A maconha e o fracasso da guerra às drogas
A guerra às drogas é um fracasso que deixou de ser uma campanha e passou a ser uma cultura
Desde a mais tenra infância somos ensinados a temer as drogas. Quem nunca foi alertado de que, se em algum momento recebesse uma oferta de droga, sua resposta indubitavelmente deveria ser não. Um não convicto e retumbante, capaz de afastar qualquer influência.
O tempo passou e a vida adulta nos faz compreender o quão frágil é essa ideia. Maconha, cocaína, crack, por exemplo, são as substâncias não reguladas mais consumidas do Brasil e, portanto, consideradas drogas. No entanto, vale ressaltar que drogas também são substâncias reguladas, ou seja, permitidas com restrições. Nesse grupo, dentre os mais consumidos no país estão o álcool, o cigarro e o rivotril. Seis substâncias completamente diferentes entre si, todas consideradas drogas, mas apenas algumas delas são reguladas pelo governo, e seu uso legitimado pela sociedade.
Podemos nos ater a uma delas: a maconha. A maconha (ainda) não se encontra entre as drogas lícitas e isso precisa mudar o quanto antes.
No Brasil, 443 pessoas morrem todos os dias por causa do cigarro. São mais de 160 mil mortes anuais somente no nosso país. No mundo, o tabaco mata mais de 8 milhões de pessoas anualmente, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Quando o assunto é álcool, só em 2021, foram computadas 69 mil mortes e 335 mil internações associadas ao álcool no país, de acordo com dados do Datasus. Vale lembrar a tragédia que aconteceu em 2023 em Catalão, Goiás, onde um trabalhador rural morreu após beber uma garrafa inteira de cachaça para ganhar uma aposta num bar. A caso foi registrado como morte natural.
A maconha nunca matou ninguém. Não existe na história da humanidade um registro sequer sobre uma pessoa que tenha tido overdose de maconha. Além da não letalidade, a maconha tem um outro diferencial gritante: seu potencial medicinal. A maconha hoje é comprovadamente um remédio utilizado para tratar pelo menos trinta doenças e condições de saúde, que vão desde doenças raras até depressão e ansiedade, a epidemia dos nossos tempos.
Um exemplo milagroso é a história emocionante da Clarian, filha da Cida Carvalho, conhecida como Cidinha, fundadora da Cultive, Associação de Cannabis e Saúde, uma das principais associações de cannabis de São Paulo. Clarian foi diagnosticada com Síndrome de Dravet, uma forma de epilepsia caracterizada por convulsões recorrentes. Ainda criança, antes de tratar a epilepsia com cannabidiol, ela chegou a convulsionar mais de cinquenta vezes em um único dia. Vale lembrar, para além das doenças raras, o Brasil é o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo, segundo a OMS. A quantidade de pessoas que poderiam efetivamente se beneficiar do remédio de cannabis é inimaginável.
Por fim, o cânhamo. Sem potencial medicinal, o macho da planta não produz as flores, de onde se extrai a medicina, e tem uma das fibras vegetais mais resistentes da natureza. O potencial industrial desta commodity poderia gerar um impacto gigantesco no Brasil, onde ainda não é comercializado como em outros continentes como na América do Norte, Europa e Ásia Em outras palavras, tudo o que é de plástico poderia ser de cânhamo. Segundo a consultoria Kaya Mind, para o Brasil, um investimento no mercado de cânhamo significaria R$ 4,9 bilhões movimentados e uma arrecadação de R$ 330,1 milhões em impostos. Isso tudo através da promoção de uma economia verde, sustentável e de baixo carbono.
Os argumentos para regular a maconha no Brasil são muitos e vão além dos benefícios medicinais mencionados acima e da sua distinção em relação aos malefícios de outras drogas – inclusive aquelas livremente legitimadas. O último dos argumentos, mas não menos importante, é que a regulação é a melhor resposta para o fracasso da guerra contra o narcotráfico. Fracasso porque se mostraram ineficientes todas as políticas baseadas na repressão total. Reconhecer que um usuário de maconha não é um criminoso é o primeiro passo para isso.
A guerra às drogas é um fracasso que deixou de ser uma campanha e passou a ser uma cultura, fundada na nutrição de um medo coletivo, esse sujeito indeterminado responsável por tantos imaginários trágicos. E é por ele que toleramos tantas injustiças. Difícil desconhecer esse filme e como ele acaba: com a penalização permanente de pretos e pobres, o encarceramento em massa e injusto, e a aplicação desigual da lei em razão da cor e das condições sociais e econômicas do usuário.
Lideranças como o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama já se posicionaram sobre o tema: “Jovens de classe média não são presos por fumar maconha, mas jovens pobres são”. Fazer do usuário de maconha um criminoso, perigoso, que precisa estar atrás das grades, é o nascedouro das nossas maiores desigualdades.
Maisa Diniz é articuladora da Bancada da Cannabis do Congresso Nacional.
ENTRE O RUIM E O HORRENDO – Este texto contribui com os argumentos de quem é contra a infrutífera e idiota proibição às drogas.
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