Eleições em Israel: o blefe de Benjamin Netanyahu
As duas casas do Congresso norte-americano convidaram o primeiro-ministro israelense a discursar no dia 3 de março. Netanyahu espera beneficiar-se da ocasião, duas semanas antes da eleição legislativa na qual ainda é favorito. No entanto, a aliança entre a esquerda e o centro mostra força, em um contexto de descontentaMarius Schattner
Benjamin Netanyahu estaria dando uma cartada muito alta, arriscando perder o controle da situação? Ele apostou muito ao provocar eleições antecipadas, quando dispunha de uma maioria, sem dúvida heteróclita, mas suficiente para mantê-lo no poder até 2017. Ainda que seja reeleito em 17 de março, o chefe do partido Likud – sem os ministros centristas, úteis como escudo internacional – estará à frente de uma estreita coalizão de ultranacionalistas e ultraortodoxos.
No melhor dos casos, Netanyahu se tornará porta-voz – querendo ou não – da ala mais dura da direita. Será líder de um governo malvisto aos olhos do mundo e confrontado por sérias dificuldades no interior do país. Em caso de derrota, cederá a direção do país a uma coalizão que reagrupa trabalhistas e a centro-direita – cenário que parecia improvável há alguns meses, mas agora não pode ser totalmente descartado, ainda que a direita permaneça favorita.
Existe uma terceira possibilidade: um empate que pode levar ambos os blocos a atenuar suas divergências para constituir um governo de união nacional com tendência ao imobilismo. Nesse caso, a derrota pessoal de Netanyahu não trará nenhuma mudança substancial ao status quoda política israelense.
Há algo de misterioso nas atitudes do primeiro-ministro. “Netanyahu provavelmente quis tomar a dianteira porque pressentiu que sua coalizão, minada por tensões internas, poderia se decompor”, especula Yaron Ezrahi, professor de Ciência Política na Universidade Hebraica de Jerusalém. “Também tenta um mandato reforçado para compensar sua queda de popularidade dentro do país e uma hostilidade cada vez maior por parte do Ocidente”, completa. Seria prematuro concluir que se trata de um fim de reinado, dadas as cartas que Netanyahu ainda tem na manga. Aos 65 anos, esse político experiente, excelente debatedor (especialmente em inglês), demonstrou mais de uma vez sua capacidade de retomada, a ponto de ser chamado de “o mágico”.
A arma do medo
No plano interior, Netanyahu pode contar com sua popularidade na direita, em particular no seio de uma juventude habituada ao fato de Israel ocupar e colonizar à força o leste de Jerusalém e a Cisjordânia desde 1967. Ele usa a arma do medo, alimentado pelos atentados, pelo aumento dos conflitos na fronteira e pelo fracasso do processo de Oslo lançado pelos trabalhistas em 1993 – que ele fez de tudo para sabotar.
No plano exterior, o primeiro-ministro conta com o apoio dos republicanos norte-americanos. Dispõe do apoio ilimitado de um de seus principais financiadores, o multibilionário de Boston Sheldon Adelson. Para manter seu apadrinhado, esse magnata dos cassinos financia o jornal gratuito Israel Hayom, cuja tiragem o transformou no maior concorrente dos outros jornais impressos.
A estreita aliança com a direita norte-americana tem seu preço. Um exemplo é a polêmica suscitada pelo convite – prontamente aceito, a ponto de a opinião internacional questionar se não havia sido iniciativa da própria Tel-Aviv – lançado pelo presidente da Câmara dos Representantes, o republicano John Boeher, para que Netanyahu pronunciasse um discurso diante das duas câmaras do Congresso. Netanyahu pretende discorrer sobre o recrudescimento das sanções contra o Irã e denunciar um acordo em vista entre Washington e Teerã sobre o programa nuclear iraniano, que ele entende como uma ameaça existencial a Israel.
No entanto, ao jogar o Congresso contra a Casa Branca e intervir de forma tão flagrante na política interior norte-americana, Netanyahu se aliena ainda mais do conjunto do Partido Democrata, após outros desentendimentos com o presidente Barack Obama. É uma investida aventureira, no momento em que Tel-Aviv precisa mais do que nunca do apoio de Washington diante das instâncias internacionais.
A oposição em Israel, diante da situação, acusou o líder da direita de usar a tribuna do Congresso norte-americano para fazer propaganda eleitoral a duas semanas do pleito, sacrificando interesses superiores do país. Essa crítica foi replicada por meios de comunicação não necessariamente de esquerda, como o jornal Yediot Aharonot: “Antes, parecia que a grande obsessão de Netanyahu era o Irã. Agora, sua única obsessão parece a vitória a qualquer preço nas eleições de 17 de março”.1
“A qualquer preço” pode significar uma escalada militar? A hipótese foi levantada após o ataque aéreo de 18 de janeiro deste ano contra um comboio do Hezbollah na Síria, seguido de uma previsível resposta da organização. O general da reserva Yoav Galant, ex-comandante da região sul de Israel e candidato a deputado do novo partido de centro-direita Kulanu, deu início a um escândalo ao declarar que “o momento escolhido [para o ataque] às vezes não está desvinculado da questão das eleições”. E citou o exemplo da “eliminação legítima” do chefe militar do Hamas, Ahmad Jabaru, em Gaza, pouco mais de dois meses antes das eleições de janeiro de 2013.2
A curto prazo, o aumento das tensões sempre beneficia a direita. A longo prazo, o risco é colocar Israel em um novo ciclo de violência, muito mais sangrento que os ataques a Gaza no último verão local. Mas quem está pensando a longo prazo? No momento, a preocupação essencial de Netanyahu consiste em obter resultados melhores depois dos números medíocres nas últimas eleições de 2013.
Conseguirá? No início de dezembro, quando anunciou em alto brado sua coalizão, as pesquisas lhe sorriram. Hoje, o cenário é menos positivo. A aliança entre o Partido Trabalhista (centro-esquerda) e o Hatnuah (centro-direita), reunidos pela lista do Campo Sionista, mudou o cenário, de acordo com as pesquisas de opinião.
“Essa campanha eleitoral é uma das mais estranhas da história de Israel: as apostas são cruciais após cinco anos do bloqueio total do processo de paz. Contudo, nenhuma das questões-chave foi abordada pelas principais coalizões”, constata o ex-deputado trabalhista Daniel Bensimon. “Não se fala da paz com os palestinos, do futuro dos territórios ocupados, de Jerusalém, do conflito interno entre religiosos e laicos nem de qualquer outra fratura da sociedade israelense”, acrescenta o analista, que relaciona a ausência de debate de fundo à forma surpreendente da convocação dessas eleições.
Desde o início da campanha eleitoral, o tom do chefe do Likud endureceu ainda mais. Ele também evita qualquer referência à anuência que deu em 2009 – oralmente – à criação de um Estado palestino desmilitarizado na Cisjordânia.3 Antes de mais nada, os palestinos seriam obrigados a reconhecer Israel como “Estado do povo judeu”. O Campo Sionista é designado como “campo antissionista”, o que em Israel estigmatiza o adversário político como inimigo do interior.4 Netanyahu estigmatiza os meios de comunicação e as elites, como se a direita no poder, há mais de vinte anos, não fizesse parte desses setores.
O Lar Judaico, ao mesmo tempo aliado e rival do Likud, martela os mesmos temas com mais agressividade ainda e um slogan que diz tudo: “Não nos desculpamos mais”. Não se desculpam mais pelos 2.140 mortos em Gaza – em sua maioria civis – durante a operação “Fronteira protetora” (julho-agosto de 2014). Como explica uma figura central do partido, a deputada Ayelet Shaked, Israel não fez nada além de se defender; “as leis da guerra tornam impossível poupar civis”.5
Não se desculpam mais pela persistência da ocupação na Cisjordânia, a intensificação da colonização, por negar os direitos civis de 2,7 milhões de palestinos, nem pela situação de apartheid que pouco a pouco impregna toda a sociedade israelense. Também não se desculpam perante a “comunidade internacional”, cujas denúncias à política israelense são assimiladas como antissemitismo. Não se desculpam, pois a “Terra de Israel pertence ao povo de Israel” por decreto divino.
Outro partido de extrema direita, Yisrael Beiteinu, em baixa nas pesquisas após denúncia de envolvimento em casos de corrupção, toma mais uma vez a minoria árabe como alvo (cerca de 17% da população), obrigada a dar provas de fidelidade ao Estado judeu. O chefe do partido, Avigdor Lieberman, oscila entre posições extremistas sobre as quais construiu os alicerces de sua carreira política e um novo (muito relativo) pragmatismo. Ele alerta para um “tsunami diplomático” e se inquieta com a degradação das relações com a administração norte-americana.
“Não há dúvida de que a direita está cada vez mais radical, mas nem por isso se fortalece. Essa evolução inquieta grande parte da opinião pública, inclusive da própria direita, como mostram as reações do novo presidente de Estado, Reuven Rivlin, ex-deputado pelo Likud, a favor da minoria árabe”, analisa o professor Ezrahi. Segundo ele, não se trata apenas de proteger a população cujos direitos civis são contestados pela direita radical, “conforme sua visão etnocêntrica”, mas também de defender os “fundamentos democráticos do Estado tais como estão inscritos na Carta de Independência de 1948”.
Uma coalizão que avança mascarada
Nessa batalha, a aliança entre a esquerda e o centro liderada pelo número um trabalhista, Yitzhak Herzog, tem diversos elementos a seu favor: o descontentamento das classes médias e populares diante do alto custo de vida, a alta vertiginosa dos preços de moradia, o fosso social que aumenta apesar do baixo índice de desemprego (5,7%),6 a queda no crescimento do país e o custo exorbitante da colonização. O chefe trabalhista pode igualmente contar com o temor – expresso abertamente nos meios econômicos – que suscita a progressão da campanha Boycott, de desinvestimentos e sanções.7
Um voto maciço da população árabe a favor da nova lista de união que reagrupa três partidos representativos da minoria árabe (11 deputados de 122 no Parlamento que sai, e potencialmente mais, em caso de diminuição das abstenções) poderia dificultar o estabelecimento de um governo de direita e extrema-direita, pois, ainda que não participem da coalizão entre trabalhistas e centristas, seus votos serão direcionados a ela.
Seria o fim da hegemonia da direita? Zeev Sternhell duvida: “Tenho medo da nova geração do Likud e de outros extremistas de direita. Essas pessoas são perfeitamente capazes de liquidar a democracia”, avalia o historiador das direitas radicais. “Embora queira a vitória da esquerda e do centro, sou realista. Precisaria que essa esquerda fosse de esquerda e de centro, não de direita. Ora, quando constato em que medida essa coalizão avança mascarada, suspeito que ela poderia se juntar a um governo de união nacional com a direita, se fizerem uma oferta interessante.” De fato, apenas o pequeno partido Meretz (esquerda, seis deputados), em baixa nas pesquisas, poderia ser poupado dessa análise.
O Campo Sionista continua incerto, vago. Alça sua campanha sobre questões econômicas e sociais, denunciando os desvios antidemocráticos. Certeiro, acusa Netanyahu de virar as costas à “comunidade internacional” por suas ações provocadoras. Mas o Exército permanece sagrado; as operações militares, inquestionáveis. Além disso, o Campo Sionista se une a Netanyahu para denunciar a ofensiva diplomática palestina junto às Nações Unidas para o reconhecimento do Estado palestino e para levar Israel a responder por crimes de guerra diante da Corte Penal Internacional.
Se por um lado Herzog promete a retomada das negociações com a Autoridade Palestina, por outro não explica como levaria isso adiante sem chegar a um novo impasse. Discreto em relação ao tema da colonização, dá a entender que colocaria freios nesse processo. Seriam apenas afirmações eleitoreiras?