O teto de gastos não deve ser furado, mas eliminado
O teto de gastos não deve ser furado, mas eliminado definitivamente. Trata-se de uma regra fiscal perversa que impossibilita dar respostas aos problemas advindos das pandemia de Covid-19 nas áreas de saúde, educação, assistência social e geração de emprego e renda, entre outras
Desde o momento em que o ministro da Economia anunciou que iria furar o teto de gastos fomos bombardeados pela imediata e afoita reação do mercado. Cai a Bolsa de Valores, sobe o dólar, aumenta o risco Brasil e elevam-se os juros no mercado futuro, entre tantos outros indicadores econômicos que expressam a insatisfação das nossas elites. Os seus porta-vozes vêm a público proferir terríveis ameaças, alardeando que iremos cair em profundas trevas, consequência desses gastos adicionais que irão, eles asseguram, nos conduzir à recessão, elevar a inflação e aumentar nossa dívida.
O que surpreende é que dados alarmantes para qualquer país sério, que afetam milhões de pessoas, não só não mobilizam o mercado e a maioria dos formadores de opinião como não foram motivos suficientes para a equipe econômica do governo sequer enrubescer. São hoje 32 milhões de trabalhadores subocupados, 35 milhões de trabalhadores informais – sem qualquer proteção do Estado (seguro desemprego, aposentadoria, licença maternidade entre outros benefícios), 20 milhões de pessoas passando fome, 5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, 600 mil pessoas mortas em função da Covid-19, entre tantas outras mazelas que envergonham o Brasil.
Mas esse quadro dramático não fez o mercado estremecer, nem resultou em protestos em forma de demissão dos que até então faziam parte desse governo. Infelizmente, os empobrecidos e excluídos não contam com representantes que possam defender seus interesses no espaço público. O que é lastimável, pois é sabido que um país menos desigual, mais justo e inclusivo é mais próspero.
Por essas razões defendemos que o teto de gastos não seja furado, mas eliminado definitivamente. Trata-se de uma regra fiscal tão contraproducente que não resiste ao tempo e nem às excepcionalidades propostas pelos seus mais ferrenhos defensores, como é o caso do ministro da Economia. A regra foi criada no governo do ex-presidente Michel Temer e prevê que as despesas da União não poderão aumentar em termos reais até 2036.
Essa medida é tão perversa que, além de não levar em conta os imensos passivos sociais e ambientais existentes no Brasil, impossibilita dar respostas aos novos problemas advindos das consequências da pandemia de Covid-19 nas áreas de saúde, educação, assistência social e geração de emprego e renda, entre outras. E mais, também inviabiliza o aumento do atendimento das políticas públicas decorrente do crescimento da população brasileira durante os 20 anos de vigência do teto de gastos, 2017 a 2036.
O teto de gastos impede ainda que o Brasil se torne uma nação de vanguarda, pois praticamente não sobram verbas para a área de ciência e tecnologia ou para investimentos governamentais em áreas de ponta. Essa regra fiscal asfixia ainda mais o funcionamento da máquina pública, pois inexistem novos recursos para contratar profissionais de saúde, professores, assistentes sociais, fiscais da receita, do trabalho e do meio ambiente, tão importantes para assegurar serviços públicos efetivos e de qualidade.
A inoperância da regra é evidenciada porque não existe algo semelhante em outro lugar do mundo. E, ainda, porque ela em nada contribuiu para criar superávit primário ou promover o crescimento da economia, está longe, pois, de entregar o prometido. Faz sete anos consecutivos que o país registra déficit primário e desde 2014 a economia não sai do marasmo, sendo agravada pela pandemia do novo coronavírus.
A eliminação do teto de gastos não pode acontecer para atender anseios casuísticos e eleitoreiros de um presidente que até hoje pouco se importou com seu povo. Muito menos para promover um programa de transferência de renda mal pensado e mal desenhado, como é o Auxílio Brasil. Deve ser uma decisão tomada com responsabilidade, a partir do estabelecimento de prioridades nacionais, com vistas a reposicionar o Brasil na rota dos países que desejam eliminar as brutais desigualdades que atravessam sua sociedade e alcançar um desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente sustentável e culturalmente diverso.
Nathalie Beghin é economista e doutora em Políticas Sociais e coordenadora da Assessoria Política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Livi Gerbase é mestre em Economia Política Internacional e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).