Esperança de mudança no Irã
O novo Parlamento iraniano terá menos ultraconservadores. Mas o jogo eleitoral mascara a estreiteza das possibilidades de transformação social. Mantendo as esperanças de mudança, os moderados e reformistas que apoiam o presidente Hassan Rohani esperam melhorar, sem ruptura, um regime cuja força hoje reside mais no fermShervin Ahmadi|Philippe Descamps
Nem vencidos nem dominados!” É 10 de fevereiro de 2016, e a multidão se agita em torno de um turbante branco. O presidente Hassan Rohani acaba de juntar-se ao desfile do Festival Anual da Revolução, na Avenida Azadi, uma das principais artérias de Teerã. As palavras de ordem repetidas em coro refletem a leitura que “as ruas” fazem do acordo nuclear,1 ou pelo menos aquela feita pelo povo comum ainda fiel ao regime, que marcha em um clima mais de procissão que de parada revolucionária. A oportunidade de estar entre a multidão chegou bem na hora para o líder dos “moderados”, após seus sucessos diplomáticos e às vésperas das eleições legislativas de 26 de fevereiro, primeiro turno, e 29 de abril, segundo turno (realizado após o fechamento desta edição).
A imprensa oficial conta “milhões” de iranianos convergindo para a Praça da Liberdade. Várias centenas de milhares, com certeza. Ali encontramos o tradicional culto à personalidade, com as efígies dos dois guias, o aiatolá Ruhollah Khomeini (falecido em 1989) e seu sucessor, Ali Khamenei, e cartazes hostis a Israel e aos Estados Unidos. Mas estamos longe do ambiente de vinte anos atrás, ou até mesmo dez, quando os Heyât (comitês de bairro) organizavam a marcha contra a “arrogância ocidental”. Muitos vão com a família. Os mais jovens usam bonés tricolores ou pintam o rosto com as cores da bandeira, como em um estádio de futebol. Nos alto-falantes e cartazes, as arengas islâmicas parecem excepcionais, mas em toda parte se celebra a grandeza do Irã. Ninguém pode escapar de seu “retorno” à cena internacional. Não apenas porque o país que outrora integrou o “eixo do mal” negocia com os maiores, mas também porque – como um eco tardio da revolução – seus aliados libaneses, iraquianos, sírios e iemenitas marcam pontos em um conflito regional que não ousa dizer seu nome.
“Veja, não é de graça”, lança uma mulher de seus 40 anos, em frente a uma barraca de comida, “não vá dizer que distribuímos lanche para as pessoas virem!” A frase é firme, mas dita com um sorriso; e as beterrabas cozidas estão deliciosas. O ambiente é amistoso. Os estandes de teatro são seguidos pelos dos cantores, depois um grande boneco carnavalesco atravessa a multidão, que se espreme diante de uma apresentação de escalada num prédio. Após um espetáculo de dança folclórica, começa um “número” da Guarda Revolucionária, que reconstitui a prisão de marinheiros norte-americanos encontrados em embarcações em pane no Golfo, no dia 12 de janeiro. Logo voltamos às mímicas e canções patrióticas, antes de conhecer o estande da Bolsa de Valores, ao lado do estande do gabinete das privatizações! O tempo todo, câmeras fotográficas estalam. Os poucos estrangeiros são bombardeados com frases de boas-vindas e pedidos de selfies. Ao longe, aparece um míssil de pé na calçada. Pouco mais à frente, três jovens homossexuais exibem sem temor sua orientação no meio do cortejo,2 enquanto as forças da ordem se tornam mais discretas. Um foguete (civil) e um drone (militar) marcam a entrada do local, onde uma mulher de 30 anos, vestida à maneira ocidental, resume a manhã: “Quando temos problemas internos, é importante nos mostrarmos unidos para o exterior”.
“Talvez haja 1 milhão na rua, mas há 50 milhões contra!”, rebatem Sajida L.3 e seu marido, Nasim L., que sempre evitaram a Festa da Revolução. Militantes da esquerda laica, eles participaram ativamente da derrubada do antigo regime, em 1979, antes de serem jogados nas prisões da República Islâmica de 1983 a 1990. Entre dois copos de vinho – que muitas famílias produzem em casa a fim de contornar a proibição do álcool –, Nasim L. descreve o dilema dos militantes de esquerda às vésperas das eleições: “Eu defendo uma forma de ecossocialismo, combinando desenvolvimento sustentável e justiça social. Mas nós, progressistas, não temos hoje outra escolha a não ser priorizar a batalha da liberdade, votando nos menos conservadores, que tentam reduzir os poderes do guia [ver esquema das instituições na página ao lado]”.
“Estamos cientes de que alguns reformistas defendem receitas cada vez mais liberais e que não há muita diferença entre os programas sociais dos candidatos”, acrescenta Sajida L. “Porém, o mais importante é ganhar um pouco de ar, construir os alicerces de uma verdadeira democracia, tentar reconstruir sindicatos, associações. É verdade que o regime perdeu muito de sua base popular. Mas também vimos o ‘movimento verde’4 cair muito rapidamente, em razão da repressão, é claro, e porque ele só era apoiado pelas classes médias. Os jovens não estão prontos para fazer uma nova revolução. Desde 2009, parece que os reformistas perceberam que precisam se dirigir também às classes populares para transformar a sociedade.” No plano social, ela deposita alguma esperança na abordagem “inclusiva” do presidente Rohani, eleito em 2013: “Uma amiga minha precisa de um medicamento muito caro contra o câncer. Ela só tem acesso ao tratamento graças a Rohani, que facilitou as importações e aumentou a cobertura do seguro-saúde. Vimos também a situação dos professores melhorar, com seus protestos”.
Em um país onde a expressão do pensamento crítico passa por um jogo de esconde-esconde com as autoridades, os militantes progressistas ajudam-nos a distinguir simulacros de verdadeiras mudanças reais, iluminando muitos aspectos do Irã que raramente são discutidos. Entre muitos entrevistados antes da eleição, inclusive em encontros informais, uma frase era recorrente: “Temos de escolher entre o ruim e o pior”.
Pouya T. vai acompanhar seu filho para votar pela primeira vez (nos “ruins”), mas não se conforma em colocar um voto na urna: “Ultraconservadores, moderados, reformistas: esses rótulos não significam grande coisa. Todos já estavam no poder na década de 1980 e sujaram as mãos”. Os militantes da esquerda arrasada pela repressão não conseguem esquecer os anos roubados e os massacres das prisões de 1988, que causaram milhares e milhares de mortes.5 O atual guia supremo era então presidente; o candidato reformista de 2009, Mir Hussein Mussavi, era primeiro-ministro; Ali Hashemi Rafsanjani, comandante-chefe das Forças Armadas… Desde sua passagem pela presidência da República (1989-1997), este último mostra-se “pragmático”, campeão da livre iniciativa. O esgotamento da ideologia da “revolução mundial do Islã” favoreceu a difusão, entre a elite, de uma representação neoliberal do mundo, que se revela na maioria das publicações autorizadas. Apesar de seus 82 anos, do enriquecimento ostentatório e do escândalo de corrupção que levou seu filho para a prisão, Rafsanjani continua a ser uma figura central da vida política. Hoje classificado como “moderado”, ele fez aliança com Rohani e obteve o apoio dos reformistas próximos ao ex-presidente Mohammad Khatami (no poder entre 1997 e 2005).
Como muitos dos que dizem pertencer à “geração queimada”, nascida na década de 1970, Pouya T. observa as contradições de seu país e de sua cidade com um olhar ora triste, ora escarnecedor, feito de apego e desprezo. A megalópole de mais de 13 milhões de pessoas construída segundo o modelo urbano de Los Angeles está desfigurada por centenas de quilômetros de rodovias permanentemente engarrafadas; a poluição oculta um deslumbrante cenário de montanhas. Deslizando pelas calçadas, Pouya T. identifica as torres construídas pelas boas graças de um banco central que remunera generosamente os depósitos, sem verificar de onde vem o dinheiro. Resultado: setor bancário interno protuberante, apesar das sanções internacionais; inflação galopante (por volta de 15% em 2015); e bolha imobiliária que acabou estourando. A economia informal prospera, e a ausência de imposto sobre o patrimônio e os rendimentos financeiros promove o rápido crescimento da desigualdade. Os preços dos apartamentos dão uma medida disso: cerca de 7 mil euros o metro quadrado nas altitudes mais amenas do norte da cidade, e apenas algumas centenas de euros no sul, às portas do deserto. Tudo pode ser comprado: pelo equivalente a 4,5 mil euros, um estudante ganha uma admissão para a universidade, sem ter de passar pelo vestibular; para escapar do serviço militar, que dura dezoito meses, basta pagar cerca de 3,5 mil euros, no caso de um rapaz saído da escola, ou 8,5 mil euros, no caso de um médico.6 E na doutrina sempre se dá um jeito: os empréstimos foram transformados em “facilidades”, e a usura, proibida em 1983, foi constantemente praticada até se generalizar, a partir da década de 2000, com o nome de “lucro esperado”.7
Feroz repressão ao tráfico de drogas
O respeito ao código de trânsito ajuda a compreender a relação com a regra e a organização da sociedade. Há três tipos de semáforo: os tricolores, pouco frequentes; os amarelos piscantes, que permitem passar com atenção; e os vermelhos piscantes, que só permitem passar quando não há outros veículos. Na prática, cada cruzamento é um salve-se quem puder, e a prioridade é de quem frear por último… “Os caras, eu sei o que eles pensam e quando vão frear”, diverte-se Pouya T. “Mas hoje as mulheres também estão se afirmando ao volante, e muitas vezes eu acabo tendo de dar passagem.”
Com exceção dos mais altos escalões do poder, as mulheres avançam em toda parte,8 inclusive na Assembleia Legislativa, onde pode haver cerca de vinte eleitas após o segundo turno. Mas, como a militância política real continua impossível, muitas preferem investir no terceiro setor. A presidência de Khatami foi marcada pelo surgimento de muitas ONGs. Hoje elas ressurgem, após um período difícil durante o governo de Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013). Azadeh G. levou-nos para visitar um centro instalado nos bairros do sul, os mais pobres: um lugar de ajuda mútua, onde se pode aprender a costurar, gerir o orçamento ou a casa. Sem reservas, um grupo de apoio aceita nossa presença. Sob a orientação de um psicólogo, as pessoas vêm em busca de soluções para seus problemas no relacionamento de casal, nas relações de trabalho ou de família. O mais impressionante é a ausência de qualquer referência religiosa. Todo mundo vive com as referências institucionais islamitas, mas são raros os que ainda aderem a elas como ideologia política. A fé retorna à esfera da intimidade. Se o recuo do coletivo favoreceu um fechamento sobre si mesmo, muitas ações refletem um retorno da solidariedade, como mostra outra associação,9 instalada na periferia, que ajuda na escolarização precoce das famílias de origem afegã a fim de facilitar sua integração. À frente da organização, sempre uma ex-militante progressista, que hoje prefere investir no concreto: “É a única maneira de realmente se expressar politicamente”, diz Dariya P.
Várias associações apoiam as mães solteiras, que seriam mais de 2,5 milhões no país. As “casas sol” oferecem refúgio temporário a mulheres vítimas de violência. Muitas organizações prestam assistência a dependentes de drogas e seus familiares. Em uma delas, vinte famílias são acompanhadas em conjunto com os serviços médicos que monitoram a reabilitação. Farideh D., responsável pela organização, casou com um dependente: “Hoje me sinto útil. Dei um sentido à minha vida. Em dez anos, vi o fenômeno dobrar de tamanho. Todos os estratos da sociedade são afetados, mas especialmente aqueles que vêm do campo e vivem uma miséria cultural. O sistema educacional não oferece nenhuma prevenção”. Mais uma vez, não se fala de religião: “É por humanismo que nos dedicamos, não por dever”.
“O uso de drogas tornou-se maciço”, observa Nasser Fakouhi, antropólogo da Universidade de Teerã. “O fenômeno é semelhante ao do álcool na União Soviética. Estimulantes ou tranquilizantes, as drogas permitem evadir-se de uma situação e, finalmente, aceitá-la.” Quase 3 mil mortes por ano estão ligadas a drogas;10 segundo o delegado do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, o Irã representa 74% das apreensões mundiais de ópio e 25% das de heroína e morfina.11 Os 2 mil quilômetros de fronteira comum com o Afeganistão, maior produtor de papoula do planeta, favorecem as importações e o trânsito das substâncias. Mas o Irã também se tornou um grande fabricante de drogas químicas, em particular o “cristal”, um tipo de metanfetamina. Aos olhos das autoridades, a luta contra o tráfico justifica uma repressão feroz. A maioria dos 977 condenados à morte executados em 2015 – um recorde desde 1989 – foi presa por delitos relacionados à legislação de drogas. E vários milhares de prisioneiros, alguns dos quais eram menores no momento de sua detenção, aguardam enforcamento.12
Encanador aposentado, Cyrius F. preside uma associação de bairro, também no sul de Teerã. Ele observa a degradação social e suas consequências: “As habitações tradicionalmente de trabalhadores têm recebido ondas de desempregados vindos da indústria e, depois do estouro da bolha, da construção. A eles se somam os ‘diplomados desempregados’, jovens saídos da universidade que se veem obrigados a entregar pizzas ou esperar eternamente por um emprego estável. A economia paralela está explodindo, assim como o tráfico, especialmente a venda de drogas em jardins públicos”. O único sinal positivo, em sua opinião, é a emergência de movimentos de protesto e reivindicação salarial: petroleiros, professores, enfermeiros. Mas ele vê pouca convergência das lutas, sempre com o horizonte de escolher entre “o ruim e o pior”.
A amargura da “geração queimada”
De origem modesta, viúva de um sindicalista conhecido na década de 1970 e por muito tempo responsável por uma seção sindical importante da cidade, Zoreh V. vê as coisas de outro ângulo e procura ganhar perspectiva: “Há trinta anos, eu era a única não praticante na minha família, a única que sabia ler e escrever. Hoje, meus filhos, sobrinhos e sobrinhas são todos formados na universidade. Eles pensam por si próprios. O padrão de vida aumentou, a fertilidade caiu para um terço, todo mundo pode viajar. Podemos criticar a prioridade dada à livre escolha do consumidor, a falta de uma perspectiva mais cidadã e mais igualitária. Mas a situação concreta melhorou, e as pessoas têm cada vez menos medo de dizer o que pensam”. Alimentados pelos programas em persa da BBC, muitos membros das profissões intelectuais adotam, em reação à propaganda oficial, um discurso pró-ocidental às vezes meio ingênuo. Mas, entre os ex-militantes progressistas, o debate sobre as conquistas da revolução é difícil, de tão reduzidos que foram os avanços sociais em saúde, educação e moradia. Apesar do sofrimento vivido, Sajida L. admite que, “embora hoje seja insultado, o imã Khomeini terá seu lugar na história”, em particular por ter enfrentado os Estados Unidos e Saddam Hussein.13
Encontramos um discurso não muito distante disso nos bairros abastados do norte de Teerã. Nas festas da alta burguesia que envia seus filhos ao exterior para estudar ou que vive parte do tempo nos Estados Unidos, os pratos tradicionais iranianos são acompanhados por vodca ou uísque. Esses empresários têm grandes expectativas quanto à abertura econômica e gostam do presidente Rohani, de sua “classe”, de sua “habilidade de compor com o aparelho estatal sustentado pelo guia”. Mas o discurso pró-ocidental não é de todo incompatível com a afirmação da soberania nacional, em particular quando se trata da rivalidade com a Arábia Saudita.
A campanha eleitoral é curta, muito curta. Na Cordilheira de Zagros, ela parece a reta de chegada de uma etapa do Tour de France. O Conselho dos Guardiões da Constituição decide definitivamente a lista de candidatos a deputado oito dias antes da eleição. Metade dos 12 mil candidatos é descartada e, com as desistências, restam pouco mais de 5 mil – para os 290 assentos da Assembleia Consultiva. Eles têm uma semana para se apresentar aos eleitores. Qualquer aldeia com um punhado de almas recebe caravanas de cabos eleitorais. Um carro coberto de cartazes abre o cortejo, seguido pelo candidato, que estende a mão aos espectadores, e por dezenas de outros veículos, que não economizam seus alto-falantes, em um ambiente austero, entre dois bancos de neve. Folhetos invadem os postes, enquanto muitas barracas de comércio são convertidas em local de campanha. Os homens vão ali para beber chá, comentar os acontecimentos… Embora limitado, há menos de vinte anos esse jogo eleitoral era inimaginável. Não havia estradas, a eletricidade não chegava. Faz apenas quatro anos que o gás alcançou os povoados a 2,3 mil metros de altitude, onde as temperaturas no inverno frequentemente caem abaixo de 15 graus negativos e as casas não têm isolamento térmico. A modernidade chegou de repente, perturbando a região dos luros, um grupo étnico ainda amplamente nômade. Nos campos onde eles armavam suas tendas, ergueram-se aldeias permanentes feitas de cimento. Nesse meio-tempo, o Irã tornou-se um país predominantemente urbano. A zona rural não abriga mais que um quarto da população,14 enquanto as cidades viram seus habitantes quase triplicarem desde a revolução.
O esquema se adapta, aposta mais na saturação que na proibição. Já tínhamos visto isso, no campo da mídia, com o surgimento de muitas cadeias nacionais ou que transmitem do exterior:15 controladas por aqueles que estão próximo do poder, elas usam o entretenimento para captar a atenção e promover a diversão. No campo da política, com a ausência de partidos reais estruturados, não há um debate verdadeiro sobre possíveis programas, mas o eleitor afoga-se numa imensa oferta. Em Teerã, por exemplo, 1,2 mil candidatos concorrem a apenas trinta vagas. Nos locais de votação, geralmente localizados em uma escola ou mesquita, o eleitor precisa preencher uma tabela com trinta casas, nas quais deve escrever sem erros trinta nomes e trinta números. Não há cabine de votação e cada um se instala como pode diante da lista oficial que reúne as centenas de candidatos em ordem alfabética. Na prática, a tarefa é quase impossível. Assim, as duas grandes tendências transmitem suas listas com os meios que têm. Na véspera da votação, muitos transeuntes tomavam notas, espiando os cartazes colados às pressas pela cidade. Os mais previdentes levavam um cartãozinho para anotar, outros olhavam seu telefone ou o do vizinho. Não foi difícil perceber que o local que visitamos votava majoritariamente na “lista da esperança” liderada pelo reformista Mohammad Reza Aref, que elegeu seus trinta candidatos. Apesar dos filtros impostos à internet, as redes sociais, utilizadas por milhões de iranianos, produziram mobilização na capital. Tanto no Instagram como no Telegram, a foto mais compartilhada do dia 26 de fevereiro foi a do dedo manchado com tinta indelével e enrolado com um band-aid, com a seguinte legenda: “Continuo votando, na esperança de não me machucar como da última vez”.
Bancos ocidentais sempre reticentes
O segundo turno, em 29 de abril, deve dar a fisionomia definitiva do Parlamento. Os moderados já conseguiram algum sucesso, com o descarte de várias figuras ultraconservadoras, a exemplo do presidente da Assembleia de Especialistas, o aiatolá Mohammad Yazdi. Essa assembleia, eleita junto com a Câmara Baixa, por oito anos, pode ter um papel importante, pois cabe a ela nomear o futuro guia em caso de renúncia, destituição ou morte do atual, que tem 76 anos de idade e uma saúde frágil. Mas isso não significa a vitória de um lado sobre o outro, sendo as duas tendências igualmente representadas, com a maioria dos reformistas afastados da eleição. O poder pode orgulhar-se de ter atraído tanto interesse e participação. As cidades votaram pela mudança, mas não as regiões mais pobres, e muitos dos eleitos hoje apresentados como moderados foram por muito tempo considerados conservadores. Além disso, as instituições dão poder suficiente aos mulás para orientar as escolhas relacionadas a tudo o que concerne a assuntos estrangeiros, política e economia. O presidente Ahmadinejad conseguiu popularidade distribuindo uma alocação de recursos para os mais pobres e mandando construir “1 milhão” de moradias para os sem-teto. Mas, paralelamente, ele organizou a privatização de boa parte do amplo setor público em favor das fundações e outras estruturas controladas pela Guarda Revolucionária.
Fortalecida pelas urnas, a posição dos “moderados” pode logo se fragilizar, caso o acordo nuclear demore a produzir efeitos na vida cotidiana. É verdade que o país começou a recuperar parte dos ativos congelados e tem elevado suas exportações de petróleo. Mas os projetos de contratos assinados com empresas europeias (Airbus, Peugeot, Renault, Siemens etc.) ainda se chocam com a relutância dos bancos ocidentais, que temem serem pegos pela justiça norte-americana. Isso porque a suspensão das sanções internacionais não se aplica às medidas de retaliação tomadas na década de 1980 apenas pelos Estados Unidos e sempre defendidas vigorosamente no Congresso. O presidente Barack Obama afirmou que seu país iria “cumprir sua parte” no acordo. Mas, destacado a “esclarecer”16 as regras que regem as transferências internacionais para facilitar as trocas, o subsecretário de Estado, Thomas Shannon, logo deixou claro que isso não significa dar ao Irã acesso ao sistema financeiro norte-americano.
As negociações diplomáticas estão longe de acabar, e Teerã vê passarem os empreendedores ocidentais, incluindo a Boeing. A abertura econômica não será sem risco para um aparelho produtivo que, construído num contexto de embargo, permitiu ao Irã reduzir sua dependência do petróleo (cerca de 25% dos recursos orçamentários). No Palácio das Quarenta Colunas de Isfahan, símbolo da influência da grande Pérsia, o infinito jogo de espelhos não permite confiar nas aparências. Apesar da retórica social e da ideologia islâmica, o Irã entra na marcha do mundo e nos tormentos da modernidade, talvez com um gosto pronunciado pela dissimulação.
Shervin Ahmadi é jornalista responsável pela edição de Le Monde Diplomatique em farsi.
Philippe Descamps é jornalista.