Justiça social em risco: Desigualdade e o futuro das organizações sociais
Cortes americanos em cooperação internacional, desinformação sobre a atuação de Ongs e concentração de riqueza ameaçam vidas e aprofundam desigualdades globais
No Dia Mundial da Justiça Social, celebrado em 20 de fevereiro, somos convidados a refletir sobre as profundas desigualdades que persistem em nossa sociedade. O Relatório da Oxfam, apresentado no Fórum Econômico Mundial em Davos em 2025, revelou dados alarmantes sobre a concentração de riqueza no Brasil. Atualmente, menos de 100 pessoas no país detêm R$ 146 bilhões, enquanto milhões enfrentam fome e insegurança alimentar. Durante a pandemia, enquanto muitos perderam tudo, dez novos bilionários surgiram no Brasil.

Essa disparidade destaca a necessidade urgente de implementar um imposto global sobre os super-ricos. Os recursos arrecadados poderiam ser direcionados para políticas públicas de combate à pobreza extrema e à fome, promovendo uma distribuição mais equitativa da riqueza. É inaceitável que, enquanto alguns acumulam fortunas inimagináveis, uma parcela significativa da população global ainda viva em condições de miséria.
Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, a decisão da administração Trump de suspender a assistência ao desenvolvimento estrangeiro e desmantelar a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) está ameaçando a vida e o futuro de comunidades em crise. Apesar de representar menos de um por cento do orçamento dos EUA, a USAID é uma das principais fontes de financiamento para projetos humanitários e de desenvolvimento em todo o mundo, apoiando iniciativas que salvam vidas, combatem doenças, educam milhões de crianças e reduzem a pobreza. Comunidades em todo o mundo que enfrentam algumas das crises humanitárias mais graves, e que dependem de ações urgentes para sobreviver, sentirão imediatamente os cortes na assistência estrangeira. É por isso que a Oxfam América se juntou a uma ação judicial para defender a USAID e enfatizar como a suspensão da assistência estrangeira exacerbou as crises humanitárias existentes.
Muitas comunidades, particularmente no Sul Global, dependem desses recursos para desenvolver ações que fortaleçam políticas públicas e garantam serviços essenciais para suas populações. Com a interrupção abrupta de todas as atividades, inúmeras iniciativas críticas estão em risco, impactando diretamente as comunidades que mais precisam desse apoio. Além disso, essa política prejudica a capacidade de responder a emergências humanitárias e enfrentar as mudanças climáticas, aumentando a vulnerabilidade de milhões de pessoas.
Medidas como essa, infelizmente, não são novas. Além dos EUA, outros países também tomaram ações que impactaram negativamente as causas humanitárias no Sul Global. Por exemplo, em 2024, após acusações de que funcionários da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) estavam envolvidos em atividades terroristas após os ataques do Hamas na Faixa de Gaza, vários países suspenderam seu financiamento à agência. Esses países incluíram Austrália, Reino Unido, Canadá, Itália, Suíça, Holanda, Alemanha e Finlândia. Essas suspensões ocorreram em um momento crítico, agravando a crise humanitária na região e afetando milhões de refugiados palestinos que dependiam da assistência da UNRWA.
Essas ações refletem uma tendência preocupante de desinformação, pois criam propaganda negativa em torno dessas medidas cruciais, e o abandono de causas humanitárias essenciais, especialmente em regiões vulneráveis do Sul Global. A suspensão abrupta de financiamento, muitas vezes baseada em alegações não verificadas ou generalizações indevidas, prejudica a eficácia dos programas de ajuda e coloca em risco populações que dependem desses recursos para sua sobrevivência e bem-estar.
A saída do Acordo de Paris e as medidas domésticas que atacam iniciativas de combate às mudanças climáticas, em um momento em que já estamos vivenciando a escalada da crise climática, acrescentam tensão e instabilidade política em um momento global crucial para a construção de soluções e políticas internacionais baseadas na cooperação e nos direitos humanos.
Países com governos de extrema-direita, como Estados Unidos, Argentina, Itália, Hungria, Polônia, Holanda e Reino Unido, podem dificultar as negociações na COP30 ou reduzir seu compromisso com a agenda climática. Muitas dessas nações priorizam interesses econômicos nacionais, apoiam indústrias poluentes como petróleo e carvão, e questionam acordos climáticos multilaterais. Isso mina o financiamento para países vulneráveis, desacelera a transição energética global e enfraquece os esforços para combater as mudanças climáticas, prejudicando desproporcionalmente o Sul Global, que já sofre os piores impactos da crise ambiental. Ao mesmo tempo, a Oxfam prevê que o mundo poderá ter até cinco trilionários na próxima década, soando um alarme para a justiça social.
Diante desse cenário, o ano de 2025 apresenta um panorama desafiador, e mais do que nunca, é essencial que a sociedade apoie as organizações da sociedade civil para que possam continuar desempenhando seu papel crucial na promoção dos direitos humanos, no combate às desigualdades e na construção de um mundo mais justo e solidário.
Neste 20 de fevereiro, devemos reafirmar nosso compromisso com um mundo mais justo e equitativo. A desigualdade não é inevitável; é o resultado de escolhas políticas e econômicas que podem — e devem — ser transformadas. A justiça social exige ação, coragem e solidariedade. Não podemos permitir que os interesses de uma minoria determinem o futuro da maioria. A hora de agir é agora.
Viviana Santiago é diretora-executiva da Oxfam Brasil.