O gênio de “La vita è bella”, Roberto Benigni
Conhecido por ter chocado o mundo pela narrativa cinematográfica de um dos episódios mais tristes do último século, Roberto Benigni pode ser considerado um gênio
Como reconhecer um gênio nas artes? Um dos caminhos seria o destaque de seu talento criativo fora da curva, ou pela notável posse de habilidades que fogem a trivialidade. Podemos destacar sua criatividade surpreendente, chocante, emocionante, questionadora e polêmica. Por conta dessas variadas qualidades, Roberto Benigni pode ser considerado um gênio. Um gênio conhecido por ter chocado o mundo pela narrativa cinematográfica de um dos episódios mais tristes do último século, trazendo com leveza e amargor a história de um judeu dono de uma simples livraria, na Itália fascista de Mussolini. “La vita è bella” poderia ser mais um filme que conta os horrores da Segunda Guerra Mundial, em especial o trágico e doloroso cenário dos campos de concentração, através de um enredo que gira em torno de uma família que fora bruscamente separada e levada para um campo de concentração nazista. Poderia, mas aí entra a genialidade de Benigni.
Para manter a pureza de seu filho Giosué frente aos horrores praticados no campo de concentração, Guido Oferice – interpretado por Benigni – usa de sua perspicácia, inteligência e bom humor, para fazer a pequena criança acreditar que ambos estão num jogo, e que o vencedor ganharia um tanque. Não menos importante, a história de amor de Guido e Dora – interpretado pela esposa de Benigni, a grande atriz Nicoletta Braschi – não é esquecida durante a trama. O amor de Guido por Dora faz com que o personagem quebre regras, desenvolva sua capacidade criativa – que beira a insanidade – mesclando tons sanguíneos e melancólicos que encarnam uma verdadeira prática do carpe diem.

De onde surgiu a inspiração para Benigni? A história teve como fonte o livro In the End, de Rubino Romeo Salmoni, deportado para Auschwitz com sua família. Salmoni sobrevive, mas posteriormente descobre que seus irmãos foram assassinados. Além dessa fonte, Roberto se inspira na história de seu pai, Luigi Benigni, que passou dois anos num campo de extermínio nazista e, para evitar assustar seus filhos, contava suas experiências com humor. Como tantos outros na história, Benigni se inspira na figura paterna, personifica características de seu próprio pai, fazendo memória e eternizando seu legado para as futuras gerações. “Hoc facite in meam commemorationem”(fazei isto em memória de mim), já dizia a Sagrada Escritura.
Numa matéria em 1999 no jornal britânico The Guardian, respondendo as críticas por seu filme, classificado por alguns como “a comédia do campo de concentração”, Roberto Benigni explica com segurança o que está por trás do enredo: “O filme não é sobre o Holocausto, é sobre uma história de amor, e o seu personagem especial, Guido, é um pai capaz de traduzir para a linguagem de seu filho o mundo que o rodeia, um pesadelo”. Seria o amor o único antídoto capaz de transformar a tenebrosa realidade mortífera em vida? Seria o amor a abnegação total de si, de seus medos e dores, para aliviar os medos, traumas e dores do outro, do objeto amado? Como é difícil amar.
Não se esperava que Benigni levasse o mundo a esperar uma película puramente trágica, ou como diz o autor, “que tomasse o lugar do inferno de Dante em nossos cérebros”, e realmente o diretor e ator principal cumpriu. O filme foi exibido no Festival de Cannes de 1998, onde venceu o Grand Prix, contando ainda com a cena cômica e espontânea de Benigni beijando os pés de Martin Scorsese, presidente do júri naquele ano. Em 1999, venceu o Oscar de melhor ator, além das estatuetas de melhor trilha sonora e melhor filme estrangeiro. Com humor, na cerimônia, responde: “vocês cometeram um grande erro ao me dar mais um prêmio, pois já usei todo o meu inglês ao receber a primeira estatueta”.
Não podemos esquecer sua genialidade também no sucesso de Johnny Stecchino, de 1991, em que protagoniza o jovem motorista de ônibus Dante, que, ao conhecer Maria – também interpretada por Nicoletta Braschi – se apaixona e aceita ser dublê de seu marido mafioso jurado de morte. Em 2021, Benigni encarnou Gepetto, famoso personagem do conto “Pinocchio”, inspirado nas histórias originais publicadas por Carlo Collodi em 1882, dirigido por Matteo Garrone, numa versão tida por “sombria”, muito mais fidedigna do que aquela que o público se acostumou, no intuito também de buscar reapropriar a história à cultura italiana.
A genialidade do diretor e ator atravessa a linha tênue entre o horror e o belo. Como disse em entrevista, “rir e chorar vêm do mesmo ponto da alma, não? O cerne da questão é alcançar a beleza, a poesia, não importa se isso é comédia ou tragédia. Eles são o mesmo se você alcançar a beleza”. Por detrás das interpretações de Benigni está a seguinte mensagem: se realmente tivermos vontade, sede, gana, podemos fazer tudo. Até mesmo emocionar, fazer rir, torcer por um final feliz, no meio de enredo cruel do século XX.
Railson Barboza é Bacharel em Filosofia (PUC-Rio). Doutorando e Mestre em Política Social (UFF)
Um filme que realmente nos choca com as atuações do Benegni. Ótimo artigo, emocionante.