O Estado da Palestina é para amanhã, sempre amanhã
Em 1948, os EUA hesitaram em reconhecer Israel. Em 2011, eles não têm dúvidas quanto a bloquear a entrada da Palestina na ONU. O veto, encorajado pela União Europeia, visa, mais uma vez, adiar a decisão e apostar em negociações bilaterais, fadadas ao fracasso dado o desprezo de Israel pelo direito internacionalAlain Gresh
(Palestino segura bandeira de seu país no bairro Ras al-Amud, em Jerusalém Oriental)
Desde a Antiguidade, o paradoxo formulado pelo filósofo grego Zenão de Eleia ocupou os pensadores por muito tempo: poderia Aquiles “dos pés ligeiros” vencer uma corrida dando 100 metros de vantagem ao adversário? Não, responde Zenão, pois o herói da Ilíada jamais conseguiria alcançá-lo. De fato, ele reduziria a distância primeiro pela metade, em seguida pela metade da metade, e assim por diante infinitamente, sem que a distância entre os dois jamais se anulasse.1
É essa mesma maratona sem fim que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) está correndo em sua busca por um Estado. Cada etapa alcançada parece aproximá-la de seu objetivo, mas sempre há uma metade da distância a ser percorrida, uma última condição a ser preenchida, uma última concessão a ser feita. Em 1999, a OLP anunciou que proclamaria o nascimento do Estado palestino, ao final do período provisório de “autonomia” da Cisjordânia e de Gaza, celebrada pelos acordos de Oslo de 1993. Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) pressionaram, e, em troca de um adiamento da proclamação, a UE afirmou durante uma cúpula em Berlim, em março de 1999, “sua disposição em considerar o reconhecimento de um Estado palestino”.
Em março de 2002, o Conselho de Segurança da ONU proclamava seu apego à visão de uma região na qual coexistiriam dois Estados, Israel e a Palestina. No ano seguinte, o Quarteto (Estados Unidos, União Europeia, Rússia e ONU) publicava “um roteiro” que previa a criação de um Estado palestino antes do final de 2005. Após uma paralisação das negociações, o presidente George W. Bush convocava em Annapolis, em novembro de 2007, uma dessas reuniões tão midiáticas como a “comunidade internacional” preza, na qual se confrontavam a Europa e a Rússia, a Síria e o Egito, os palestinos e os israelenses: um comunicado previa que o horizonte seria enfim alcançado no final de 2008. No dia 23 de setembro de 2010, em seu discurso diante da Assembleia Geral da ONU, o presidente Barack Obama expressava sua esperança de ver a Palestina integrar a organização em setembro de 2011. Um ano depois, ele oporia seu voto a tal admissão.
É essa longa história de promessas descumpridas que obrigou a liderança palestina a se dirigir diretamente às Nações Unidas e se desvencilhar das negociações bilaterais “sem condições prévias”, isto é, em um contexto no qual a raposa “livre” se encontra também “livre” no galinheiro. Agindo assim, ela reconhecia o fracasso de sua estratégia passada.
Em 1969, após a derrota árabe de junho de 1967,2 os movimentos armados de fedayins tomaram o controle da OLP, livrando-se da antiga liderança que tinha falhado ao alinhar-se com os regimes árabes. A nova orientação da OLP baseava-se em três pilares: a luta armada, método privilegiado no então denominado Terceiro Mundo, no qual era necessário, como dizia Che Guevara, “criar um, dois, três, múltiplos Vietnãs”; a libertação de toda a Palestina (implicando a destruição das estruturas sionistas de Israel) e a edificação de um Estado democrático no qual coexistiriam muçulmanos, judeus e cristãos; e a independência da decisão palestina (sobretudo em relação aos regimes árabes).
Os principais sucessos da OLP foram conseguir a união de todos os palestinos sob sua bandeira – do engenheiro que trabalha no Kuwait ao agricultor de Hebron, passando pelo refugiado do campo libanês de Bourj al-Barajneh –, reforçar sua coesão nacional e expressar sua vontade de independência. No entanto, o fracasso da luta armada, a negação da grande massa de israelenses em aderir à utopia de um Estado democrático e a recusa dos aliados da OLP, sobretudo aqueles pertencentes ao “campo socialista”, em aprovar a destruição de Israel levaram a organização a entrar no jogo diplomático.
A liderança palestina já tinha obtido múltiplos sucessos nessa área: não somente ela reposicionou a Palestina no mapa político – o futuro dos palestinos não estava mais reduzido a um simples problema de “refugiados”, e sim ao direito de autodeterminação de um povo −, mas também foi reconhecida pelos países árabes como o “único representante do povo palestino”. Em 1974, Yasser Arafat era acolhido triunfalmente, em Nova York, na Assembleia Geral da ONU, da qual a OLP participou como membro observador.
Mas seus avanços se chocavam com os dois obstáculos de sempre: Israel e os Estados Unidos, que se recusavam a dialogar com uma “organização terrorista”. Foram necessários muitos anos, intermináveis negociações e, sobretudo, o início da Intifada das pedras em dezembro de 1987 para que o statu quo se tornasse perigoso para todos. Mesmo em Israel, muitas vozes se manifestaram então a favor de um acordo. Em novembro de 1988, o Conselho Nacional Palestino proclamava o nascimento de um Estado próprio, aceitando o plano de partilha da Palestina votado em uma Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 29 de novembro de 1947.
Yasser Arafat confirmava essa direção diante da Assembleia Geral das Nações Unidas em Genebra, reunida no dia 13 de dezembro de 1988. Mas Washington permanecia insatisfeito. Uma semana depois, o líder palestino lia uma declaração – redigida pelo governo norte-americano!3 – confirmando sua renúncia ao terrorismo, a aceitação da resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU4 e o reconhecimento de Israel. Uma página parecia virada e outra era aberta com os acordos de Oslo e um aperto de mão entre Arafat e Itzhak Rabin, em 13 de setembro de 1993, no jardim da Casa Branca, sob o olhar atento do presidente Bill Clinton.
(Palestina em campo de refugiados, Líbano)
Mudança de estratégia
Dezoito anos depois, o caminho tomado por Arafat e seus pares se revelou um beco sem saída. Nenhuma soberania palestina foi estabelecida na Cisjordânia e em Jerusalém, e mesmo na zona A5 as intervenções israelenses se multiplicaram: qualquer cidadão palestino pode ser detido. O número de colonos na Cisjordânia aumentou de 100 mil em 1993 para quase 300 mil nos dias de hoje, e os de Jerusalém passaram de 150 mil para 200 mil. A economia continuaria sufocada, e os relatórios sobre o boom que estaria ocorrendo nesses territórios evitam relembrar que o PIB per capita está mais baixo que no ano 2000 e que somente uma reduzida camada social se beneficia dessa situação.6 Ao mesmo tempo que a Autoridade Palestina colabora de modo eficaz com os ocupantes israelenses para combater o “terrorismo”, ela também impõe um poder autoritário que lembra o de seus vizinhos árabes.
Esse fracasso foi condenado pelos eleitores palestinos que votaram no Hamas em janeiro de 2006, antes que a vitória lhes fosse confiscada pela “comunidade internacional” aliada de Mahmoud Abbas, que pôde continuar sem problemas as negociações. Mas, assim como a OLP, o Hamas não oferece uma estratégia plausível aos palestinos. O partido se identifica com a luta armada, mas seus resultados nessa área, como os das organizações de fedayinsapós 1967, são fracos. O Hamas impôs, há pelo menos dois anos, um cessar-fogo com Israel a todas as organizações palestinas de Gaza. Quanto ao autoritarismo, a facção concorre de igual para igual com o partido de Abbas.
Essa crise poderia ter perdurado se o Fatah e o Hamas continuassem pendurados nos ramos do poder. Mas o despertar árabe mudou o contexto. A queda dos regimes da Tunísia e do Egito, em primeiro lugar, e a firmeza da Turquia em relação a Israel em seguida enfraqueceram Washington e Tel-Aviv, privando Abbas de um aliado de peso, o presidente Hosni Mubarak, enquanto o Hamas se enfraqueceu com a revolta na Síria. A decepção em relação ao presidente Barack Obama, incapaz de pressionar seu aliado Benjamin Netanyahu (o primeiro-ministro israelense), acentuou-se. Teria ele essa coragem política a um ano da eleição presidencial que está se revelando mais incerta do que se previa?
No cenário israelense, apesar das manifestações de oposição à ordem neoliberal, a grande maioria da população, traumatizada pela Segunda Intifada e condicionada pela propaganda de seus dirigentes, apoia a intransigência do governo, e Netanyahu fica parecendo quase um moderado se comparado ao seu ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman. Shelly Yachimovich, deputada e candidata de peso à direção do partido trabalhista, declarou recentemente que o projeto de colonização não era“nem um pecado nem um crime”, uma vez que ele tinha sido lançado pelos próprios trabalhistas (o que é verdadeiro) e que era desse modo “totalmente consensual”.Comentando essas afirmações, Henry Siegman, ex-diretor do Congresso Judaico-Americano, afirmou: “Deixemos de lado o argumento estranho que defende que o consenso entre os ladrões torna legítimo o roubo. Enquanto posições como essa forem defendidas pelos trabalhistas em Israel, como acreditar na mínima possibilidade de emergência de uma perspectiva de paz?”.7
E por que os israelenses renunciariam ao statu quo? A ordem reina na Cisjordânia graças sobretudo à colaboração palestina. O isolamento internacional de Israel terá poucas consequências enquanto persistir o apoio dos Estados Unidos e a União Europeia mantiver e estender os privilégios comerciais, econômicos e políticos reservados a esse Estado – Israel acaba de ser admitido como membro observador da Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern), sem dúvida como recompensa por seu programa nuclear militar. Sem sanções internacionais e um isolamento reforçado, sem uma forte mobilização da população local e se tivesse contado apenas com a boa vontade da comunidade branca, a África do Sul nunca teria se libertado do apartheid.
A incapacidade da OLP em obter qualquer coisa por meio unicamente de negociações e a desordem no cenário árabe levaram Abbas a se apresentar diante das Nações Unidas. Mas o significado de tal internacionalização ainda é difícil de ser medido. Tratar-se-ia de uma mudança estratégica? Ou somente de uma retomada do diálogo em condições ligeiramente melhores?
A população palestina permanece extremamente cética em relação às iniciativas de uma liderança muito contestada, ainda mais sabendo que, qualquer que seja o resultado da votação, no dia seguinte, ela continuará sofrendo com a ocupação, mesmo que as ameaças de represálias israelenses ou norte-americanas sejam pouco prováveis: elas enfraqueceriam seu único interlocutor palestino e colocariam em perigo a cooperação de segurança que é muito vantajosa para Tel-Aviv.
Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).