Dia da Consciência Negra: uma análise sobre o impacto do racismo ambiental e a urgência da taxação dos super-ricos
A população negra e pobre é a que mais sofre com a falta de acesso a serviços de água, luz, saneamento básico, infraestrutura urbana e condições dignas de moradia
No Brasil, o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, representa mais do que uma homenagem à resistência de Zumbi dos Palmares; é uma data que nos convoca também a refletir sobre o presente e as profundas desigualdades que afetam a vida da população negra no país. Entre os desafios persistentes enfrentados por essas pessoas estão o racismo ambiental e a concentração de riqueza que perpetuam ciclos de injustiça. É urgente construir a capacidade de ver a conexão entre essas questões e a necessidade de medidas para que se possa endereçar medidas adequadas e com real potencial de solucioná-las, como a taxação dos super-ricos, que poderia traçar um caminho para enfrentar as desigualdades estruturais.
Racismo ambiental: um reflexo da desigualdade estrutural
Racismo ambiental é um termo criado nos Estados Unidos em meio a protestos contra o depósito de resíduos tóxicos em um bairro majoritariamente negro. Esse conceito serve para denunciar quando populações racialmente vulnerabilizadas estão habitando localidades nas quais as injustiças sociais e ambientais recaem pesadamente.
Essa discriminação se manifesta quando comunidades predominantemente negras e pobres são as mais impactadas por riscos, pela falta de acesso a serviços de água, luz, saneamento básico, infraestrutura urbana e condições dignas de moradia. Além disso, também são mais afetadas por eventos climáticos que provocam deslizamentos e enchentes. Estudos indicam que essas comunidades estão mais suscetíveis a viver em regiões com menor qualidade do ar e maior exposição a resíduos tóxicos. Segundo um levantamento do IBGE, cerca de 32% da população negra vive em condições precárias de habitação, contrastando fortemente com os 15% da população branca na mesma situação.
Esses números demonstram que a desigualdade racial também se reflete em um padrão de distribuição espacial e ambiental que afeta diretamente a saúde, a segurança e a qualidade de vida da população negra. É fundamental, portanto, entender que as questões ambientais são, também, uma discussão sobre justiça social e racial. Ignorar essa interseção perpetua uma estrutura de exclusão que dificulta o acesso a oportunidades e direitos básicos.
A concentração de riqueza e a urgência de reformas tributárias
Outro ponto importante que contribui para a manutenção dessa marginalização racial é a concentração de renda. De acordo com a Oxfam, o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, onde o 1% mais rico detém quase 50% da riqueza nacional. Entre os mais pobres, está concentrada a população negra. Essa disparidade tem efeitos devastadores sobre a capacidade do Estado de investir em políticas públicas que beneficiem essa parcela da sociedade.
A proposta de taxação dos super-ricos surge como uma medida necessária para mitigar essa desigualdade. Com uma reforma tributária que incida sobre grandes fortunas e rendas elevadas, seria possível direcionar mais recursos para a melhoria da infraestrutura em comunidades periféricas, a implementação de políticas de saneamento básico e projetos de sustentabilidade ambiental. Tais iniciativas não só reduziriam o impacto do racismo ambiental, mas também criariam condições para que a população negra pudesse romper com os ciclos de pobreza e exclusão.
A luta pela equidade no Dia da Consciência Negra
Hoje, no Dia da Consciência Negra, celebramos a resistência desse povo, que, diante de um Estado que opera sistematicamente uma necropolítica, consegue se reinventar e lutar por dignidade. Mas também convidamos o conjunto da população brasileira a refletir sobre os avanços e desafios na construção de uma sociedade mais justa. A relação entre racismo ambiental, concentração de riqueza e desigualdade racial deve ser uma prioridade no debate público e nas políticas de Estado.
Reconhecer o impacto dessas questões interligadas e agir para resolvê-las é um passo essencial para honrar verdadeiramente o legado de resistência de Zumbi dos Palmares e de todas e todos que vieram antes. A data nos lembra que a luta pela equidade racial é uma busca por justiça social em todos os aspectos, incluindo a redistribuição de recursos e a preservação do meio ambiente de forma justa e inclusiva.
É urgente que o Brasil avance em medidas que combatam a desigualdade econômica e ambiental, com especial atenção à população negra. A taxação dos super-ricos e a inclusão da justiça ambiental como parte das políticas públicas são caminhos que podem transformar a realidade de milhões de brasileiros. O Dia da Consciência Negra é, portanto, um chamado à ação — um lembrete de que a verdadeira liberdade e igualdade só serão alcançadas quando todos, independentemente de raça ou classe, tiverem garantido seu direito à dignidade e à prosperidade.
Viviana Santiago é diretora-executiva da Oxfam Brasil