Livro de Maya Angelou inédito no Brasil reforça seu legado para a literatura mundial
Lançamento da editora Nova Fronteira, o livro Não trocaria minha jornada por nada traz ensaios que reforçam a escrita leve e franca que consagrou Maya Angelou, uma das maiores escritoras norte-americanas de todos os tempos
Uma mulher entra no bar que costuma frequentar e se vê rodeada de pessoas simpáticas e sorridentes lhe desejando parabéns, mas não é seu aniversário. O barman lhe mostra o jornal, que estampa seu rosto abaixo do título de “Pessoa da Semana”. Após alguns minutos de abraços entusiasmados, o ar blasé habitual retorna às faces dos clientes do bar, e a mulher se vê sozinha com os martinis que havia ganhado de brinde. A história é contada por Maya Angelou em um dos ensaios do livro Não trocaria minha jornada por nada, que acaba de ser publicado em português pela editora Nova Fronteira.
Grande poetisa norte-americana e figura influente da cultura afroamericana, Maya Angelou lutou pela igualdade racial ao lado de Malcolm X e Martin Luther King Jr. e escreveu oito livros autobiográficos, com destaque para Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, que lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Pulitzer em poesia. Além disso, recebeu de Barack Obama a Medalha Presidencial da Liberdade – a maior condecoração civil dos Estados Unidos – e estampa, desde o ano passado, moedas de dólar. Ainda que rodeada de triunfos, no ensaio “Aumentando os limites”, a autora narra um sentimento tão familiar ainda que pouco discutido, a solidão da mulher negra.
É essa familiaridade e franqueza, escrita de forma leve e gentil mesmo ao tratar de temas tão dolorosos, que torna os textos de Angelou tão valiosos. O modo doce de falar é defendido pela própria autora no ensaio “Vozes do respeito”. “Nesse Ensaio, Maya Angelou fala dos agravos resultantes da escravidão e parece nos dizer: usem as palavras de modo mais gentil, até porque a escrita de Angelou é leve, mesmo ao tratar de termos tão profundos. O Racismo não nos dá tréguas, acontece no cotidiano. Racismo renovado, como diz Maya Angelou, é uma das facetas da pós-modernidade. Temos Racismo, ou, como prefiro dizer, Racismos. A escravidão silenciou nossa História, Cultura, Valores, e, na atualidade, ainda vemos e sentimos os agravos dolorosos provocados pelo Racismo. Racismos”, comenta em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, Vilma Piedade, responsável pelo prefácio à edição.
Assim como Maya, Vilma luta com as palavras ao cunhar o conceito de Dororidade, em livro homônimo lançado em 2017 pela Editora Nós. Observando que o feminismo hegemônico exclui questões ligadas às opressões de raça, a autora expande o conceito de sororidade para acolher a negritude e enfrentar a dor da mulher negra. Ela explica: “Quando criei o Conceito Dororidade, falo ‘da dor e nem sempre delícia de se saber quem é’. Dororidade, na minha leitura, fala da dor provocada pelo Machismo, que une todas as Mulheres, de todas as Raças e Etnias, mas Dororidade vai além. Nós, Mulheres Jovens Pretas, temos para além do Machismo uma dor a mais… a dor provocada pelo Racismo. Essa só Nós sentimos e identificamos. Se dá em qualquer hora e lugar, e não nos dá tréguas… acontece na Rua, no Trabalho, na Saúde, na Escola. O silenciamento histórico, as violências e a invisibilidade nos marcaram e ainda marcam muitas de Nós. São as marcas resultantes da escravidão a que fomos submetidas, submetidos, durante um longo e doloroso período da História da Humanidade.”
O conceito dialoga perfeitamente com o livro de Maya Angelou, que em histórias curtas e pensamentos íntimos gera uma rede capaz de apoiar e dar voz às diversas questões que as lutas feminista e antirracista, enquanto questões separadas, tendem a ignorar. Seja falando de sua família, de sua religião, do seu dia a dia ou de seus relacionamentos amorosos, Maya transforma a dor – que aparece em seus diversos formatos, da solidão à violência – em potência com sua “Escrevivência”, como define Vilma: “Ela ergueu a Voz e deu voz às Mulheres, Jovens Negras, ultrapassou os EUA e alcançou o mundo. Como disse Maya:
Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas, ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar”
O que esperar do lançamento? Vilma responde, nas palavras de Maya: “Ela disse que a vida só vale a pena se você deixar uma marca, um legado. Por isso, Ela ‘Não trocaria sua jornada por nada’. A resposta está aí. Agora, é só ler o Livro e viajar nos Ensaios, na poesia, nas Vivências e Escrevivências da Grandiosa Maya”.
*Colaborou Bianca Pyl
Carolina Azevedo é integrante da equipe do Le Monde DIplomatique Brasil