Globo acerta com LFU e mantém domínio das transmissões do campeonato brasileiro
Antes de comprar o último pacote da Liga Forte União, emissora já tinha acordo para exibir jogos como mandantes dos times da Libra com exclusividade
A notícia recente do acordo entre a Globo e a Liga Forte União (LFU) para exibir as partidas dos clubes que pertencem ao grupo nas edições de 2025 a 2029 do Brasileirão evidenciou a força daquele que é um dos maiores conglomerados de mídia do mundo. O contrato prevê a transmissão de cinco partidas por rodada em todas as plataformas da emissora, sendo um destes jogos não exclusivo no Premiere.

Antes de comprar o último pacote da LFU, o grupo Globo já tinha acordo para mostrar com exclusividade todos os jogos dos times da Libra como mandantes, abarcando Atlético-MG, Bahia, Flamengo, Grêmio, Palmeiras, Red Bull Bragantino, São Paulo, Santos e Vitória. A nova parceria garante, nos mesmos termos, o televisionamento de Botafogo, Ceará, Corinthians, Cruzeiro, Fluminense, Fortaleza, Internacional, Juventude, Mirassol, Sport e Vasco. Além da série A, compõem o escopo das ligas outras 28 equipes de outras divisões, totalizando 15 clubes da Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e 33 da LFU.
Em geral, a Globo deve transmitir nove (de dez) partidas por rodada da Série A: oito exclusivas em todos os canais do grupo (Rede Globo, Sportv e Premiere) e uma compartilhada, exibida no Premiere, na Record e no YouTube. O outro jogo fica por conta do Prime Video, canal de streaming da Amazon. No total, as plataformas da Globo vão exibir 342 dos 380 jogos do Brasileirão, sendo 304 deles exclusivos.

Disputas e articulações pelos direitos de transmissão do futebol brasileiro
Para entender toda a movimentação do grupo Globo e suas estratégias comerciais no futebol, que vão além das relações econômicas, envolvendo disputas e articulações políticas entre clubes, empresas de comunicação, fundos de investimento e a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF), é preciso resgatar alguns eventos anteriores.
Nos últimos anos, a disputa pelos direitos de transmissão ganhou forte repercussão na imprensa e nos bastidores do futebol brasileiro. Quem não se lembra da faixa carregada pela Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, durante o Campeonato Paulista de 2016, com os dizeres “Futebol Refém da Rede Globo”? Naquele ano, a emissora controlava quase metade das transmissões do futebol masculino no país, com destaque para a Série A do Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil e alguns torneios de seleções.
Como aponta o Relatório das Transmissões de Futebóis 2012-2014, é possível observar, sobretudo a partir de 2018, um certo recuo do grupo, que passou a dedicar maiores esforços em programas de entretenimento mais lucrativos. Apesar de romper contratos durante a pandemia da Covid-19, a Globo assegurou a exibição da Copa do Mundo FIFA de 2022, além de voltar a transmitir a Copa Libertadores da América em 2023 e o Campeonato Carioca em 2025, retomando uma curva ascendente na aquisição dos direitos de imagem.
Nesse contexto, a concorrência histórica de agentes tradicionais — como os grupos Warner Discovery (Esporte Interativo, TNT e Max) e Disney (ESPN, Fox Sports e Star+), além de veículos brasileiros (SBT, Record e Band) — acompanhou a crescente presença dos serviços de streaming e o avanço de plataformas digitais (Amazon, YouTube, DAZN, My Cujoo, entre outras), redefinindo o panorama do acesso ao futebol.
Ao mesmo tempo, articulações entre políticos, clubes e cartolas brasileiros colocaram fim em uma barreira de mercado relevante: a alteração da propriedade dos direitos de transmissão a ambos os clubes atuantes numa partida, disposto na Lei Pelé (nº 9.615/1998), para a posse apenas da equipe mandante. Durante muito tempo, a antiga medida beneficiou a Globo, que tinha maior poder de barganha com os clubes, já que o acordo com a maioria das equipes inviabilizava a concorrência, restrita a poucos jogos. A chamada Lei do Mandante (nº 14.2025/2021), proposta inicialmente numa Medida Provisória (nº 984/2020), ainda durante a pandemia, tramitou no Congresso Nacional e foi sancionada pelo governo federal.
Passados mais de quinze anos da criação frustrada do Clube dos 13, em 1987, em meio a recorrentes crises na CBF, as principais equipes brasileiras passaram a discutir em 2021 a união de forças para a criação de uma liga que organizaria o torneio, que inclui a negociação dos direitos de imagem do Brasileirão.
Após divergências, principalmente em relação à distribuição das receitas das transmissões, os clubes se dividiram em dois blocos, dando origem, de um lado, à Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e, do outro, à Liga Forte Futebol (LFF) e ao Grupo União, unificados em 2023.
Findado o processo de negociações, podemos dizer que houve poucas mudanças efetivas na distribuição das transmissões do Campeonato Brasileiro. A Globo permanece com a maior fatia, com valores divididos de maneira semelhante ao contrato anterior (2019-2024). Entretanto, a ampliação de duas (Globo e Turner – esta até 2021) para quatro (Globo, Record, Amazon e YouTube) emissoras que possibilitam aos torcedores acompanhar duas partidas por rodada na TV aberta (Globo e Record), bem como aumentam as opções nos canais pagos.
Como fica a divisão das receitas das transmissões?
Em relação à divisão das receitas, fator preponderante na organização dos clubes em torno das ligas, há comemorações de ambas as partes. Enquanto a LFU alcançou uma receita bruta de R$ 1,477 bilhão, cujo montante será dividido entre onze clubes, mais 10% da receita líquida do Premiere; a Libra fechou um acordo de R$ 1,17 bilhão, mais 40% da receita líquida que a emissora obtiver com o Premiere, abarcando nove clubes.
Vale ressaltar ainda que por trás da LFU estão as empresas LiveMode, Alvarez & Marsal, General Atlantic e XP, enquanto a Libra tem apoio de BTG e Codajas Sports Kapital. No processo de compra dos direitos, houve outros interessados, como os fundos de investimentos Mubadala Capital e Serengeti.
Assim como ocorre na transformação dos clubes brasileiros em SAF (Sociedades Anônimas do Futebol) ou mesmo na avalanche das bets no futebol nacional, os direitos de transmissão despertam cada vez mais a investida de corporações multinacionais, de capital aberto, com destaque para as estadunidenses e árabes, que utilizam o futebol como uma forma de maximização de lucros e expansão dos negócios para fora de seus territórios.
No total, ambas as ligas devem movimentar aproximadamente R$ 2,9 bilhões anuais, sem contar outros patrocínios publicitários, negociados à parte. A receita é superior ao contrato anterior (2019-2024), que girou em torno de R$ 2,3 bilhões por ano, conforme estimativas do jornalista Rodrigo Capelo, em seu blog no ge (globo esporte). Em média, os times da série A devem receber entre R$ 130 milhões e R$ 151 milhões anuais. No entanto, esse valor pode variar entre 200 e 80 milhões de reais, a depender da equipe.
Não se sabe ao certo qual será o repasse efetivo aos clubes por conta de algumas especificidades dos contratos, caso das exceções abertas na entrada do Corinthians na LFU, mas a divisão das receitas deve abarcar o modelo 45-30-25, sendo 45% iguais para todos os integrantes da Série A, 30% de acordo com a colocação na tabela e 25% de acordo com o apelo comercial das equipes.
Algo visto como positivo para o novo ciclo de direitos é que esta divisão promete ser mais justa que no histórico anterior. A título de exemplo, seguindo a fórmula anterior de 40-30-30 – com Premiere à parte e contratos mínimos garantidos por alguns clubes – no Campeonato Brasileiro de 2023, apenas seis equipes (Flamengo, Corinthians, Palmeiras, Grêmio, Atlético-MG e Botafogo) faturaram 49,2% do dinheiro investido pelo Grupo Globo em direitos de transmissões. Como haver disputa equilibrada em uma competição tão desigual em termos de investimento?
O que mudou para os torcedores, em termos de acesso?
Se os clubes e as empresas vão muito bem, para os torcedores, assistir uma partida do clube do coração diante da pulverização dos direitos de imagem pode se tornar um verdadeiro desafio, seja financeiro ou mesmo para encontrar onde a partida será transmitida. Com as parcerias entre Globo e Libra/LFU, as atenções voltam a se concentrar nos canais da família Marinho, pelo menos no Campeonato Brasileiro, onde o grupo detém um monopólio histórico.
A chegada de novos veículos têm fomentado a competição pelos direitos de imagem, mas não resolve os problemas dos torcedores. Os desafios econômicos e de acesso ao futebol persistem, isso porque alguns jogos seguem transmitidos apenas em plataformas restritas, vinculadas a uma assinatura mensal, via cabo ou internet. A solução alternativa encontrada pela população mais pobre parece estar nos aparelhos e serviços piratas, proibidos pelo Estado, mas amplamente distribuídos no território brasileiro.
Segundo análise recente do Observatório de Transmissões dos Futebóis, o avanço das plataformas de streaming não diminui o poder da TV Globo, que possui uma infraestrutura consolidada com redes espalhadas por todo o país. Como os direitos de transmissão envolvem condições desiguais de acesso à internet, o grupo consegue alcançar um público significativamente maior do que essas transmissões.
Por outro lado, as recentes negociações vinculadas aos dois blocos comerciais (LFU e Libra) estão longe de diminuir a disparidade entre os clubes, o que pode comprometer a competitividade das competições, gerando um ciclo de dominação por uma elite composta por poucos clubes localizados no eixo Rio-São Paulo.
Além disso, na contradição de tantas e generosas ofertas financeiras para torneios premium, é preciso considerar que a falta de transmissões em TV aberta provocava a invisibilidade de alguns torneios estaduais. Cenário inédito neste ano, com todos os estaduais masculinos previstos para transmissão, o futebol de mulheres segue com poucos torneios restritos.
Indo além do protesto organizado pela Gaviões, outras reflexões voltadas ao acesso dos torcedores podem ser levantadas. Afinal, se seu time do coração não faz parte da elite financeira do futebol brasileiro, os quais recebem os maiores repasses de transmissão, é bem improvável acompanhar disputas de títulos ou até jogos regulares exibidos na televisão.
Em síntese, a premissa de uma internet para democratização da comunicação, o que envolve o acesso ao futebol como direito à cultura, não parece ser concretizada nas novas disputas pelas transmissões esportivas. Isso porque o avanço das plataformas digitais não diminui o poder dos grandes conglomerados de mídia e ainda carrega um modelo de negócio ainda mais problemático, quando se baseia na exploração de dados pessoais, vigilância e na limitação do acesso à informação.
Impera nas transmissões de futebol uma confusão generalizada em que os torcedores não sabem minimamente quando e onde assistir aos jogos. Por isso, enquanto o futebol e a mídia forem tratados como negócio, o lucro será dos empresários e o prejuízo deve recair sobre a população.
Amanda Trovo é Bacharel em Relações Internacionais pela UNIMEP, pesquisadora do Observatório das Transmissões de Futebóis e membra do grupo de estudos Futebol Dentro e Fora das Quatro Linhas (MDF4L).
Iago Vernek Fernandes é Mestrando em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC, coordenador do Observatório das Transmissões de Futebóis e associado ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação.