Grandes fortunas, pequenos impostos
Imposto sobre Grande Fortunas tem potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões ao ano, atendidos os seguintes parâmetros: alíquota de 0,5% sobre as fortunas acima de R$ 10 milhões até R$ 40 milhões; alíquota de 1% sobre as fortunas acima de R$ 40 milhões até R$ 80 milhões; alíquota de 1,5% sobre as fortunas superiores a R$ 80 milhões
Após anos sendo tratado sob a ótica de uma pauta improvável, longe da realidade, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) ganhou espaço no debate público nos últimos meses, ainda que se suscitem dúvidas ou questionamentos acerca de seu potencial arrecadatório e de seu papel na redução das desigualdades. As discussões sobre as políticas econômicas e o propalado equilíbrio fiscal do Brasil estão presentes de forma intensa há muito tempo, mas a pandemia do novo coronavírus ajudou a direcionar os olhares para soluções que antes não eram sequer consideradas.
Em 2018, a Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) e a Anfip (Associação Nacional da Receita Federal do Brasil), em parceria com economistas, especialistas e entidades ligadas ao fisco, lançaram a Reforma Tributária Solidária (RTS), um amplo estudo sobre o sistema tributário brasileiro.
A RTS demonstrou de forma clara como a regressividade tributária penaliza as classes mais pobres e atrasa o desenvolvimento brasileiro.
Com medidas que propõem mais contribuição por parte dos super-ricos, a RTS foi vista por muitos como utopia. Agora, três anos depois, o trabalho é encarado com a devida seriedade e começa a pautar o debate público sobre a necessidade de uma reforma tributária com caráter social e de redução das desigualdades, o que passa necessariamente pela taxação de grandes fortunas, cuja relevância é ainda questionada por alguns setores, sob o argumento (frágil) de que se trata de um imposto de gestão difícil e arrecadação modesta, à luz, alegam essas vozes, da experiência internacional.
Permito-me apresentar uma visão diferente que, sem desconsiderar a experiência internacional, coloca em primeiro plano a realidade brasileira. Antes, porém, celebro a posição dos que passaram a defender uma reforma tributária que não cuide apenas da simplificação, mas que também enfrente a regressividade do sistema tributário, atribuindo-se maior peso à tributação sobre a renda e o patrimônio, e menor sobre o consumo.
No tocante ao IGF, é fato que esse imposto não tem potencial para cumprir papel de ponta num sistema tributário progressivo, não exatamente porque tem baixo potencial arrecadatório no caso brasileiro, mas porque o imposto com maior potencial é, de muito longe, o imposto de renda.
Desde a Reforma Tributária Solidária, apontamos a regressividade como a principal anomalia do sistema tributário brasileiro, quando todas as vozes com espaço na chamada grande imprensa circunscreviam a reforma tributária à mera simplificação.
Mais recentemente, no documento “Tributar os super-ricos para reconstruir o país” (2020), apresentado por um conjunto de entidades, entre as quais a Fenafisco, defendemos a revogação imediata da isenção do IRPF sobre os lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas e, ainda no âmbito do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, a reformulação da tabela de alíquotas. Propomos, por um lado, a isenção da renda mensal de até três salários mínimos e, por outro, a criação de novas alíquotas de modo a incrementar a carga efetiva do imposto sobre as rendas superiores a cerca de 35 salários mínimos.
A combinação dessas duas medidas no IR tem potencial de incremento da arrecadação do IRPF na ordem de R$ 158 bilhões anuais.
E quanto ao Imposto sobre Grandes Fortunas?
No citado documento, que atualiza os estudos da RTS ao contexto da pandemia, demonstramos que o IGF tem potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões ao ano, atendidos os seguintes parâmetros: alíquota de 0,5% sobre as fortunas acima de R$ 10 milhões até R$ 40 milhões; alíquota de 1% sobre as fortunas acima de R$ 40 milhões até R$ 80 milhões; alíquota de 1,5% sobre as fortunas superiores a R$ 80 milhões.
De um lado, um novo IR, efetivamente progressivo, com potencial arrecadatório de R$ 158 bilhões por ano. Do outro, um IGF, também progressivo, com potencial de R$ 40 bilhões anuais, que seria cobrado apenas de 0,3% da população, os mais ricos do país (os super-ricos).
Considerando a realidade brasileira, marcada por uma profunda concentração de renda e, de acordo com relatório da ONU, a segunda maior do mundo, o IGF, mais do que necessário, é exigível e urgente.
Se é verdade que alguns países aboliram essa espécie de imposto, também é verdade que muitos outros o mantém, como a França, que outros tantos operam o seu retorno, e que todos os países mais avançados e menos desiguais que o Brasil têm sistemas tributários assentados na renda e patrimônio.
Em vista disso, é sustentável até mesmo a tese da temporariedade do IGF, na perspectiva de um futuro desejado de redução dos níveis – hoje inaceitáveis – da desigualdade de renda. O que não se sustenta é a tese de que é dispensável ou indesejável um imposto que, sozinho, pode arrecadar mais do que todo o orçamento anual do maior programa de distribuição de renda no país, o Bolsa Família.
A tributação dos super-ricos recebeu apoio de parlamentares de diversos campos do espectro político e tramita no Congresso Nacional. As medidas não são soluções definitivas para as mazelas e desigualdades brasileiras, nutridas desde 1500, mas são importantes passos em busca de um país mais justo socialmente e equilibrado.
Em 2021, devemos permanecer atentos e aguerridos para lutar e defender um país mais justo e menos desigual. Tratar os brasileiros com dignidade e aplicar soluções adequadas é a única saída para a crise que enfrentamos e o fortalecimento do Brasil como nação.
Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).