Esporte, a nova arma do Kosovo
Desde que proclamou sua independência, em 2008, o Kosovo tenta provar sua viabilidade e legitimidade. Mas a região – sitiada, minada pela corrupção e mantida de pé graças à assistência estrangeira – sofre para obter o pleno reconhecimento internacional. Para conseguir isso, ela faz do esporte sua principal vitrineFlorian Gautier
Reconhecido como Estado por mais de uma centena de países da ONU, o Kosovo ainda está longe de ser uma unanimidade, incluindo a União Europeia, onde cinco governos contestam sua independência, assim como os meios que lhe permitiram conquistá-la. Em novembro de 2015, por exemplo, ele fracassou na tentativa de entrar na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) por não obter o apoio de dois terços de seus países-membros. Por outro lado, ele foi admitido sem grande dificuldade, em 9 de dezembro de 2014, no seio do Comitê Olímpico Internacional (COI). Os dirigentes do Kosovo apostam no esporte para ganhar legitimidade, e o próprio COI se tornou membro observador da ONU em 2009. Nas instâncias esportivas oficiais do país, dois discursos se opõem, e as negações, por vezes, dizem mais do que as afirmações.
“Praticamos esporte, não política!”, afirma Besim Hasani, presidente do Comitê Olímpico Nacional do Kosovo. De acordo com ele, a situação ficou menos tensa após a admissão de seu país como 205º membro do COI e 50º do Comitê Olímpico Europeu. Em junho de 2015, os atletas kosovares puderam desfilar com sua bandeira em Baku, no Azerbaijão, na edição inaugural dos Jogos Europeus. Foi uma realização para quem criou o comitê olímpico em 1992, após a eleição de Ibrahim Rugova para a presidência da república autoproclamada, que então era uma região autônoma da Sérvia. De sua mesa decorada com anéis olímpicos, o ex-dirigente da Federação Kosovar de Karatê presta homenagem ao presidente do COI, Thomas Bach: “Não somos membros da ONU, apesar de nossa solicitação de adesão. Penso que a decisão tomada pelo COI e pelo presidente Thomas Bach marca uma grande diferença entre a política e o esporte. Eles querem que o esporte e a política sejam áreas separadas. E eu fico muito feliz com isso. Porque, se a decisão fosse ligada à ONU, teríamos de esperar anos antes que a Rússia renunciasse ao seu veto. E perderíamos muitos atletas, que não teriam nenhuma perspectiva de futuro”.
Um “jogo da paz” com a Sérvia?
Tudo é uma questão de contexto. Erolld Belegu se opõe a essa visão das coisas – ou, pelo menos, se opunha até a admissão da Federação Kosovar de Basquete, que ele preside, no seio da Federação Internacional de Basquete (Fiba), em março de 2015. Em 2008, após engolir diversos fracassos em sua tentativa de integração mundial, ele denunciava ao site Kosovo 2.0 a instrumentalização do esporte: “Agora isso se tornou puramente político. Quem estima que esporte e política não estão ligados é ingênuo”. Para dar crédito à sua tese, ele denunciava um controle sérvio sobre a Fiba: “Borislav Stankovic, secretário-geral da Fiba de 1976 a 2002 e depois secretário-geral emérito, é sérvio”.
Depois da guerra e da intervenção ocidental de 1999, a Sérvia não reconheceu a independência de sua antiga província, sobre a qual continua reivindicando soberania. Em 2008, o grande vizinho exerceu pressões sobre a Federação Internacional de Futebol (Fifa) e a União das Federações Europeias de Futebol (Uefa) para anular um amistoso entre o Kosovo e a seleção olímpica de futebol do Brasil. Ainda que o reconhecimento continue fora de questão, os dois governos normalizaram suas relações em 2013, sob a égide da União Europeia, por meio de um acordo prevendo a consideração dos interesses da minoria sérvia do norte do Kosovo, o qual foi completado em 25 de agosto de 2015 por um novo texto.
Se a política influencia o esporte, este representa frequentemente a continuação da política por outros meios. Fadil Vokrri, presidente da Federação Kosovar de Futebol e último jogador local a ter feito parte da equipe da Iugoslávia, entendeu isso muito bem. Ele pleiteia um encontro esportivo entre os dois vizinhos: “Precisamos jogar esse jogo, que poderíamos chamar de ‘jogo da paz’”. Ainda não reconhecido pela Fifa – o comitê executivo deve se pronunciar em março de 2016 –, o Kosovo, contudo, pode disputar jogos amistosos desde 2014 e seu primeiro encontro contra o Haiti (0-0).
O reconhecimento da federação apresenta, novamente, problemas de ordem política. Todos os jogadores nascidos ou que tenham pais nascidos no Kosovo poderão integrar as fileiras da seleção. É a primeira vez na história que um caso como esse poderá acontecer: os jogadores kosovares que fugiram da guerra nunca tiveram a chance de escolher entre seu país de adoção e seu país de origem, já que este não existia oficialmente. As equipes da Suíça e da Albânia poderiam assim perder diversos jogadores de talento, como Xherdan Shaqiri, Granit Xhaka, Valon Behrami ou Lorik Cana. Da mesma forma, um esquiador da equipe eslovena e um lutador da equipe da Albânia já anunciaram que querem competir sob as cores do Kosovo.
“Os kosovares celebram provavelmente o acontecimento mais importante desde sua declaração de independência”, afirmava Petrit Selimi, o ministro das Relações Exteriores, na admissão no COI, em 2014. Hasani detalha o novo esplendor de seu país: “Em atletismo, corremos pela primeira vez nos campeonatos mundiais em Pequim e fomos reconhecidos. Tínhamos um atleta. Não era uma honra unicamente para ele, mas para todo o país. Depois participamos dos Jogos Europeus em Baku. Ganhamos a medalha de bronze de judô graças a Nora Gjakova. Ninguém esperava que a gente fosse ganhar uma medalha, e todo mundo falou disso”. Sua emoção é palpável quando ele afirma: “Graças ao esporte, nossa nação tem uma razão para se orgulhar, e não há muitas outras. Se um jornalista me perguntar do que nós, kosovares, podemos nos orgulhar, eu vou responder: ‘Do esporte’”.
Muitos esperam a consagração que significará a participação nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Cinco bilhões de telespectadores terão os olhos voltados para o Brasil; e eles poderão ver desfilar a bandeira do Kosovo, ouvir seu hino. Será uma oportunidade única para fazer falar do país e ver brilhar um kosovar nas telas do mundo inteiro. Maior esperança de medalha: a judoca Majlinda Kelmendi, bicampeã mundial e campeã europeia na categoria dos menos de 52 quilos. Ela já lutou sob as cores da Albânia. No momento de representar seu país, Majlinda não esconde a pressão que pesa sobre seus ombros: “Vou tentar não pensar em todos os kosovares que me olham e esperam que eu ganhe”.
As instâncias esportivas obrigam o país anfitrião de uma competição a aceitar o passaporte do Kosovo. Ainda muito crítica em relação a uma independência que ela não reconhece, a Rússia teve de acolher os atletas kosovares nos campeonatos mundiais de judô, em 2014, e entregar uma medalha de ouro a Majlinda. No entanto, a arena esportiva rivaliza com a geopolítica, sem substituí-la completamente. O Brasil irá, assim, acolher os atletas kosovares sob a bandeira que eles reivindicam… mesmo não reconhecendo o país – pelo menos por enquanto, pois os dirigentes da antiga região autônoma esperam poder aproveitar a ocasião para estabelecer ligações diplomáticas.
Em muitos aspectos, o conflito político-esportivo se parece com aquele vivido pelo Timor-Leste, o Sudão do Sul e a Palestina. Ainda que esta tenha sido reconhecida pela Fifa e pelo COI, diversos outros comitês internacionais debatem a seu respeito, já que até então ela só tem status de observador no seio da ONU. O Timor-Leste é membro da Fifa, e o Sudão do Sul, do COI. O presidente do Comitê Olímpico do Sudão do Sul, Wilson Deng Duoirot, foi o primeiro a tirar conclusões políticas do reconhecimento: “Temos a certeza de que este dia histórico, em que fomos reconhecidos pelo COI, será um meio de promover a reconciliação”. A diplomacia do esporte não pode mais ser subestimada.