia por apoiar o parlamento legítimo do país (o Conselho Supremo), que foi atacado com tanques pelo poder executivo na pessoa do presidente Yéltsin. Boris foi então espancado por agentes do Estado, mas libertado devido à pressão do público internacional e nacional. Kagarlitsky também foi detido no governo de Putin: em 2021, foi condenado a uma prisão administrativa de 10 dias por ter publicado nas redes sociais uma convocação ao protesto em toda a Rússia contra a falsificação das eleições parlamentares no país.
Boris continuou a estudar ciências sociais ano após ano e, além da revista on-line de esquerda Rabkor, trabalhou no Instituto de Globalização e Movimentos Sociais (IGSO), no qual foi diretor em 2006. Em 2018, o IGSO foi incluído no registro de organizações sem fins lucrativos que atuam como agentes estrangeiros. Em 2022, o próprio Boris Kagarlitsky foi incluído na lista de pessoas físicas que desempenham as funções de um agente estrangeiro.
No final de julho de 2023, Kagarlitsky foi enviado para uma prisão preventiva, um centro de detenção na Sibéria. Boris foi acusado de “justificar o terrorismo” por um vídeo onde discutia o tema da explosão da ponte da Crimeia no outono de 2022, no qual não justificou de forma alguma a explosão da ponte ou quaisquer outras ações terroristas. No entanto, logo após sua prisão Boris foi incluído na “lista de terroristas e extremistas”. Um cientista e professor mundialmente famoso foi enquadrado nesta lista, juntamente com os terroristas do Isis e outras organizações proibidas.
Em 12 de dezembro, o tribunal decidiu conceder a Kagarlitsky uma multa de 600 mil rublos, em vez dos 5 anos de prisão anteriormente planejados, solicitados com urgência pela promotoria. Porém, 2 meses se passaram e o tribunal respondeu positivamente ao recurso do Ministério Público, que exigia a prisão de Boris por 5 anos. Apesar de Boris já ter pagado a multa, ele foi preso em um tribunal e colocado em um centro de detenção em Moscou. O advogado apresentou uma queixa ao tribunal de cassação com a intenção de contestar a sentença. Na situação atual, além dos procedimentos legais, a publicidade e a atenção dos líderes de países amigos da Rússia, incluindo o Brasil e outros países da América do Sul, são importantes. Caso contrário, o professor e intelectual de 65 anos será forçado a passar cinco anos da sua vida na prisão.
Rabkor faz um apelo à solidariedade internacional
A redação do Rabkor não ficou paralisada após a prisão de seu editor-chefe, não desanimou, meus camaradas trabalharam incansavelmente, lutaram pela libertação de Boris, dirigiram o canal como antes e montaram uma equipe de apoio no exterior e na Rússia. A campanha de apoio internacional foi coordenada pelo político de esquerda Mikhail Lobanov, que foi forçado pelo regime de Putin a deixar a Rússia, reconhecido em seu próprio país como agente estrangeiro, foi demitido da Universidade Estadual de Moscou (MGU) onde ocupava uma cadeira de professor da Faculdade de Matemática. Juntos, os editores da Rabkor criaram um site com uma carta aberta, em que pediram a libertação imediata de Boris Yulievich Kagarlitsky.
Essa carta de apoio foi assinada pelo político francês Jean-Luc Mélenchon, pelo político britânico Jeremy Corbyn, pelo líder do movimento alter-globalização Naomi Klein e outros. Cientistas da África do Sul, Índia, Brasil e Argentina manifestaram-se em apoio a Boris, incluindo assessores dos presidentes do Brasil e da África do Sul. O Presidente Putin foi questionado duas vezes, pedindo-lhe que considerasse a libertação de Boris Kagarlitsky.
O veredito contra Kagarlitsky vai contra a ciência; as autoridades russas não só não precisam de oposição, tanto de esquerda como de direita, como também não precisam de uma voz científica que avalie de forma crítica e retrospectivamente os acontecimentos que ocorrem no mundo. Num momento em que a ciência russa está repleta de elementos chauvinistas e o financiamento para as maiores universidades do país está sendo cortado (para a educação e a ciência em geral), cientistas proeminentes mundialmente famosos são declarados agentes estrangeiros. Alguns deles deixam a Rússia ou, como Boris Kagarlitsky, as autoridades colocam-nos atrás das grades.
Já escrevi nas páginas do Le Monde Diplomatique Brasil sobre o anarquista Azat Miftakhov. Graças ao apoio internacional de mais de 55 países, nós, da Solidarity FreeAzat, conseguimos coletar mais de 1.000 cartas que foram enviadas para a prisão onde nosso camarada se encontra. Agora, Azat está no centro de detenção-5 em Yekaterinburg e espera a reunião do tribunal militar sobre o caso de “justificação de terrorismo”, que será realizada em 29 de fevereiro. Continuamos a apelar à solidariedade e a uma luta comum pela liberdade dos presos políticos.
Todos nós, ativistas russos de esquerda, em nome da revista Rabkor, pedimos que prestem atenção ao fato da terrível perseguição política. Ainda há uma chance de salvar o professor Boris Kagarlitsky, de 65 anos, da prisão. É importante compreender que Kagarlitsky não é apenas um simples cidadão sujeito à repressão por parte do Estado russo, mas um humanista convicto que promove ideias socialistas e valores comunistas. Ele está sendo perseguido precisamente por isso, uma vez que na Rússia pós-soviética não há lugar para o pensamento político livre e filosófico de esquerda.
Para concluir: gostaria de convidá-los para ler a carta aberta de apoio a Boris Kagarlitsky no site: https://freeboris.info. Somente com publicidade e apoio internacional conseguiremos a libertação de Kagarlitsky, Miftakhov e outros presos políticos em todo o mundo.
Site do Rabkor: https://rabkor.ru/
Aleksandr Listratov é um ativista político russo com convicções comunistas, editor do canal do telegram “Alô, Macron“, membro da Associação “Solidarité FreeAzat “. Atualmente, reside na França.