O investidor não vota
É um esboço cada vez mais bem-acabado. Um governo – progressista ou reacionário – toma uma decisão que desagrada às preferências das finanças. Os mercados ameaçam, o poder político renuncia, a mídia aplaude. A crise italiana demonstrou que o “círculo da razão” neoliberal se parece mais e mais com um nó apertado em torno do pescoço do eleitor
Os europeus acabam de redescobrir: um dos atores mais influentes de suas democracias se preocupa pouco com as urnas. Seu nome? “O investidor”.
Em maio de 2018, a Itália retomou essa lição quando o presidente Sergio Mattarella rejeitou a nomeação de Paolo Savona para o cargo de ministro da Economia. Este último tinha o apoio de ambos os partidos encarregados de formar um governo – a Liga (extrema direita) e o Movimento Cinco Estrelas (“antissistema”) –, mas não ganhou o coração da União Europeia. “A designação do ministro da Economia constitui uma mensagem imediata de confiança ou alarme para os operadores econômicos e financeiros”, justificou o chefe de Estado em 27 de maio. Ora, o investidor gosta da UE, pois ela o multiplica.
O nome de Savona fez pairar sobre a Itália a ameaça da ira dos mercados; Liga e Cinco Estrelas reativaram seu acordo de coalizão. Se não tivessem conseguido, afirmou o comissário europeu do orçamento, Günther Oettinger, os italianos retornariam às urnas com mais força: “As consequências para a economia da Itália poderiam ter sido tão drásticas que isso se tornaria um sinal possível aos eleitores para não eleger populistas, de esquerda ou de direita”. Não foi necessário. Menos de uma semana depois, a coalizão propôs um novo candidato ao cargo, aparentemente mais compatível com o projeto europeu. O eurocético Savona foi relegado a um papel secundário do ponto de vista dos investidores: o de ministro das Relações Exteriores da União Europeia.
Os italianos evitaram o pior ou exageraram no tamanho da ameaça? Dito de outra forma: é possível competir na queda de braço contra os mercados financeiros e ganhar? É o que tentou recentemente o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em uma pequena batalha cheia de aprendizados.
Exigências contraditórias
Em uma escala imaginária de determinação política, o ex-presidente francês François Hollande e Erdogan ocupariam posições opostas. De um lado, a consistência de um pudim; do outro, a firmeza do aço. Perseguição de dissidentes, prisões arbitrárias, irritabilidade geopolítica, o chefe de Estado turco apresenta uma resolução rara. Na ampla gama de movimentos de tropa, o recuo estratégico não é sua manobra preferida. Contudo, ele acaba de ser obrigado a uma humilhante retirada em relação às taxas de juros.
Da mesma forma que o ponteiro de uma bússola aponta sempre para o Norte, as taxas de juros praticadas pelo banco central de um país – chamadas de taxas básicas – são definidas pelo ambiente econômico. Destas últimas deriva a maior parte das outras taxas de juros da economia, notadamente aquelas que estabelecimentos privados propõem às pessoas físicas e às empresas. Quando o banco central baixa sua taxa básica, isso facilita o acesso ao crédito e estimula tanto os investimentos empresariais como o consumo. Em resumo, aquece a economia. Mas pode igualmente conduzir a uma alta da inflação se esse crescimento do consumo e do investimento não vier acompanhado de um crescimento similar da produção de bens e serviços no território.
Para os investidores do mercado de moedas, a taxa básica de um banco central permite sobretudo calcular os lucros que podem obter de seus investimentos. Os especuladores, por sua vez, gostam da operação de se endividar em uma moeda para investir os fundos emprestados em outra moeda com taxa de juros alta (o carry trade). Exemplo: no início de junho de 2018, o Federal Reserve (banco central norte-americano) praticou uma taxa básica de cerca de 2%, permitindo ao investidor levantar US$ 1 milhão por um juro de US$ 20 mil ao ano. O tomador do empréstimo poderia converter seus verdinhos em liras turcas e lucrar com um investimento a partir da taxa de juros turca: 15%.1
Poderíamos nos questionar sobre o interesse de recompensar os turistas do mercado de câmbio. No contexto de uma economia financeirizada, a operação é determinante porque o fluxo de dólares é uma das únicas formas de equilibrar as contas de um país. E as da Turquia sofrem de um desequilíbrio estrutural ligado às suas demandas energéticas: o petróleo e o gás que consome – importados – desequilibram sua balança comercial. Em outras palavras, Ancara depende das divisas trazidas pelos investidores.
Como a maior parte dos países emergentes (África do Sul, Brasil, Indonésia…), a Turquia se encontra, assim, confrontada por exigências contraditórias: as dos investidores, pouco dispostos a transigir sobre a amplitude de seus lucros e seduzidos por taxas de juros bombadas; as da economia produtiva, que necessita de acesso suficiente a créditos baratos para não disparar os custos de produção ou para facilitar o consumo e o acesso à casa própria. Em outras palavras, uma taxa de juros diretos reduzida, que limita os lucros dos especuladores.
Nesse confronto, em geral, os investidores contam com um aliado de peso: o próprio banco central. Sua dita “independência” atualmente se impõe a diversos países sob o pretexto de tirar a política monetária – a pilotagem do valor da moeda e das taxas de juros do país – das mãos dos dirigentes políticos que em processos eleitorais prometem com frequência satisfazer as necessidades de seus eleitores facilitando o acesso ao crédito (taxas de juros baixas) ou girando a máquina de emitir papel-moeda (alta da inflação). Um “desvio demagógico” que os ideólogos neoliberais (monetaristas) – politicamente vitoriosos a partir do fim da década de 1970 – praticaram, submetendo os bancos centrais independentes às suas próprias preferências: taxas de juros altas e, principalmente, a luta contra a inflação, que vem engolir o valor dos subsídios financeiros reduzindo o valor da moeda.
Há algum tempo, o presidente turco deu a entender que, aos seus olhos, a economia nacional deveria se adaptar às exigências da economia produtiva e também às do islã, que condena a usura. Em outras palavras: reduzir a taxa básica de juros. Compartilhando seu temor, o Financial Times reportou que “os investidores estrangeiros esperavam que Erdogan aproveitasse sua visita a Londres [em maio de 2018] para acalmá-los”.2 Erro. Ao falar na Bloomberg TV no dia 15 de maio, o presidente turco confirmou que as taxas de juros elevadas constituíam, segundo ele, “a fonte dos problemas, não sua solução”, e que a vitória nas eleições antecipadas de 24 de junho lhe permitiria retomar o controle da política monetária do país.
Até esse momento, a natureza repressiva do regime de Erdogan não havia tirado sequer uma noite de sono dos mercados financeiros, mas suas declarações no canal de TV marcaram um “ponto de virada”, de acordo com um consultor financeiro entrevistado pelo Financial Times: “Durante muito tempo, os investidores imaginaram que esse governo lhes era favorável” (24 maio). Alarmado pela pretensão de um dirigente político de se apropriar da ferramenta monetária – uma “decisão arbitrária” –, Martin Wolf, o economista-chefe da revista da City, o convidou a “demonstrar […] que ele [poderia] pilotar a Turquia de maneira conveniente” (25 maio). “Conveniente”, ou seja, em harmonia com as preferências dos investidores. “Isso pode incomodar alguns, mas são aqueles que pilotam o Estado que prestam contas aos cidadãos”, respondeu Erdogan na Bloomberg TV para justificar uma eventual limitação da independência do banco central, blindada pelas necessidades dos eleitores.
O presidente turco mal devolveu seu microfone aos técnicos da Bloomberg e a guerra já havia eclodido. No mesmo dia, os investidores se retiraram do mercado de Istambul, provocando uma queda livre da lira turca de mais de 20% em um mês. As importações tornaram-se mecanicamente mais custosas (pois eram necessárias mais liras para obter a mesma quantidade de dólares), e o custo de vida disparou. A partida dos investidores também privou a Turquia dos fundos estrangeiros de que necessita para honrar seus compromissos junto ao resto do mundo, notadamente suas dívidas públicas e privadas (as das empresas revelaram-se colossais). Algumas semanas antes do escrutínio eleitoral, as nuvens se acumulam perigosamente. O homem forte da direita nacionalista turca cede: renuncia à ideia de impedir um primeiro aumento da taxa de juros base de 13,5% a 16,5%, no dia 24 de maio, e depois a 17,75%, em 7 de junho.
País-membro da zona do euro, a Itália se mostra menos submissa às flutuações do mercado de câmbio que a Turquia. Contudo, não está livre de solicitações financeiras. A carótida que os investidores identificaram em seus “parceiros” europeus para passar o fio de suas lâminas tem nome: spread.
A partir dos anos 1970, sob influência dos monetaristas, os Estados pararam de se financiar junto aos seus bancos centrais (mecanismo acusado de aumentar a inflação) e reduziram a fiscalização, em particular sobre grandes receitas. Obtêm, assim, a liquidez de que precisam junto aos investidores emitindo títulos do Tesouro ou “obrigações” – em suma, títulos da dívida do Estado. Estes são trocados de duas formas. No mercado primário, o Estado “transmite” suas obrigações, que comportam um preço e uma taxa de juros. O preço corresponde ao montante emprestado e a taxa de juros fixa a remuneração. Por 100 euros, uma taxa de juros de 3% oferece um lucro, chamado de “cupom”, de 3 euros por ano.
São raros, porém, os investidores que desejam conservar seus títulos até sua maturidade (entre dois e cinquenta anos, de acordo com os títulos). A troca antes da data de vencimento acontece no mercado secundário. Quando uma obrigação de Estado é muito procurada, o título valoriza: do preço de emissão de 100 euros, passa a valer 150, por exemplo.
No caso contrário, o título se desvaloriza. O cupom em si não varia. Corresponde, por outro lado, a uma porcentagem variável do novo preço: 3 euros representam 3% de 100 euros; se o mesmo título baixa 60 euros, o mesmo cupom de 3 euros passa a representar 5% do preço. Trata-se, pois, de uma variação da taxa de juros: se ela sobe, é porque o título está negligenciado.
Já ensinava o rei Knut, o Grande
Para medir a atratividade das diferentes obrigações, os investidores as comparam a todos os outros títulos similares, julgados fortes, pois de baixo risco. No âmbito da dívida europeia, os títulos dos outros países são comparados aos da Alemanha, considerado o país de maior solvência. Quanto mais os juros dos títulos italianos crescem, mais eles divergem das obrigações alemãs: entre as duas dívidas, a brecha, geralmente medida em pontos percentuais, aumenta. Em inglês, a brecha se chama… spread, e os investidores falam inglês. Em outros termos, quanto mais o spread aumenta, mais as taxas de juros praticadas no mercado primário, quando da emissão de novos títulos da dívida, devem ser elevadas, para que os investidores não abandonem as novas obrigações em benefício das que circulam no mercado secundário.
Entre abril e maio de 2018, o spread italiano (a diferença entre as taxas de juros exigidas pelos investidores para comprar títulos emitidos nos últimos dez anos por Berlim e Roma) dobrou. A Itália apresenta um endividamento importante, superior a 130% do PIB. Como, não mais que os outros, o país não está em condições de reembolsar os valores de tais somas, ele deve proceder com a “rolagem” da dívida: emitir regularmente novos títulos para reembolsar os compradores precedentes. O aumento do spread se revela, então, suficientemente oneroso para convencer as elites políticas de apaziguar os mercados o quanto antes.
Em um editorial de 24 de maio, o Financial Times se gabava da decisão do presidente turco de “abdicar”: “Erdogan […] acaba de aprender uma dolorosa lição que já ensinava o rei Knut, o Grande, soberano da Inglaterra no século XIX. Contam que ele se sentava diante da maré crescente para mostrar aos sicofantas que o rodeavam que ele não reinava sobre o mar. Da mesma forma, Erdogan acaba de aprender que a maré das finanças globalizadas não se submeterá a ele”.
“Desde que ele não pretenda acabar com o financiamento do Estado nos mercados”, deveríamos acrescentar. No momento, esse projeto não faz parte nem da Liga, nem do Movimento Cinco Estrelas, nem da direita nacionalista turca, o que não significa que os mercados sempre impuseram seus termos: o presidente norte-americano Richard Nixon, por exemplo, resistiu a ele em 1971, quando decidiu suspender a convertibilidade do dólar em ouro. O que era possível naquele tempo permanece e outras forças políticas – progressistas, por exemplo – poderiam retomar essa ambição nesse campo. Mas libertar a democracia do poder dos investidores exigirá bancar um conflito de rara violência, cujas implicações devem ser medidas. Antes de se preparar para ela.
*Renaud Lambert é jornalista do Le Monde Diplomatique; Sylvain Leder, professor de Ciências Econômica e Social (SES), participou da coordenação do Manual de economia crítica do Le Monde Diplomatique, de 2016.