O que é bom para o emprego?
O desemprego, a informalidade e a precarização aumentarão, repercutindo na queda dos salários. A massa salarial se reduzirá, enfraquecendo o mercado interno de consumo. A precarização será agravada. As empresas promoverão reestruturações, reduzindo o contingente ocupado, alterando a estrutura de gestão e investindo emClemente Ganz Lúcio
Um objetivo da política econômica é gerar empregos e o incremento real da renda do trabalho. As políticas públicas e o sistema de relações de trabalho devem promover a qualidade dos empregos. A economia política do desenvolvimento deve se orientar pela centralidade do trabalho como produtor e organizador da vida social.
O produto social do trabalho cria riqueza e gera a renda que se transforma em lucro, salário e imposto. O crescimento da produtividade do trabalho estabelece as condições para o desenvolvimento, ampliando a oferta de bens e serviços para todos e possibilitando a redução da jornada de trabalho.
O que é bom para o emprego é o crescimento econômico sustentado pela demanda oriunda do aumento da massa salarial (mais empregos com melhores salários), pelos investimentos público e privado (infraestrutura econômica, social e produtiva) e pela capacidade ampliada de importar e exportar de maneira equilibrada.
Durante uma década (2004-2014), o Brasil realizou uma estratégia econômica de crescimento com geração de empregos, aumento dos salários e dos investimentos que deram tração à produção. Os resultados apareceram durante todo o período, como destacam Paulo Baltar e Eugenia Leone, no artigo “Perspectivas para o mercado de trabalho após o crescimento com inclusão social” (Revista Estudos Avançados, n.85, vol.29, set.-dez. 2015, p.56): “[…] o bom desempenho do mercado de trabalho manifestou-se, basicamente, na queda da taxa de desemprego (9,1% para 6,6%), no aumento do grau de assalariamento (a participação do emprego de estabelecimento na ocupação total aumentou de 57,3% para 63,8%), no aumento do grau de formalização dos contratos de trabalho dos estabelecimentos (a proporção de contratos celetistas e estatutários no total dos contratos de trabalho aumentou de 67,5% para 76,6%) e no aumento do nível de renda do trabalho (o poder de compra da renda mediana das pessoas ocupadas com rendimento positivo aumentou 64,3%, ou 5,7% ao ano)”.
Em 2014 e 2015, a economia travou, o que provocou a queda de 3,8% do PIB, puxada pela redução de 14,1% no investimento, diminuindo ainda mais o estoque de capital, e de 4% no consumo das famílias, enfraquecendo o mercado interno. A indústria caiu 6,2%, e a participação da indústria de transformação no PIB representa somente 11,4% (um terço do que já representou). Os empregos e os salários sentiram essa queda e o desemprego reapareceu rapidamente.
Em 2015, o desemprego aberto cresceu 2,4 p.p., passando de 6,5% (2014) para 8,9% (2015), o que significou aumento de 39% do contingente de desempregados (PNADC-IBGE). A taxa de desemprego Dieese/Seade, que inclui o desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho precário e o desemprego pelo desalento, saltou, no mesmo ano, em São Paulo, de 10,8% para 13,2%; em Salvador, de 17,4% para 18,7%; em Fortaleza, de 7,6% para 8,6%; e, em Porto Alegre, de 5,9% para 8,7%.
Desde 2014, a indústria de transformação e a construção civil desempregam. Em 2015, os setores de serviços e comércio sentiram o impacto e pararam as contratações ou começaram a demitir. Redução do número de pessoas com carteira de trabalho assinada, aumento do assalariamento sem carteira e do trabalho autônomo ou por conta própria, sem contribuição previdenciária, são efeitos imediatos, o que faz ganhar força o movimento de precarização.
Os salários caíram 3,7%, segundo o IBGE. Desemprego em alta e salário em queda produzem a redução da massa salarial em 5,3%. Há repercussão no consumo, que cai, e cresce a inadimplência no crédito. O nível de atividade econômica vai despencando. São todos os vetores do círculo recessivo.
Este será um ano complicado, pois, além das restrições econômicas e fiscais ao crescimento, a crise política não dá trégua. Intensificam-se as incertezas e já se estima nova queda do PIB da ordem de 3%. A crise promete ser longa, e a retomada do crescimento e a recuperação da queda do PIB levarão anos.
Nesse quadro, o desemprego, a informalidade e a precarização aumentarão, repercutindo na queda dos salários. A massa salarial se reduzirá, enfraquecendo o mercado interno de consumo. A precarização será agravada. As empresas promoverão reestruturações, reduzindo o contingente ocupado, alterando a estrutura de gestão e investindo em tecnologia para economizar nos empregos. Se não fizerem isso, vão quebrar.
Não há mágica. A saída é o crescimento. Sem abrir mão do mercado externo (mais restrito), aproveitando um câmbio de equilíbrio industrial (que deve ser mantido), a saída para o crescimento é investir na dinamização do mercado interno por meio do investimento em infraestrutura econômica, social e produtiva, no desenvolvimento produtivo, na recuperação da renda etc. Essas prioridades exigirão difíceis e necessárias escolhas de política econômica.
Ao mesmo tempo, é fundamental proteger os empregos para preservar a massa salarial e o mercado interno de consumo (demanda) dos 101 milhões de pessoas que participam do mercado de trabalho no Brasil – 92 milhões de ocupados e 9 milhões de desocupados (IBGE, PNADC, dez. 2015). Será preciso colocar o emprego como prioridade e abrir espaço de negociação de políticas setoriais que incentivem o nível de atividade e a preservação dos postos de trabalho.
Fundamental também será adotar medidas mitigadoras do desemprego, com ações que: a) retenham por mais tempo os jovens nas escolas, com algum tipo de renda (bolsa); b) mobilizem a ocupação provisória – emprego de interesse público e/ou comunitário – para serviços (saúde, educação etc.) e obras de interesse coletivo (construção, calçamento, saneamento etc.), que geram um bem ou serviço e renda; c) ofereçam crédito e apoio para as micro e pequenas empresas; d) incentivem e apoiem iniciativas populares e solidárias de atividades econômicas na produção de bens e serviços; e) mobilizem recursos e regras para renegociação de dívidas de empresas e famílias, em condições adequadas; f) melhorem a proteção do seguro-desemprego. Essas e outras medidas deverão ser aplicadas para ajudar trabalhadores e empresas nessa difícil transição.
O Brasil tem enorme potencial para crescer de maneira sustentável, construindo capacidade política para alavancar o investimento público e privado; desmontando a indexação rentista; combatendo o spread bancário; dando potência à política monetária; organizando uma política cambial de desenvolvimento industrial; destravando o setor de construção, petróleo e gás; animando o desenvolvimento industrial; mobilizando o setor de serviços e de turismo; agregando valor na produção agrícola e pecuária, entre tantas outras grandes oportunidades. Há um caminho para crescer, com geração de emprego, pois o que é bom para o emprego é bom para o país.
Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Conselho de Administração do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).