‘Não nos damos por satisfeitos só com a inserção no texto’, diz Kleber Karipuna
Apesar de avanços positivos no texto final da COP28, movimento indígena, sociedade civil e especialistas reivindicam mais esforços das partes para concretizar metas
O primeiro balanço global do enfrentamento às mudanças climáticas realizado desde o Acordo de Paris, o Global Stocktake (GST), teve sua versão final apresentada na manhã desta quarta-feira (13), com menção aos direitos indígenas e à transição dos combustíveis fósseis. Apesar do avanço e da menção explícita à justiça climática, o resultado da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP28) frustra por apresentar brechas às grandes corporações poluidoras, não detalhar plano de implementação, não captar os bilhões de dólares necessários para mitigação e adaptação, além de não envolver povos indígenas no processo decisório.
O evento encerrou-se após a apresentação do GST, que manteve o 1.5 grau como limite seguro de aumento da temperatura global. Este texto final também é importante porque servirá de base para a revisão e a entrega de novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) dos países-parte em 2025. O momento é aguardado para a COP30, em Belém. A ambição moderada ou fraca dos países deve dificultar as negociações no Brasil daqui a dois anos, dizem especialistas.
A ministra do Meio Ambiente Marina Silva destacou a importância da participação da sociedade civil na Conferência. “Agradeço ao papel desempenhado pela sociedade civil, nos fazendo fortes cobranças para nos lembrar do sentido de urgência nas decisões que aqui tomamos”, declarou. Em plenária realizada antes do encerramento do GST, o Brasil pressionou para que o texto final estivesse alinhado com a ciência e a igualdade, e que o resultado deveria prover justiça climática e igualdade racial, para além de igualdade de gênero. No entanto, a versão final não contemplou “igualdade racial”.
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Direitos humanos na teoria
O grande avanço do ponto de vista dos direitos humanos foi a atenção dada aos direitos dos povos indígenas e comunidades locais. Mencionado nove vezes no texto (nas considerações iniciais, em adaptação, meios de implementação e cooperação internacional), a inserção é comemorada pelo movimento indígena, apesar da consciência de que é preciso colocar em prática o que está na teoria.
O coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Kleber Karipuna, diz que o movimento vai continuar incidindo para que os compromissos se transformem em realidade. “O texto reflete o compromisso político, que precisa ser agora evidenciado na prática. E isso se dá com a inserção dos povos indígenas na ocupação dos espaços de decisão, no beneficiamento do financiamento direto, em políticas governamentais”, reivindica. “No caso do Brasil, é preciso que haja o destravamento do processo de demarcação das terras indígenas, dada a relevância que os territórios indígenas têm para o combate à crise climática”, ressalta do ponto de vista doméstico.
Para o coordenador, o resultado é consequência da resiliência indígena ao longo das Conferências do Clima. “Não tenho sombra de dúvidas que isso é resultado da forte incidência da maior delegação de indígenas do mundo que já esteve numa COP. Nos espaços em que a gente participou, sempre reivindicamos compromissos mais evidentes no texto final. Creio que essa pressão surtiu efeito.”
A conquista, entretanto, é celebrada com cautela, porque a principal reivindicação indígena na COP28 é a participação de representantes nos processos de negociação. “Não nos damos por satisfeitos só com essa inserção no texto. Por exemplo, a gente insiste muito em fazer parte de espaços de deliberação, de governança, nem que seja no formato consultivo para as tomadas de decisões”, explica o coordenador da Apib. “No Fundo de Perdas e Danos, não queremos ser só beneficiários, mas fazer parte das tomadas de decisão sobre a aplicabilidade dos recursos”, complementa.
Outros avanços
Caroline Prolo, advogada e co-fundadora da Laclima, apontou outros pontos de progresso do GST. “Se comparado com outras decisões das últimas COPs, o texto progrediu bastante ao inserir de forma explícita uma mensagem de abandono dos combustíveis fósseis, e trazer o tema da biodiversidade e da conexão com a Convenção de Diversidade Biológica”, avaliou. Prolo ainda destaca com bons olhos as referências claras à implementação do Acordo de Paris com aspectos de gênero, direitos humanos e direitos das crianças.
Para o Greenpeace Brasil, o ganho desta COP foi debater enfaticamente o uso de combustíveis fósseis e colocar o eixo no centro de debate, o que até então não havia acontecido em edições anteriores. A organização espera o estabelecimento de um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. “Agora, os países precisam construir com clareza os mecanismos de implementação, especialmente os que dizem respeito a financiamento, capacitação e transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, o que deverá ser debatido na COP29”, afirma Camila Jardim, especialista em Política Internacional da instituição.
Nações ricas e corporações não assumem responsabilidade
Organizações internacionais associadas à Climate Action Network, a maior coalizão da sociedade civil, reconheceram o avanço de mencionar a eliminação dos combustíveis fósseis. O chefe de Estratégia Política Global da organização, Harjeet Singh, comemora que, após décadas de evasão, a COP28 finalmente lançou uma luz intensa sobre os verdadeiros culpados da crise climática. “No entanto, a resolução é prejudicada por brechas que oferecem à indústria de combustíveis fósseis numerosas rotas de fuga, contando com tecnologias não comprovadas e inseguras”, declara.
O avanço está aquém do que era reivindicado pela sociedade civil, Singh explica. “Embora a COP28 tenha reconhecido o enorme déficit financeiro no combate aos impactos climáticos, os resultados finais ficam decepcionantemente aquém de compelir as nações ricas a cumprir suas responsabilidades financeiras”, pondera.
No Brasil, a análise é crítica. O secretário executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, classifica o resultado como “fraco em substância”. Para ele, o governo brasileiro precisa assumir a liderança. Um primeiro passo, Astrini recomenda, é a anulação da entrada do Brasil na Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), anunciada na COP28.
“O Brasil pode começar cancelando sua promessa de se juntar à OPEP, o grupo que tentou e não conseguiu destruir essa cúpula. Sem uma ação real, o resultado de Dubai não será comemorado entre as comunidades de todo o mundo que estão sofrendo com os eventos climáticos extremos”, declara Astrini.
A linguagem em relação a combustíveis fósseis também frustrou Tatiana Oliveira, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que avalia o GST com desapontamento. “[O texto] não sugere nenhuma ação concreta e vinculante para os países, não menciona fontes emissoras e é liberal na temporalidade. Basicamente, deixa em aberto para que os países reduzam as emissões provenientes de fósseis como quiserem e quando quiserem”, observa.
Próximas paradas: Azerbaijão e Brasil
A próxima conferência, a COP29, será no Azerbaijão, na capital Baku, entre 11 e 24 de novembro de 2024, data que coincide com a reunião do G20 no Rio de Janeiro e que corre o risco de esvaziar o encontro no Leste Europeu. No ano seguinte, é a vez da aguardada COP30 em Belém, no Brasil, momento em que os países reapresentarão suas NDC. Para Tatiana Oliveira, do Inesc, o Azerbaijão não anima a sociedade civil, porque também enfrenta graves problemas em relação à democracia. “Até 2025, precisamos abrir a COP para participação e manifestação da sociedade civil global. Essa é a única maneira de realmente pressionar os chefes de estado e governo, fazendo com que a coisa avance na direção que precisamos para evitar a catástrofe climática global”, conclui.