Brasileiros na Guerra Civil Espanhola
Ainda que o real impacto e importância das Brigadas na guerra sejam um debate em aberto entre estudiosos, o simbolismo criado por elas é inegável.
“Foi na Espanha onde a minha geração aprendeu que se pode ter razão e ser derrotado, que a força pode destruir a alma e que, às vezes, a coragem não recebe recompensa”
Albert Camus (1913-1960), escritor francês
Raros foram os conflitos armados nos quais a narrativa predominante a entrar para a história acabou centrada nas versões dos derrotados. A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) é provavelmente o caso mais conhecido disso. Para tanto, certamente foi determinante que, poucos anos após a vitória do ditador Francisco Franco sobre governo republicano de esquerda, seus principais aliados nazifascistas do Eixo acabassem derrotados pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial.
A participação ativa das principais potências europeias, aliás, marcou de forma decisiva o conflito espanhol, considerado um ensaio geral da Grande Guerra. Pouco tempo após o levante militar de julho de 1936, que tentou sem sucesso derrubar o governo de esquerda e foi o estopim do início da Guerra Civil, Alemanha e Itália já apoiavam fortemente os sublevados, enquanto a União Soviética e, em menor escala, a França colaboravam com o governo republicano. Por sua vez, a Inglaterra encabeçou uma proposta de não intervenção internacional, o que na prática favoreceu os insurgentes, que depois ficariam conhecidos como nacionalistas.
A internacionalização do conflito também foi marcada pela mobilização global de pessoas antifascistas em defesa da República espanhola, seja organizando campanhas de arrecadação de fundos e de propaganda em seus países, seja participando diretamente da guerra, principalmente por meio das Brigadas Internacionais. “Milhares de cidadãos do mundo inteiro entendiam que, em solo espanhol, se determinava o futuro da humanidade”, considera Ismara Izepe de Souza, pesquisadora da Unifesp.
Como aconteceu em boa parte do mundo, o conflito espanhol chegou com intensidade ao Brasil, gerando grande agitação na esquerda e entre a numerosa comunidade espanhola no país, além de alarmar o governo de Getúlio Vargas. Entre o enorme contingente de voluntários que lutou na Guerra Civil, a presença de brasileiros é relativamente pequena, embora possa ser considerada significativa pelas qualidades militares de alguns de seus combatentes.
Ainda que, desde a década de 1970, pesquisadores como José Carlos Sebe Bom Meihy, Paulo Roberto de Almeida, Thaís Battibugli e Ismara Izepe de Souza tenham se dedicado a estudar o tema, a participação desses compatriotas em um dos conflitos mais importantes do século XX é bastante desconhecida no Brasil. Tais pesquisas acabaram se centrando no grupo de voluntários próximos ao Partido Comunista do Brasil (PCB), mas a participação brasileira foi mais ampla. Em seu recém-finalizado doutorado, a pesquisadora Eliane Venturini de Oliveira trabalhou a partir da investigação de arquivos e documentos espanhóis e traz uma série de novidades.
A historiadora defende que o envolvimento brasileiro teria sido maior do que se imaginava, totalizando pelo menos 78 pessoas. Além do grupo do PCB, a participação brasileira ao lado da República incluiria um número considerável de estrangeiros que viviam no Brasil e haviam sido expulsos por perseguição política. A pesquisadora revela ainda o envolvimento de treze brasileiros no bando rebelde, informação até então praticamente desconhecida. Para Eliane, o número pode ultrapassar os cem voluntários, mas a falta de informações sobre diversos nomes encontrados requer cautela. “Alguns são questionáveis porque podem ter falado que eram brasileiros para tentar escapar do campo de concentração da França ou para vir para o Brasil e não ficar na Espanha”, explica.
Milhares de voluntários contra o fascismo
A criação das Brigadas foi uma iniciativa da 3ª Internacional e de partidos comunistas de vários países, em negociação com o governo republicano, para organizar voluntários que desejassem lutar na Espanha. “O mundo está diante da ameaça fascista e a Espanha é hoje o principal bastião contra esse perigo comum. Ajudá-la é, com toda a certeza, dever primordial do militante”, escreve Apolonio de Carvalho em seu livro de memórias Vale a pena sonhar, ao lembrar o convite recebido para se engajar no conflito.
Constituídas oficialmente em 22 de outubro de 1936, em pouco tempo, as Brigadas contavam com milhares de estrangeiros de mais de cinquenta países. Já em dezembro, os voluntários participariam da heroica defesa de Madri, onde os insurgentes foram barrados às portas da capital, a qual só conquistariam ao final do conflito. Acredita-se que o número total de voluntários seria em torno de 40 mil, dos quais cerca de um quarto pode ter morrido em combate. A grande maioria era de nações europeias, principalmente França, Polônia, Itália, Alemanha e Bélgica. No continente americano, o Brasil seria o sétimo país que mais voluntários enviou, atrás de Estados Unidos, Canadá, México, Venezuela, Cuba e Argentina.
A maioria dos estrangeiros chegava à Espanha a partir da França. Muitos viajavam até Paris ou Marselha e, de lá, realizavam os procedimentos necessários para ingressar no país em guerra por terra ou mar. As próprias autoridades espanholas facilitavam documentos falsos para permitir a circulação dos brigadistas, o que, inclusive, até hoje impossibilita a correta identificação de centenas de combatentes.
Ao chegar a Barcelona ou Valência, os voluntários eram encaminhados para a sede das Brigadas, em Albacete, local de treinamento e a partir de onde se partia para as frentes de batalha. Tal cidade ficaria marcada pela intensa presença de organismos estatais de informação e repressão, controlados pelo Partido Comunista Espanhol (PCE) e por agentes soviéticos, inquietos com infiltrados nacionalistas e com o cumprimento das diretrizes de Moscou. “O PCE preocupava-se em ter um atestado de bons antecedentes dos candidatos a voluntários”, relata Thaís Battibugli no livro A solidariedade antifascista. A pesquisadora considera que as ações disciplinares e políticas – que geraram, inclusive, muitas execuções sumárias – representam um episódio extremamente negativo na história das Brigadas.
Brasileiros se mobilizam pela República
A convocatória internacional para lutar ao lado da República espanhola encontrou uma situação delicada e ao mesmo tempo fértil no Brasil. Após a malograda tentativa de insurreição em 1935, que ficou conhecida como Intentona Comunista, tanto o PCB como sua frente de massas, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), sofreram uma duríssima perseguição do governo Vargas. Nesse contexto, muitos comunistas estavam presos ou fugindo da repressão. É essa impossibilidade de seguir ativo que leva alguns militantes a optar pela Espanha. “Foi a alternativa que eles teriam para não voltar a ser presos no Brasil, única saída para se sentirem úteis e lutando”, explica Battibugli.
A orientação da 3ª Internacional era de que cada partido deveria enviar cem voluntários à Espanha, o que foi inviável para um debilitado PCB. Ao final, conseguiu-se recrutar cerca de vinte militantes, a maioria com uma boa formação militar. No entanto, uma pequena parte, ao chegar à França, acabou desistindo por conta de divergências, como não poder atuar na aviação ou a falta de assistência às famílias em caso de morte. Tal postura sofreu pesadas críticas, já que, à época, era gravíssimo desrespeitar uma decisão do Partido.
O episódio conhecido como “macedada” foi decisivo para possibilitar a ida de muitos dos voluntários comunistas à Espanha. Em 1937, com o fim do estado de guerra decretado por Getúlio Vargas e diante da negativa do Congresso em renová-lo, o então ministro da Justiça, José Carlos de Macedo Soares, se viu na obrigação constitucional de atender aos pedidos de habeas corpus dos presos políticos sem processo judicial. Dessa forma, em maio, centenas de presos foram libertados, inclusive dez futuros brigadistas. Os caminhos empreendidos para cruzar o Atlântico foram diversos. Alguns partiram em navios diretamente do Brasil, enquanto outros passaram por Uruguai e Argentina. “O Partido facilitou no quesito de documentação, mas os recursos para eles chegarem até a França foram de doações espontâneas, entre eles, de simpatizantes”, esclarece Eliane Venturini.
Ainda que pequeno, o grupo de quase vinte brasileiros ligados ao PCB e à ANL teve participação marcante na guerra já que a maioria era militar de formação. Isso possibilitou que muitos alcançassem cargos de comando não só nas Brigadas, como também no Exército Republicano, que carecia de oficiais com experiência. Esse foi o caso, por exemplo, de Apolonio de Carvalho, José Gay da Cunha e Carlos da Costa Leite, que lideraram centenas de combatentes. “Não é uma participação quantitativa, mas qualitativa: eles foram com know-how militar”, aponta Battibugli. Isso era um importante diferencial já que a maioria dos brigadistas não tinha tal formação.
Venturini ainda detectou outros dez brasileiros que se juntaram à defesa da República. Destes, sete haviam emigrado para a Espanha e já estavam lá quando se iniciou o conflito. As razões para o envolvimento são diversas. O paulista Luís Oms Florenza, por exemplo, relatou ter se alistado no Exército porque estava sem trabalho à época. Assim como ele, muitos eram trabalhadores ligados às centrais sindicais socialista e anarquista, fundamentais na organização da resistência popular ao levante militar.
Enquanto a República contou com voluntários extremamente motivados mas com poucos recursos, o lado nacionalista recebeu apoio maciço de Hitler e Mussolini. O número de militares italianos na Espanha chegava aos 50 mil, cifra superior ao dos brigadistas. Além disso, os italianos instalaram, com a permissão de Franco, uma base aérea na ilha de Mallorca, a partir de onde bombardeavam importantes cidades como Barcelona, Valência e Múrcia. A colaboração alemã, por sua vez, foi menos numerosa, mas de grande qualidade técnica e militar. Sua aviação foi responsável, por exemplo, pelo histórico bombardeio que arrasou a cidade de Guernica. A intervenção dos países do Eixo acabaria sendo determinante para a vitória nacionalista.
Voluntários no bando rebelde
Enquanto a atuação do grupo organizado pelo PCB se tornou conhecida e pesquisada, sabia-se muito pouco sobre a participação de brasileiros no bando nacionalista. A informação dos treze que teriam lutado ao lado dos rebeldes demorou quase oitenta anos para ser conhecida. Isso se deve, em parte, ao fato de que nenhum deles teria retornado ao Brasil.
Existem poucos documentos que explicam a participação e o destino desses voluntários. As principais informações encontradas por Venturini têm origem nas fichas de alistamento na Legião Espanhola – unidade do Exército criada em 1920 que teve Franco como um dos primeiros comandantes. Dos brasileiros que foram à Espanha, onze alistaram-se na Legião e dois em milícias da Falange, o partido fascista espanhol.
“Sobre os brasileiros do lado do Franco, eu consegui puxar o fio da meada no Arquivo Militar de Ávila, onde tinha a lista desse pessoal”, explica Venturini, relembrando as dificuldades para encontrar os documentos no local, um arquivo que contém informações mais técnicas da guerra e sobre o funcionamento do Exército. A lista encontrada com os nomes dos brasileiros alistados tinha poucos dados. “Então escrevi para a Legião para pedir uma orientação de onde eu poderia ir e eles me mandaram de presente todos os fichários deles. Claro que eu quase enfartei quando vi aquilo!”, recorda.
A maioria dos brasileiros que se envolveu no bando nacionalista era descendente de espanhóis e já vivia na Espanha ou em Portugal quando a guerra teve início. Pela escassa documentação das fichas de alistamento, a pesquisadora deduz que dois poderiam ter saído do Brasil direto para a guerra, mas por ora é apenas uma hipótese. Dessa forma, não seria possível falar em envio organizado de brasileiros para combater ao lado dos rebeldes.
O primeiro brasileiro a se alistar teria sido Juan Fernández, em agosto de 1936, e não há informações de que residia na Espanha, o que pode indicar que teria ido à Europa para combater. Outros se alistaram ao longo de 1937 e até princípios de 1938. Em geral, os voluntários não eram militares de formação e trabalhavam no campo ou como motorista, mecânico e engraxate. Dos que se tem informação, é possível constatar que três morreram durante o conflito.
O desconhecimento sobre a participação de brasileiros no bando rebelde também pode ser explicado pelo fato de que a proximidade com o fascismo pode ter gerado algum tipo de constrangimento. “Talvez não quisessem contar suas histórias por terem lutado de um lado que venceu a guerra da Espanha, mas o fascismo perdeu no mundo”, pondera Venturini, que tentou contatar um deles. “Ele estava com mais de 90 anos e não tinha a possibilidade de me conceder uma entrevista”, relata ao se referir a Dario Infiesta Alonso, que vive na região espanhola da Galícia.
Expulsos do Brasil escolhem a República
A participação brasileira ainda pode ser completada pelos imigrantes expulsos do país pelo governo Vargas. Em um contexto de severa política de perseguição aos estrangeiros durante a década de 1930, muitos passaram a ser vistos como “indesejáveis” pelo Estado, que utilizava uma política de expulsão como forma de controlar a significativa comunidade. “Muitos estrangeiros que foram expulsos já haviam tido experiência política em seus países de origem. Segundo as vozes oficiais, deveriam ser mantidos sob constante vigilância uma vez que a propagação de suas ideias poderia desestabilizar a ordem instituída”, explica a pesquisadora da UFABC Mariana Cardoso dos Santos Ribeiro.
Nesse contexto, os espanhóis de esquerda seriam alvo preferencial do governo Vargas. “Muitos foram forçados a retornar ao seu país, por serem ‘indesejáveis’ às elites políticas e aos patrões que temiam quaisquer movimentos de contestação”, revela Ismara Izepe de Souza. “A resposta [do governo] se resumia a uma única palavra, que mudaria radicalmente o destino de milhares de estrangeiros radicados no Brasil: expulsão.”
O resultado da perseguição é que, de 1930 até 1945, foram expulsos, segundo dados oficiais, 671 estrangeiros. Isso atingiria especialmente a comunidade espanhola, com 101 expulsos, atrás apenas da portuguesa. Os dados foram reunidos por Mariana Ribeiro, que considera o número “ínfimo” diante da quantidade de presos e processos instaurados, suspeitando que havia uma prática de expulsões extraoficiais. A pesquisadora explica que raramente havia possibilidade de defesa e que, no período, nenhum decreto de expulsão foi anulado. “Em regra, todos que foram considerados ‘nocivos’ por demonstrar afinidade com ideias de esquerda, ou, simplesmente por proferir crítica ao governo foram expulsos”, revela.
A pesquisa realizada por Venturini estima que 39 estrangeiros expulsos tenham sido incorporados pelas fileiras republicanas. Nas documentações, esses personagens são identificados como “brasileiros”, em geral por estarem vivendo no país anteriormente à guerra, mesmo que alguns tivessem migrado ainda quando criança. Apesar de a grande maioria ser espanhola, também havia dois italianos, um alemão, um tcheco e um romeno. Além disso, faziam parte do grupo duas mulheres: a lituana Ida Chazan e a espanhola Julia Garcia y Garcia, que atuaram na retaguarda.
Possivelmente, a única exceção à expulsão seja Libero Battistelli, que morava no Rio de Janeiro como exilado do regime de Mussolini. O italiano embarcou voluntariamente para a Espanha em setembro de 1936, onde comandaria a bateria de artilharia Colona Italiana e depois um batalhão da Brigada Garibaldi. Esse agrupamento, inclusive, reuniu alguns brasileiros por conta da similaridade das línguas, divisão recorrente nas Brigadas. Ferido em um combate na província de Aragão, Battistelli falece em junho de 1937.
O pouco que se sabe sobre a atuação desses voluntários vem principalmente da documentação mantida pelo Partido Comunista de Espanha (PCE), que possuía fichas de recrutamento e desmobilização de todos os brigadistas. Em geral, há informações sobre a procedência, observações sobre a orientação política e comentários genéricos sobre a atuação, como “bom antifascista”, “politicamente indiferente” e “um pouco reclamão”. Ao acabar a guerra, tais fichas foram enviadas à União Soviética, já que continham informações estratégicas. A documentação só viria a público com o fim da URSS e, no Brasil, o Arquivo Edgard Leuenroth mantém cópia do material referente aos brasileiros.
Da Guerra Civil à Guerra Mundial
O destino dos voluntários após o término da Guerra Civil Espanhola, em abril de 1939, não foi fácil. A maioria, assim como cerca de 450 mil espanhóis, cruzou os Pireneus em busca de refúgio na França. “Esperávamos tratamento de asilados políticos. Ilusão – éramos prisioneiros de guerra”, relata em suas memórias Apolonio de Carvalho. Ao entrarem na França, os republicanos eram encaminhados a precários campos de “acolhida”, espalhados à beira do Mediterrâneo ou nos Pireneus. Apolonio descreve o campo de Argelès-sur-Mer como uma vastidão fria. “Para enfrentarmos a inclemência do inverno, as autoridades forneceram-nos cobertores e uma recomendação – cavar na areia buracos fundos, que nos servissem de proteção diante da fria brisa marinha”, relembra.
Muitos brasileiros nos campos de prisioneiros contaram com o apoio das autoridades do país na Espanha e na França para obter os documentos e conseguir ser repatriados. Além deles, estrangeiros que viviam no Brasil antes da guerra buscavam esse apoio diplomático para deixar os campos e retornar ao país. Muitos não tiveram alternativa a não ser fugir dos campos.
As autoridades francesas ainda ofereceram aos brigadistas e militares republicanos outra opção para sair dos campos. Com a Segunda Guerra já deflagrada, os militares franceses tentaram alistar os ex-combatentes na Legião Estrangeira, na qual manteriam a mesma patente. A proposta teria sido recusada pelos brasileiros, que a consideravam uma força de repressão colonial.
A possibilidade de retornar não era a primeira opção para todos, já que alguns dos voluntários estavam condenados no Brasil. Inclusive, com o fim do conflito, as autoridades brasileiras já se preocupavam em vigiar os brigadistas, em especial os condenados por 35. Para alguns, então, a saída foi ir para outro país – caso de Dinarco Reis, que foi para a Venezuela para tentar entrar clandestinamente no Brasil. A solução encontrada foi bastante inusitada: misturar-se a um grupo de náufragos brasileiros em Trinidad, já que as autoridades não pediam documentos a esses indivíduos.
Um grupo que ainda permanecia na França quando da invasão alemã, em 1940, se engajou na Resistência. Essa foi a trajetória do judeu romeno Wolf Reutberg, um dos estrangeiros expulsos do Brasil. Ao ser detido por alemães em 1944, foi fuzilado. Já Apolonio chegou a comandar uma tropa de quase 2 mil pessoas, que apoiou a libertação do sudoeste do país em 1944.
Do Brasil, Carlos da Costa Leite, David Capistrano da Costa e outros comunistas buscaram se engajar na Segunda Guerra Mundial. O grupo se apresentou como voluntário para integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na luta contra o Eixo. No entanto, foram imediatamente presos, pois estavam condenados pela Intentona Comunista. A detenção duraria até 1945, quando houve uma anistia. Destino similar atingiria outros brigadistas.
Dos estrangeiros expulsos do Brasil, alguns retornariam no pós-guerra, já que a ligação com o país era grande. Alguns tinham familiares no país, inclusive, filhos; enquanto outros haviam imigrado quando criança e, portanto, passado quase toda sua vida no Brasil. Retornaram, com ajuda de autoridades brasileiras no exterior, José Sanches Sanches, Arno Roesch e Ramon Ruiz Martin, entre outros. No entanto, documentos mostram que mais pessoas solicitaram ajuda para voltar e não obtiveram, como Ernest York, judeu alemão, que terminaria morto em um campo de concentração nazista.
Trajetória política prolongada
Parte do grupo ligado ao PCB ainda manteve uma ativa militância nas décadas seguintes no Brasil. Mesmo com a anistia concedida aos presos políticos e o fim do governo Vargas, em 1945, o contexto de Guerra Fria e anticomunismo não permitiram tranquilidade aos ex-voluntários. “O simples fato de ter lutado na guerra o rotulava de maneira profunda. Isso dificultou muito a vida desse pessoal”, explica Venturini.
A situação piora com a entrada do PCB na ilegalidade em 1947, o que obriga alguns de seus militantes a viverem longos períodos de clandestinidade. Em suas memórias, Apolonio relata o sofrimento passado no período: “sob a clandestinidade, vou conhecer um isolamento político extremo: como que desterrado dentro de meu próprio país, banido da sociedade em que sonhava reintegrar-me após dez anos de ausência”.
Com o golpe militar de 1964, a máquina repressiva foi posta em movimento com intensidade. “Continua a mesma lógica de perseguição. Os que foram para a Espanha e eram comunistas viram alvo”, revela Thaís Battibugli. “Eles eram conhecidos da polícia política e desses militares que deram o golpe – que eram jovens militares quando eles foram para a Espanha”. A pesquisadora explica que a estrutura repressiva do período Vargas não foi desmantelada pelos governos seguintes e acabou rapidamente rearticulada pelo regime militar.
Ela exemplifica com o caso de José Homem Correia de Sá, “mesmo afastado da política desde a década de 1940, foi preso duas vezes durante o regime militar”. Quando do golpe, Correia é convocado a depor, assim como outros conhecidos comunistas, e, em 1970, é acusado de ajudar perseguidos políticos – de fato, havia escondido os filhos dos ex-companheiros de Espanha, Apolonio e Capistrano, que teria um destino trágico nas mãos da ditadura: sequestrado em 1974, o militante comunista teria sido torturado e executado, e hoje se soma à lista de desaparecidos políticos do período.
Tardiamente, muitas das trajetórias foram reconhecidas e exaltadas. Em 1996, houve uma homenagem aos brigadistas na Espanha, com a presença de mais de trezentos voluntários, inclusive alguns dos brasileiros. No Brasil, muitos dos que haviam sido expulsos do Exército em 1935 foram reincorporados à instituição com o fim da ditadura, em 1988, recebendo a patente que teriam caso a carreira não tivesse sido interrompida.
Ainda que o real impacto e importância das Brigadas na guerra sejam um debate em aberto entre estudiosos, o simbolismo criado por elas é inegável. O envolvimento de milhares de estrangeiros em um conflito que não era diretamente seu, mas também o era pelo compartilhado sentimento antifascista, até hoje é um dos mais notáveis exemplos de solidariedade internacional. Internamente, o fim da guerra significaria o começo de outro difícil período para os espanhois. Até 1975, Franco esteve no poder e manteve a Espanha numa ditadura de contornos fascistas de muitas formas anacrônica na Europa. Enquanto isso, as histórias de muitos voluntários se espalharam pelo mundo e algumas ganharam tons heroicos, ajudando a propagar um sentimento de orgulho e nobreza, mesmo diante da derrota.
Conheça mais sobre alguns dos brasileiros que lutaram na Espanha
Alberto Besouchet. Um dos primeiros brasileiros a ir para a Espanha já em julho de 1936, Besouchet era militar e membro da ANL. Acredita-se que tenha composto as milícias do POUM – partido marxista anti-estalinista – e, posteriormente, o Exército ou as Brigadas. Há relatos contraditórios de que teria sido morto em 1937 ou em 1938, em ambos os casos como consequência da perseguição comunista ao POUM. Em suas memórias, Apolonio de Carvalho exalta sua figura: “nada poderá apagar, contudo, a imagem desse comunista culto, modesto e bravo como poucos”.
Nemo Canabarro Lucas. Preso pela sua participação na sublevação de 1935 e solto pela chamada “macedada”, o capitão do Exército desembarcou na Espanha em abril de 1938. Canabarro chegou a comandar uma brigada do Exército Republicano composta por 4 mil espanhóis, sendo ele o único estrangeiro. Após se exilar na França, consegue retornar prontamente ao Brasil em março de 1939 e é detido por dois dias logo ao chegar. Canabarro se dedicou ao jornalismo – sendo enviado para Europa para cobrir a Segunda Guerra Mundial – e seguiu atuante politicamente, mesmo se afastando do PCB.
Feliciano de Rodrigo Gonzalez. Um dos brasileiros que se juntou ao bando rebelde, Gonzalez era paulista e havia nascido em 1915. O jovem estudante de 22 anos se alistou na Legião Espanhola em janeiro de 1937 e foi ferido duas vezes em combate. Ao final da guerra permanece na Espanha vivendo em Cáceres e posteriormente em Madri. Recebeu a medalha “sofrimentos pela pátria” em 1941.
Manuel Fernandéz Fernandéz. O paulista, nascido em 1905, vivia no povoado espanhol de Ávila desde 1924 trabalhando como barbeiro. Já havia participado de vários combates durante a Guerra Civil quando se filiou à UGT, central sindical de influência socialista em 1938. Sobre sua atuação, documentos do PCE registram que era um “antifascista sincero” e que “não tinha nada de consciência de classe”.
Odilo Fernandez Freire. Pouquíssimo se sabe sobre a trajetória desse jovem carpinteiro que havia migrado ao Brasil. Nascido na região de Ourense, na Galícia, Freire estava de volta à sua terra natal quando foi condenado à morte pelos rebeldes. Apesar das próprias autoridades franquistas no Brasil, aonde vivia sua família, terem pedido uma alteração de sua pena, Freire foi fuzilado em março de 1938, aos 33 anos, em Ourense.
Roberto Morena. Um dos civis comunistas que foi à Espanha, Morena, junto com Carlos da Costa Leite, foi responsável por organizar a ida dos brigadistas. Lá, o dirigente não foi para frente de batalha, permanecendo na retaguarda trabalhando para o PCE. O dirigente ainda estava na Espanha após um mês do final do conflito em 1939 e foi o único estrangeiro a embarcar no último navio rumo à Argélia, onde ficou num campo de prisioneiros. De volta ao Brasil em 1943, mantém intensa atividade como líder sindical e é eleito deputado federal em 1950 pelo Partido Republicano Trabalhista (PRT). Com o início da ditadura militar, perdeu seus direitos políticos e se exilou no Uruguai, depois no Chile e, finalmente, na Tchecoslováquia, onde falece em 1978.
Eneas Jorge de Andrade. Libertado pela “macedada”, Andrade partiu para a Espanha, de maneira ilegal, junto a outros comunistas em 1937. Sua passagem – assim como de Davi Capistrano – foi financiada pelo Comitê Americano de Ajuda ao Povo Espanhol. Foi o único aviador brasileiro a pilotar no conflito, já que a grande quantidade de aviadores redirecionou muitos para outras tarefas. Faleceria em 1938 em um combate aéreo sobre Zaragoza.
Ida Chazan (ou Sasam) – também chamada de Helena Lazerovitz ou Elena Chaceneite. A jovem lituana era uma operária de ativa militância política. Por esse motivo já havia sido presa em seu país de origem e voltaria a ser detida por quase um ano, dessa vez no Brasil. Expulsa do país, embarca para a Espanha, em junho de 1937, onde trabalha em hospitais. Nos três países nos quais vive, Ida se filia ao partido comunista local. Não se sabe qual foi seu destino após o fim da guerra.
*Juliana Sada e Rodrigo Valente são jornalistas.
{Le Monde Diplomatique Brasil – edição 115 – fevereiro de 2017}