Como organizar a resistência aos ataques aos direitos?
O que fazer após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, concretizado no dia 12 de maio? O Le Monde Diplomatique Brasil convidou pensadores e lutadores sociais de diversos matizes para debater como lidar com a crise e trabalhar com certos elementos, como a guerra das ideias, as eleições municipais de outubro e a orGuilherme Carvalho
A
própria pergunta nos conduz a outra indagação: os ataques aos direitos não estão ocorrendo antes mesmo dessa crise que levou ao afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República? Aliás, do ponto de vista de quem desenvolve a resistência na Amazônia contra o modelo hegemônico de desenvolvimento, pouco muda de substancial, seja com Michel Temer ou Aécio Neves à frente do Executivo. A Amazônia historicamente tem sido encarada como uma região que se presta a atender a interesses que lhe são estranhos, para viabilizar a acumulação ampliada de capital no Brasil ou no exterior. E assim continuou mesmo nos governos petistas. Isso de modo algum significa desconhecer os avanços ocorridos durante a gestão do PT, mas tão somente evidenciar que pouco mudou na nossa condição de colonizados: continuamos a exportar energia aos centros econômicos mais poderosos, enquanto as mazelas socioambientais aqui se propagam, a expropriação dos territórios dos povos originários e comunidades tradicionais aceleraram-se de modo vertiginoso, os IDHs amazônicos são vergonhosos e mantiveram-se mesmo com a relativa melhoria ocorrida no Brasil. A violação de direitos é parte constitutiva desse processo. É o combustível que movimenta a máquina, devidamente azeitada pelas medidas do Estado brasileiro na forma de flexibilização da legislação ambiental, da criminalização dos movimentos sociais, da desconstrução das conquistas inscritas na Constituição de 1988 e dos pactos entre as elites para perpetuar um modelo fundado na exploração intensiva dos recursos naturais e na financeirização da natureza.
Indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, agricultores familiares e organizações de mulheres são alguns dos principais protagonistas da resistência e da construção de alternativas nesta região. É cada vez maior o entendimento de que não lutam contra uma ou outra empresa, contra um ou outro governo, mas contra um bloco de poder profundamente articulado desde o plano local até o internacional. Daí o avanço do debate acerca do trabalho em rede, que é muito mais do que criar fóruns ou instâncias correlatas; é construir estratégias fundadas em articulações de outro tipo, que possibilitem trazer as lutas das florestas para dentro dos espaços urbanos, fundamentem-se em outros paradigmas de relação entre sociedade e natureza – e aqui cabe ressaltar o avanço na reflexão sobre o bem viver –, rompam as fronteiras nacionais – o VIII Fórum Social Pan-Amazônico vai ocorrer no Peru, em abril do ano que vem –, promovam a interconexão entre as agendas de luta e articulem diferentes dimensões da vida: fim do patriarcado, segurança alimentar e nutricional, agroecologia, cidades sustentáveis e democráticas, direitos territoriais, democratização da comunicação etc. E, ao mesmo tempo, resgatem bandeiras históricas dos movimentos sociais, como a reforma agrária e a democratização da propriedade.
Fortalecer a democracia e suas instituições, enfrentar a tentativa das elites de criminalizar a política, avançar para além da crítica ao modelo de desenvolvimento para uma crítica da nossa própria civilização, somar forças na construção de uma verdadeira reforma política são outros elementos das plataformas que se colocam como estratégicas para quem vive, sonha e luta na e pela Amazônia.